A trilha característica pontua o início do longa-metragem premiado de Camilo Cavalcante, referenciando o mestre Dominguinhos num de seus últimos trabalhos antes de morrer. A História da Eternidade começa como uma ode aos tantos sertões presentes na região Nordeste do Brasil, analisando através da perícia da câmera uma importante face do povo brasileiro, mostrando já na primeira cena uma procissão religiosa, prenunciando o enterro de um pequenino.
As primeiras cenas não têm falas, basicamente mostram paisagens, vistas por uma pessoa saudosista que observa as fotos de praias em sua parede de muro chapiscado, usufruindo da pouca liberdade e luxo que tem. Alfonsina (Debora Ingrid) é a única mulher em uma casa em que habitam outros três homens, e para si sobra todo o trabalho doméstico do terreno, exibindo o tacanho e comum agir machista do retrógrado interior brasileiro. O alento da menina são os contos de seu tio, o artista Joo (Irandhir Santos), o qual, entre a preparação de uma apresentação e outra, poetiza à frente de sua devotada pupila que não tem qualquer perspectiva de ver algo além da areia sertaneja, quanto mais o amor.
Joo vive de favor na casa de Nataniel (Claudio Jaborandy), seu irmão mais velho, sendo constantemente cobrado por ele, sem qualquer possibilidade de perdão da dívida ou de alívio nos vexatórios avisos e lembranças, do favor que lhe é atribuído. A rotina do homem é composta por viagens para fora da cidade, sempre com sua concha levada ao ouvido, que o faz lembrar do som do mar, o mesmo que sua sobrinha faz questão de ouvir sobre, caracterizando nele um oásis de uma boa vida, até então inalcançável, agravado pela secura que predomina em seu território e lar.
A plataforma onde pousa o roteiro de Camilo exibe três histórias de amor, que não são exatamente indistintas e que aos poucos exibem uma revolução sentimental na aldeia. A simplicidade tanto das falas quanto das atitudes dá mostras de representatividade e voz aos excluídos, tendo em troca o tratamento da violência típica da misoginia impregnada no comportamento e mentalidade do cidadão médio. O pedantismo e servilidade alheios a Joo garantem cenas de extrema agressividade, interrompendo o que deveria ser um belo ato artístico, violentado por palavras insensíveis que ferem mais do que qualquer ato físico de violência.
As tramas paralelas servem como crítica à religião e à desinformação, elementos típicos de um povo que não tem acesso ao conhecimento, tampouco alternativas para a moralidade exacerbada que permeia o pensamento e viés de santificação exagerada. Um entendimento obsoleto e punitivo somente pela punição, sem produção de um pensamento mais profundo.
O choro ou o sofrimento consomem cada um dos homens protagonistas, apresentando a faceta mais frágil diante das mulheres a quem eles se dedicam, fazendo um trio de louvores a suas musas a transgressão das barreiras do politicamente correto, transcendendo a tradição com a rara chuva, que finalmente gratifica o sertão.
Mas o universo contemplado em A História da Eternidade é agridoce, agressivo com os que buscam a simplicidade sentimental, levando para longe a possibilidade de pleno bem estar ou de mínimo alívio, elevando o torpor da hostilidade a patamares superiores aos ditos de ternura; a ferocidade não é exclusividade da cidade grande e também habita a realidade do roceiro. O final intimista flerta com um otimismo improvável, que mais parece um sopro de esperança dos personagens carismáticos mostrados em tela, que em toda a sua terna descomplicação só buscam se ater a possibilidade de serem felizes.