No começo, Monica (Courteney Cox) procurava uma colega para ocupar a casa com ela. Em uma Nova York repleta de sonhos e frases feitas, já se notava a total artificialidade das tramas. Friends começa como a maioria das relações envolvendo o sexteto: entrando em colapso. Ross (David Schwimmer) acaba o seu casamento, vendo sua esposa se mudar para a casa de outra mulher. Logo no piloto, percebe-se a química entre ele e Rachel (Jennifer Aniston), que adentra o Central Perk com um vestido de noiva, uma vez que ela acabara de desistir (também) de seus planos matrimoniais. Em comum entre o tragicômico casal, há uma eterna futilidade dentro das rotinas. A chegada do sexto elemento do grupo mexe com a vida de todos, inclusive daqueles que não conheciam a nova figura. O desespero de alma da novata faz com que Chandler Bing (Matthew Perry) não pareça tão patético, nem a vida de ator de Joey Tribbiani (Matt LeBlanc) aparente ser tão fracassada quanto realmente é, tampouco a tragédia de Phoebbe Buffay (Lisa Kudrow) torna-se mais significativa. A trajetória dos seis seria repleta de percalços, e eles poderiam contar um com o outro, dando suporte e ajuda ao próximo, como em um grupo de apoio.
Friends marcou época na TV norte-americana e ganhou muita popularidade no Brasil, sendo, talvez, a sitcom mais viva na memória do público brasileiro, muito por causa do carisma de seus protagonistas, pelos risos fáceis e pela proximidade dos problemas dos seis personagens aos de muitos membros da classe média: eles são bobos, belos, com problemas de proporções pequenas, mas bastante reais, e costumam fazer um drama tremendo quando não enxergam a solução para os problemas de suas vidas. Seus trabalhos não são tão bem-sucedidos, no entanto esbanjam dinheiro com gastos provavelmente não condizentes com seus salários, e com situações tão díspares quanto a proporção que dão para qualquer coisa inerente relacionada às suas vidas ordinárias e medíocres. A completa falta de realizações faz com que qualquer ato, por mais bobo que seja, tenha uma dimensão enorme e especial.
Os movimentos de insensibilidade de seus personagens são entendidos como momentos cômicos pelo nonsense, se valendo excessivamente de um comédia de equívocos, com discussões sobre as vicissitudes e dificuldades rotineiras em um café ao invés de um bar, ecos dos conservadores anos noventa. Toda a timidez e incapacidade de se relacionar com outros seres são escondidas atrás de blusões e mangas excessivamente compridas e algodão barato. É incrível que basta um personagem baixo como Roger, vivido por Fisher Stevens, um psicanalista que namora Phoebe, acabar com a moral e autoestima de cada um dos membros do grupo de amigos, exibindo o quão mimados e inseguros eles são, uma vez que suas vidas são fundamentadas na futilidade.
O único evento entrópico da primeira temporada é a não concepção do romance entre Rachel e Ross, fazendo com que o inseguro paleontólogo, depois da falta de investidas, finalmente desista, se envolvendo com outra mulher em uma viagem de negócios. O segundo ano ainda incorre na questão amorosa, demorando certo tempo para que o namoro se consumisse em uma tentativa fracassada de emular a realidade, mostrando uma faceta artificial de como as relações entre homens funcionam.
Os outros membros do grupo vivem suas vidas se relacionando ora sim ora não com pessoas pouco interessantes, repletas de comportamentos clichês e que, por isso, não conseguem manter relações muito duradouras. Aos poucos, os hábitos que faziam os protagonistas se diferenciarem entre si manifestam-se e tornam-se atos que deixam de ser rotineiros para virarem vício de linguagem. As tiradas super engraçadas de Chandler, a estupidez latente de Joey e o modo nonsense como Phoebe trata tudo e todos aos poucos tornam-se insuportáveis.
O ponto que mantém o público ativo são os mais carismáticos enlaces, de Ross e Rachel, Chandler e Janice (Maggie Wheeler), e de Monica e Richard (Tom Selleck), os poucos que se mantém divertidos durante quase todo o tempo. Um dos plots que mantém o receptor ativo é o drama de Joey interpretando o Doutor Drake Romaray em uma novela, o que garante algumas risadas, além de uma pequena mudança no status quo do grupelho.
A insistência com a nunca concebida por completo relação de Ross/Rachel é tão infantil que consegue elevar um romance improvável como o de Mônica e Chandler a níveis estratosféricos, fazendo dos dois o novo casal preferido dos fãs, estratagema que nasceu de uma das muitas idas e vindas do primeiro casal preferido. A química desgastada do primeiro par dá lugar a uma inesperada união, que dá certo especialmente pelo ineditismo e por não subestimar o espectador, enquanto o vaivém enfadonho do outro lado faz casamentos irem para a decadência sem nenhuma justificativa válida ou contrapartida dramaticamente interessante.
