Boa Noite, Mamãe é um filme independente, indicado pela Áustria para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016. Vendido pelo marketing como um filme de terror — com direito a letras escritas em sangue — ao estilo Invocação do Mal e seus afins. Mas sabe-se por meio de filmes como o sueco Deixa Ela Entrar que o cinema europeu vê o terror por um viés delicadamente diferente do cinema americano, trazendo um terror que raramente assusta, mas que angustia e fere.
A trama se passa com uma família que vive em uma residência isolada, como uma espécie de retiro em meio a plantações de milho. Com um início bucólico e feliz, capaz de remeter a filmes como Conta Comigo, vemos os gêmeos Lukas e Elias (vividos pelos excelentes Lukas e Elias Schwarz) brincando e explorando aquela região. Ousados e inteligentes, extraem daquele mundo tudo aquilo do qual ele dispõe. Após dias afastada por conta de cirurgias plásticas, a mãe (Susanne Wuest) volta para casa e não é reconhecida pelos filhos. De início não se sabe bem a origem de suas cirurgias, mas sua figura sempre filmada à altura de uma criança de nove anos é amedrontadora e horrenda por conta das ataduras, em um trabalho de maquiagem inteligente e capaz de fazer tanto com tão pouco. Rapidamente a relação entre mãe e filhos se mostra totalmente desestruturada, e ela, uma pessoa de gosto e posturas bastante duvidosas no trato com os meninos, ignora e chega ao cúmulo de negar jantar para um deles em determinado momento. O que cresce no espectador é a raiva armazenada, raiva que talvez toda criança sentiu de seus pais em algum momento.
Com as indicações de culpas suprimidas e acidentes violentos, Lukas e Elias tornam-se convictos de que sua mãe na verdade não voltou, e incapazes de reconhecerem naquela figura os rastros de maternidade resumidos na linda canção de ninar que ouvem para se consolarem durante a noite. Partem então em busca da verdade sobre onde está sua mãe verdadeira, explorando os recursos de uma casa que parece não ser feita para crianças, com quadros da mãe em poses glamourosas e desfocadas, como representantes da vaidade adulta que tudo sabe e em nada pode ser questionado.
Com uma cinematografia linda, estável e límpida, que utiliza o contraste entre luz e escuridão de maneira perfeita, novamente, Boa Noite, Mamãe mostra não ser um filme de terror, destoando da estética habitual do terror que esconde, que é repleto de “jumping scary” e filmagens amadoras formando uma estética pobre de realismo documental. Aqui, a mais terrível imagem é filmada de forma limpa e clara, apostando na crueldade de imagens e diálogos, e não de atos, como na cena em que na brincadeira de “Quem sou eu” a mãe não reconhece o seu personagem, para frustração dos gêmeos.
A tese principal é exorcizar o ressentimento causado pelos pais e mães incapazes de dialogar e se abrirem com seus filhos, de serem claros, aconchegarem seus medos e identificar suas verdadeiras personalidades. Numa espécie de mimo abandonado, crianças crescem com perguntas ausentes de respostas, apesar de sua urgência e assim gerando seres patologicamente sozinhos e fechados em si.
Desta forma, as relações, entre castigos e falas típicas de pais e filhos, ganham uma dimensão a mais devido à capacidade do filme de tensionar as pessoas na poltrona e “adultizar” as crianças que são no fundo a materialização exacerbada de um relacionamento familiar tipicamente ignorante e solitário tradicionalmente rompendo nos filhos, já futuros pais, irreconhecíveis entre seus descendentes, demonstrando que cafuné é muito diferente de carinho.
–
Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.