Focado em uma das figuras que tencionavam deixar claro que o cinema é muito mais arte do que indústria, o documentário de Frank Pavich retrata as inspiradas falas de Alejandro Jodorowsky, a respeito do que seria a sua versão do clássico de Frank Herbert. Duna de Jodorowsky tenta em um esforço hercúleo retratar como teria sido o tal filme, que apesar de jamais ter visto a luz do dia e não ter chegado a grande tela, influenciou praticamente todo o cenário cinematográfico de sci-fi dos anos sessenta e posteriores.
Reverenciando o artista, o documentário passa rapidamente pelo fenômeno que ocorreu nos cinemas pelas madrugadas’ com o western El Topo, além de louvar também Montanha Mágica, que por si só é bastante psicodélico. A trajetória inclui também o conhecimento do realizador junto ao quadrinista Moebius, que passou a sonhar com ele a feitoria do que seria o seu “pessoal” Duna, exibindo uma face ainda mais ácida do que a vista na versão de Lynch. A remontagem das artes conceituais em movimento revelam uma adoração a Moebius e Jodorowsky, além de contemplar belamente o que deveria ter sido, tangendo o que podia ter sido algo mágico.
A personalidade de Alejandro era única, e seu domínio deveria ser pleno, o que impediu até o aporte do especialista em efeitos especiais Doug Trumbull, que havia trabalhado com Kubrick em 2001. Os detalhes vão desde esta recusa até a aproximação de Dan O’Bannon, que acabava de estrelar e escrever Dark Star. O processo de formação do filme começava a tomar forma, juntando-se ao time a estrela em ascensão David Carradine, que tinha em seu Kung Fu uma porção de influências de El Topo. O conjunto de texto e visual do filme tinha um caráter messiânico, transparecendo desde a construção dos desenhos que seria um divisor de águas, mesmo antes do advento dos blockbusters.
Jodorowsky tinha poesia até em suas explicações, falando de maneira apaixonada sobre as semelhanças entre os clássicos de ficção científica espaciais e o teatro, tornando o conceito de space opera em algo ainda mais literal. O design de roupas e máquinas, as cores saturadas que predominariam até sobre o ambiente desértico, compunham um quadro de qualidade abordagem ímpar.
As influências de Dali, vistas em porções inteiras da arte conceitual tomou forma carnal no desejo de Alejandro em incluí-lo no elenco, mesmo sabendo que seria difícil fazer ele aceitar. A mistura de elementos envolveu também H R Giger, muito antes de sua concepção mais famosa, em Alien, o Oitavo Passageiro, dali sairia o início do tom gótico dos Hakkonen, os vilões daquele universo. O conjunto de personalidades de campos completamente diversos incluiria a banda gótica Magma, Mick Jagger no auge da carreira e Orson Welles, quando já era mal visto por Hollywood, enquanto só fazia beber e comer, mas ainda considerado um gênio por Alejandro.
A raiva passada nas palavras do realizador, revela o cansaço não só pela não execução de seu filme, mas também pelo desastre decadente em que o formato de arte se inseria, uma vez que foi o fator monetário que o manietou e o impediu de seguir em frente em sua proposta surrealista, o que resultou na “retirada”, através de um parente de Dino de Laurentis que entregou a David Lynch, que por sua vez também teve seu filme retalhado pelos produtores.
A direção e escolha de ângulos e cenários feitos por Pavich é belíssima, e emula em grande parte a genialidade de Jodorowsky em conceber seu projeto, que apesar de não ter ganho as telas, influenciou dezenas de filmes, desde bombas como Mestres do Universo, Flash Gordon de 1980 e Prometheus até clássicos comerciais e cults, como Star Wars, Caçadores da Arca Perdida, O Exterminador do Futuro, Contato, entre outros, herdeiros morais daquele Duna, alguns filhos que provocam orgulho e outros que fazem rir e sentir vergonha, mostrando neste “clã” um paralelo com qualquer família comum e ordinária.
Duna de Jodorowsky serviu especialmente para reunir novamente o cineasta autor de seu comparsa de longa data Michel Seydoux, que jamais haviam se encontrado até então, depois da não realização do filme, o que gerou uma série de conversas e a parceria em A Dança da Realidade, exibido em Cannes em 2013, treze anos depois de O Ladrão do Arco-Íris, último filme de Alejandro. Não bastasse o reencontro cósmico, o documentário possui um classicismo mágico, capaz de fazer sua plateia viajar sonhar com o que poderia ser este Duna, além de louvar o legado e a obra posterior dos envolvidos.