Ainda longe dos holofotes hollywoodianos, Paul Schrader prossegue em uma busca árdua para produzir seus próprios filmes, que exibem um escopo violentíssimo, não enquadrado no cinema familiar tipicamente americano. Ainda na linha de seu anterior The Canyons, o diretor se vale de um rosto famoso para atrair investidores e aplacar um pouco da perda de público causada pela excessiva violência de suas fitas. O escolhido da vez é Nicolas Cage, uma persona muito menos problemática do que a protagonista anterior, Lindsay Lohan.
Evan Lake é um veterano agente da CIA, diagnosticado com demência, e guardando mostras de desprezo a si próprio, a começar pelas madeixas grisalhas que predominam sobre a fronte de seu calvo intérprete. Cage tenta fugir das últimas atuações tenebrosas, como as em Apocalipse, Fúria e tantas outras bombas que chegaram no mercado de home video. Sua interpretação é a de um sujeito apaixonado, patriota e ético, um homem que acredita que a morte em serviço seria uma honra, e não uma fatalidade. Tal situação sentimental é causada por um trauma, originado em uma tortura mal filmada, fruto do parco orçamento de cinco milhões de dólares.
Apesar de sua condição clínica, diagnosticada com “demência fronto-temporal”, que se propaga a passos largos, mostrada pelo médico como ainda mais agressiva que o Mal de Alzheimer, Lake ainda se vê pronto para o serviço, cada vez mais preocupado com uma possível ameaça terrorista, que é tratada de modo pouco relevante por seus superiores, motivados, é claro, pelos ecos da doença.
Mesmo com as negações, há quem acredite no relato do agente, com a fita se encarregando de mostrar que realmente há alguma razão em seus relatos, exibindo um adoentado Mohammad Banir (Alexander Karim), o qual finalmente apareceu nos radares da CIA após 22 anos de seu desaparecimento. A necessidade de cumprir sua missão faz Evan correr em direção à luz, resgatando o seu dever e ofício acima de seu estado mental.
A ação frenética lembra muito os filmes de superespiões, especialmente na interação entre o protagonista e o jovem agente, que lhe arranja condições de perseguir seus objetivos, Milton Schultz (Anton Yelchin), ajudando-o a fazer às vezes de “mestre do disfarce”. Em certos pontos, é quase possível esquecer-se da enfermidade do herói, dado o modo como ele se movimenta em direção ao término de seu tratado.
As marcas no andar de Evan representam mais do que a dor que sentia em seu corpo, se propagando como o avatar do sofrimento, do já citado problema carnal e, claro, da libertação de espírito, que em último caso se resume à possibilidade de prosseguir com a paixão em ser agente de campo, apesar de todo o pesar que envolve este retorno, e da crescente queda de pressão que é fruto de sua doença.
O embate que põe os dois moribundos frente a frente inverte os papéis do começo da fita, a despeito da regressão emocional pela qual passa o herói de ação. No discurso, há uma rasa discussão sobre os rumos políticos ideais para os países do Oriente Médio, ditos como inimigos do EUA, elevando a condição do marxismo como uma possibilidade viável para a sustentação do equilíbrio social das nações islâmicas, o que obviamente interfere no pensamento imperialista do homem que somente segue ordens, representado no arquétipo do personagem de Cage.
A defesa dos valores, presentes no American Dream e no American Way of Life, é realizada através do esforço máximo de Evan Lake, do começo ao melancólico e depressivo final, que aponta para a impossibilidade de este comportamento ainda existir. Para o espectador mais desatento, Vingança ao Anoitecer pode parecer propagandista, mas se analisados o conteúdo das falas dos antagonistas e as imagens que ocorrem nos pós-créditos, há como ver a escolha feita por Schrader, diretor que escolheu ser ufanista, de passar uma mensagem irônica, debochando do patriotismo exagerado e da ausência de pensamento crítico por parte dos que fazem o trabalho sujo do governo.