Com a aproximação das grandes premiações de cinema, há evidentemente uma onda de lamentos por performances que não se enquadraram no estreito número de indicados nas principais categorias contemplados pela academia. O conjunto de nomeações tem sido discutido por elementos bastantes distintos da técnica, em especial graças a ausência de atores, roteiristas e diretores negros entre as principais categorias, piorada pelo fato de em 2015 isso também não ter ocorrido, mas há muito mais categorias, filmes e artistas preteridos da festa, escolhidas por nossos redatores.
Beasts of No Nation – por Filipe Pereira – Melhor Filme, Roteiro Adaptado, Ator Coadjuvante – Idris Elba, Ator Principal – Abraham Attah e Fotografia
Associa-se demais a ausência do filme de Cary Joji Fukunaga ao fato de ser um longa-metragem produzido pelo site streaming Netflix, que normalmente consegue emplacar documentários, mas ainda não é aceito largamente pela indústria cinematográfica. Se tal fator pesou para a sua não nomeação, significa claramente um retrocesso por parte dos acadêmicos, uma vez que a fotografia do filme é excelente, fortalecendo toda a cruel violência que habita as terras de um país africano não definido, fora as belas atuações do tirânico Comandante de Idris Elba, que harmoniza carisma, crueza e malevolência em um papel interessantíssimo. A surpresa positiva e mais lamentável em ter sido esquecida é Abraham Attah, que faz o menino Agu que tem um princípio de infância feliz, muito bem demonstrada em níveis de escapismo e fantasia, sendo cortada por uma obrigação militarista gananciosa que além de ignorar por completa suas necessidades enquanto infante, ainda o faz transformar sua auto-imagem na de um monstro homicida e facínora. Curioso que todo o elenco seja formado por atores negros, e que talvez tenha em si as duas melhores atuações destacadas de interpretes de origem afro-descendente, e que explore uma realidade terrível, proveniente de um continente comumente ignorado pela elite econômica, e claro, sem apelar para estereótipos maniqueístas e gratuitamente violentos, como são mostrados normalmente os ativistas e criminosos africanos.
Mad Max: Estrada da Fúria, por Flávio Viera – Melhor Atriz – Charlize Theron
Co-protagonizando a história ao lado de Max Rockatansky (Tom Hardy), Charlize Theron interpreta Furiosa. Sua importância dentro da trama é inquestionável. É ela quem guia a história. Literalmente.
Em um ano em que Mad Max: Estrada da Fúria recebeu nada menos que 10 indicações, a ausência de Theron causa estranhamento, principalmente se analisarmos o trabalho despendido pela atriz na composição da personagem e na lógica de seu papel dentro de um filme blockbuster como Mad Max. Utilizando pouquíssimos diálogos e demonstrando uma força imensa, Theron resgata uma humanidade desesperada em um mundo sem esperança. Furiosa é uma personagem forte e que certamente resistirá ao teste do tempo.
Michael Keaton, por Filipe Pereira Melhor Ator, por Spotlight: Segredos Revelados
Após uma excelente performance em Birdman, Keaton daria no ano seguinte uma outra atuação digna de nota, ao contrário dos últimos anos de sua carreira. O personagem principal de Spotlight é Walter Robinson, completamente diferente da faceta de Riggan em Birdman, tanto em caráter quanto em tom. O desempenho interpretativo de Keaton curiosamente segue a direção do cineasta Tom McCarthy, no sentido de se tornar mais vistosa e regular com o tempo e com o desenrolar da história, o que permite ao roteiro uma preciosidade maior e um desvelar emocionante e visceral próximo do termino do filme. Robby é um homem que acredita já ter combatido bem a sua carreira, e nos seus últimos dias de serviço como jornalista e chefe de equipe, tem de tratar sobre uma polêmica questão envolvendo a diocese, opinião pública e abusos de menores. O comportamento do personagem consegue sem qualquer ação histriônica e carregada de discrição, mostrar uma história nada palatável, incômoda e que envolve até pecados de seu passado. Cada ação do homem é justificada pela verossimilhança tanto do texto quanto do artista que o emprega, e que é excluído provavelmente por preguiça dos acadêmicos, que já se sentiram muitíssimos satisfeitos de premiar McCarthy ao indica-lo em sua categoria, resultando em um dos maiores equívocos recentes do Oscar.
Carol, por Doug Olive, Melhor Filme e Diretor – Todd Haynes
Carol é um conto potencializado por um Cinema calcado nos detalhes, nas hipérboles, nas frestas das cortinas, nas sombras de uma ação – e representação. Fica difícil não levar isso em conta se a intenção é desassociar o filme à carreira de Todd Haynes, cineasta rebelde e de projetos dúbios e errantes feito as emoções de duas mulheres que configura, na tela, num impressionismo de estímulos sensoriais a transbordar toda a pureza desse mundo num legítimo romance proibido, enquanto destemido, e visualmente descodificado, tal as mais nobres sensações a brotar de um beijo entre Bacall e Bogart num noir dos anos 60, perdido no tempo. Tempo de amar, assim, moldado numa sensibilidade quase instintiva no cárater de um amor antigo, ao menos mais velho que a crítica caolha de um Oscar há muito ultrapassado.
No Coração do Mar, por Flávio Vieira, Melhor Fotografia
O diretor de fotografia Anthony Dod Mantle é conhecido pelas suas parcerias ao lado de Danny Boyle – Extermínio, Em Transe, 127 Horas, Quem Quer Ser um Milionário, este último lhe rendeu o Óscar de melhor fotografia – e Lars Von Trier – em longas como Dogville, Manderlay, Anticristo – no entanto, em 2013, Mantle firma uma nova parceria, dessa vez com Ron Howard que culmina no subestimado Rush: No Limite da Emoção. A parceria se repete em 2015 com No Coração do Mar, um longa baseado na história real que inspiraria Herman Melville a escrever Moby Dick.