Entre a quinta e sexta temporada, o roteiro explora as dificuldades que existem na relação entre os dois antigos amigos, Monica e Chandler, e como funciona a nova interação de ambos morando juntos como um casal. Na prática, há poucos problemas entre eles: as reclamações são por parte de Joey e Rachel, que se veem obrigados a crescer e agir como adultos, tendo que viver suas vidas longe de seus antigos colegas de quarto, encarando finalmente a maturidade, que teimava em cercá-los.
Apesar de toda a morosidade do seriado de Marta Kauffman e David Crane, há uma demonstração clara de evolução de personagens, especialmente em esferas profissionais. Apesar de prosseguir cruel com seus pares amorosos, Rachel sobe de cargos na especialização em moda, tendo sua carreira construída de modo bem registrado. O mesmo não ocorre com Joey, que sobe degraus enquanto ator – e autor – de espécimes televisivos, mas que parece ser levado pela corrente com uma sorte atroz, algo que não condiz nem com seus dotes dramáticos, nem com seus esforços em estudar o método ou a melhora de sua escrita. Sua primeira criação, Mac and C.H.E.S.E.E., um programa em que um detetive interpretado por ele mesmo e acompanhado por um robô, é devidamente criticado por seus outros cinco amigos, que permanecem bastante falsos, sem a coragem de falar o quão ruim o programa é –, a hipocrisia segue inabalável, como todo o entorno conservador deles.
Após o último evento importante da série, no fim do sétimo ano, com Monica e Chandler finalmente casados, quase não há mais o que se explorar, até que a gravidez de Rachel é revelada. O ano oito é monótono e mostra a lenta, gradual e tosca aproximação de Rachel com Joey, relegando os outros amigos a papéis secundários e desimportantes, tudo para forçar um romance sem a mínima química.
A demora em concluir o seriado fez do último ano o mais repleto de momentos especiais, com poucos das comuns e enfadonhas reprises de acontecimentos e performances mais “queridas”. Finalmente Mike faz valer sua popularidade, mais baseada no carisma de Paul Rudd do que em qualquer outro fator. Paralelo a isso, é desenrolado o improvável e impossível romance entre Joey e Rachel, interrompido pela histeria de Ross, que emula o estranhamento do público com o estratagema.
De positivo – e muito emocionante –, há a trajetória de Chandler e Monica em busca de formar uma família, mesmo com a esterilidade de ambos. A procura pela adoção de uma criança e a compra de uma casa maior simbolizam algo que faltou para toda a série: amadurecimento. A mudança para Westchester é a prova de que eles finalmente são adultos e cresceram, ao contrário de todo o teatro exibido durante os outros nove anos. A quebra do cenário principal, centrado no apartamento de Mônica, deveria ser a prova cabal de que o sexteto conseguiria se manter unido. O subúrbio seria o lugar ideal para o conservador casal constituir o seio familiar, distante dos afazeres de Nova York e da loucura de seus parceiros.
O romance anunciado desde o primeiro episódio, estendido à exaustão, finalmente chega ao seu ápice com a dúvida de Rachel em deixar o país, seus amigos e Ross para se aventurar com a filha dos dois, que sequer tem dois anos, por um país europeu quase desconhecido. Até o dono do Central Perk, Gunther (James Michael Tyler), tem uma atitude mais drástica que o antigo namorado dela, no intuito de fazê-la frear a decisão da mudança. Após ver sua amada indo porta afora, ele finalmente se enche de coragem, invertendo o papel de perseguidor e perseguido visto no último episódio da primeira temporada. O portão de embarque se fecha, Rachel está pronta para ir embora, mas seu avião não decola – com efeitos dramáticos –, para mais uma vez encerrar, de modo lotado de comicidade e afeição, o reencontro do casal master da série.
A emoção contida na despedida do apartamento era estampada no rosto dos seis atores, que contemplavam o vazio que seriam suas vidas e carreiras após o encerramento do episódio 238, focado nas seis chaves do apartamento, os objetos que quase nunca eram usados, visto que a porta estava quase sempre escancarada, aberta às experiências banais de cada um dos personagens e de seus pares ao longo da duração do programa. Friends se fecha após exaurir a própria fórmula, mas ainda atinge seus fiéis espectadores, provando que a repetição pode angariar novos fãs, louvando o fútil e a vida vazia, fazendo da mediocridade um alvo exemplar no rastro de Cheers e Seinfeld, por vezes até flertando com uma discussão maior, ainda que somente arranhe a superfície. Fato é que, apesar dos muitos defeitos e poucos momentos realmente engraçados, Friends consegue fazer muita gente se sentir representado.
Que puta má vontade de escrever, deve ter feito em um dia que a piroca não subiu, né. Só pode.
Se excitar com Friends é realmente impossível.
(mentira, achava a Courtney Cox um pitel)