Walter Simonson tenta reavivar os áureos tempos de Jack Kirby e Stan Lee à frente do deus do trovão, levando o herdeiro de Asgard a aventuras fantásticas, repletas de escapismo, em que o chamado à aventura é realizado em uma atmosfera repleta de classicismo, como nas histórias tolkinianas de capa e espada. A publicação começa focando Balder, o Bravo, que está recluso em seu reino Norne, em seu castelo com a bela Karnilla, explorando toda a dualidade da personagem feminina, balanceado pelo espírito de paladino do guerreiro asgardiano.
A arte de Sal Buscema talvez seja o maior diferencial da revista. Seu traço faz lembrar o classicismo do seu xará de sobrenome, John Buscema, que costumava desenhar Conan. O Thor desta edição faz lembrar as adaptações em live action dos livros de George R. R. Martin, até prevendo um bocado da violência gráfica vista na série da HBO, ainda que a profusão de sangue e demonstração lasciva de carne humana seja muito mais branda nos quadrinhos da Marvel.
Agnar é enviado como mensageiro com a missão de convocar o seu mestre para ver a cúpula asgardiana. Após algumas desventuras, o informante vê-se em maus lençóis, presenciando o fim de seu mentor. Logo o caso se resolve, e Agnar percebe que Balder ainda está vivo, seguindo seu rastro, atrás dos gigantes de gelo liderados por Utgard-Loki que raptaram a rainha controversa de Norne. As primeiras quatro histórias servem para mostrar algumas das histórias periféricas escritas por Simonson, mas apenas para isso: introduzir o arco que interessa, que teria seu rompimento simbólico com a chegada do guerreiro oriental Hogun, o Severo, diante do já maduro Agnar. Sua chegada anunciaria a elevação de Balder a regente do reino dourado, para enfim adentrar na história central.
Na coroação de Balder, Thor assiste a tudo tranquilamente, com o estado de espírito não condizente com a crise que se instaurou em seu reino. A atitude altiva fortalece a confiança de seus concidadãos, além de servir como pretexto para retornar a Midgard. Paralelamente a sucessão real no plano astral, acontece uma invasão em Midgard, no meio da tarde em Nova York, e o poderoso deus encarnado intervém. O sujeito uniformizado é semelhante a um policial intergaláctico – com muitos aspectos em comum com a criação kirbiana de Orion, dos Novos Deuses, chamado Peace.
O patrulheiro tem uma missão relacionada ao casulo que mantém a bizarra figura Zaniac dentro da carcaça magra do reles presidiário Tatcher, que logo sai em busca de sua desejada Jane Foster. A história ganha ares de adaptação do texto de Robert Louis Stevenson e seu O Médico e o Monstro, cujo visual se assemelha aos filmes da produtora britânica Hammer.
Thor e Peace percebem que estão do mesmo lado e então formam uma aliança para deter Zaniac. A origem de patrulheiro do tempo faz de Peace uma figura que explora ótimas brechas da história, mas mesmo com todos os esforços conjuntos a dupla não consegue deter a vilania da monstruosa criatura, perdendo por muito pouco. Através da intervenção dos poderes de Mjölnir, Thor consegue recarregar os poderes de viagem de seu novo parceiro, e eles decidem genialmente viajar para momentos anteriores ao eclodir do poder proveniente do bandido, evitando assim a tragédia.
Com as questões terrenas resolvidas, o herói divino pode enfim andar tranquilamente por sua amada Midgard, tratando de pensar nas insolúveis questões que envolvem o desaparecimento do pai dos deuses, Odin. O fato de não saber o paradeiro de seu ente querido o afeta diretamente, se manifestando imageticamente pela espessa barba que o vigilante – e consequentemente suas contrapartes também – carrega, símbolos da cada vez mais presente possibilidade de depressão, aspecto este que humaniza ainda mais a criatura nórdica. Em busca de maior interação com seus sentimentos, Thor usa a alcunha de Sigurd Jarlson, um técnico em elevações, que visita um velho amigo e sua extensa família, para logo depois, em comunhão com este clã, sentir o chamado a uma aventura.
A luta que o primogênito de Asgard encara se dá nos subterrâneos de Nova York, no esgoto, em meio a lama e podridão do lixo da Roma moderna, contra os mutantes Morlocks. As cenas, carregadas de simbolismo, remetem à busca por sentimentos e sensações no recônditos da alma, além de ter na figura do X-Men Anjo a óbvia figura da certeza de cumprir-se o destino por vias apolíneas. O guerreiro leva o mutante em seus ombros, prestando socorro a contragosto, praticando atos de altruísmo mesmo com a alma e espíritos feridos. O reencontro que tem com Ciclope e Jean Grey – outros membros de X-Factor – também reforça a ideia de descida aos níveis de seu inconsciente, encontrando-se com justiceiros normalmente tratados como vilões pelas vias sociais. Thor se vê como um deles, tem humildade diante da recém condição de orfandade, e é disso que tira força para revidar o ataque de Hela. Apesar do início trôpego, o volume 4 dos clássicos de Simonson revela um bocado da essência do herói retratado, com um argumento interessante e com desenhos plenamente condizentes com a fase áurea do Poderoso Thor.