A palavra que define o trabalho de Mantle à frente de No Coração do Mar é crueza. A história contada a dois tempos remete a duas fotografias, a entrevista de Melville com um dos tripulantes do Essex e a aventura da tripulação em si, se na primeira, a fotografia dura com pouca luz, dão um tom sombrio e teatral, remetendo a um clima de desencanto, na a segunda os contornos de um épico não dá sinais do que viria, exceto pela outra linha do tempo, o tom estourado da fotografia aumenta pouco a pouco, dando o clima de desolação necessário a história de náufragos, sem soar piegas ou realizar escolhas óbvias como em filmes recentes como Invencível, de Angelina Jolie.
Sem soar necessariamente como um épico, No Coração do Mar é um belíssimo trabalho de fotografia de Mantle, sem abusar da estilização visual ou do naturalismo na composição de suas cenas. Uma pena ter sido esquecido pela Academia.
Creed: Nascido Para Lutar, por Bernardo Mazzei – Melhor Filme, Diretor – Ryan Coogler, Ator – Michael B. Jordan
Ainda que Sylvester Stallone esteja soberbo no papel que o consagrou e mereça a indicação de melhor ator coadjuvante, Creed foi solenemente esquecido nas categorias de melhor filme, diretor e ator. O longa-metragem possui doses certíssimas de drama, ação e humor, trabalhando características marcantes da série de filmes do boxeador, inspirando e emocionando qualquer espectador, mesmo aqueles que não são familiarizados com Rocky Balboa. Sobre Ryan Coogler e Michael B. Jordan, não é nem uma questão de representatividade dos negros na cerimônia, ainda que isso seja um tema importantíssimo a ser discutido dentro da Academia. Coogler tem 29 anos e Creed é apenas o segundo filme de seu currículo, contudo, demonstra perícia de um veterano, arrancando atuações marcantes de todo o elenco, filmando de maneira espetacular as sequências de lutas (o plano sequência da primeira luta de Adonis é algo de maravilhoso) e sabe trabalhar cenas emotivas sem soar piegas. Enquanto isso, Jordan demonstra ser um ator de muitos recursos, equilibrando o tom entre drama e humor, além de ter uma química ao lado de Stallone. Fica a impressão de que o veterano Sly foi inspirado pelos dois jovens, o diretor e o ator, e resolveu dar tudo de si nessa que talvez seja sua última vez interpretando Rocky Balboa.
Que Horas Ela Volta?, por Marcos Paulo Oliveira – Melhor Filme em Língua Estrangeira, Atriz – Regina Casé
Que Horas Ela Volta? é repetido por duas vezes durante o longa, em cada uma dessas vezes referindo-se as duas mães da trama, iniciando e fechando o arco principal da trama.
Há dois grandes méritos na obra de Anna Muylaert: Um deles é o roteiro sutil, que sempre se permite discutir situações de aparente frivolidade a fim de estabelecer a familiaridade daquele ambiente. Outro ponto de força é a própria Regina Casé e sua interpretação que transcende as palavras, feita em cima de gestos e olhares delicados ora demonstrando a extrema ingenuidade caridosa de sua personagem, ora demonstrando toa a experiência contida em suas rugas e o peso dos anos de viver uma vida que não era exatamente dela numa casa que não era exatamente dela, embora a educação dos patrões digam que ela é praticamente da família. O termo praticamente da família por sinal é comumente utilizado para descrever tanto pessoas como animais de estimação, demonstrando os resquícios de nosso sistema de mentalidade escravista onde há cidadãos de primeira e segunda classe, que com o tempo foi polido até transformar-se em uma educação hipócrita onde só se diz que alguém é praticamente da família para demonstrar um estilo despojado de quem diz que seu estilo é se sentir bem independente dos outros, mas que ainda assim esconde a criadagem em um quarto, sem janela para fora, que não permite estabelecer uma vida e nem se sentir confortável. Essa estrutura aparece na própria arquitetura tanto social quanto de concreto. Por esta relação íntima que o filme encantou primeiramente o mundo e só então veio ao Brasil, pois a dor da difusão familiar é universal.
Chi-Raq, por Doug Olive – Melhor Filme, Diretor – Spike Lee, Atriz – Teyonah Parris, Ator Coadjuvante – John Cusack e Roteiro Original.
Chi-Raq é resgate necessário das injúrias de um Spike Lee cuja veia não secou, tampouco deixou de sangrar a verdadeira face americana onde os Vingadores não chegam. Testemunha de forma instigante a greve sexual de mulheres negras para enfraquecer, na intimidade, os criminosos que tanto amamentam e assassinam a própria população que fazem parte, carente do controle de suas vidas mas que em Chi-Raq, é cedido a eles em tom de metáfora e analogia aos protestos raciais de Faça a Coisa Certa, de 1996, numa história de vencedores e perdedores com a vida e sua negritude postas na roleta-russa de um cotidiano tão ácido, história cara, lastimavelmente ignorada por todo espectro de premiações.
Snoopy e Charlie Brown: Peanuts o Filme, por Filipe Pereira – Melhor Animação
Apesar da bela surpresa com a indicação do brasileiro O Menino e o Mundo, e da competição desleal com um filme da Pixar (Divertida Mente) , mais um longa dirigido por Charlie Kaufman (Anomalisa) e com mais um filme baseado na obra de Nick Park (com Shaun O Carneiro), é um absurdo que Snoopy e Charlie Brown fique de fora dos cinco indicados. O filme de Steve Martino consegue ser reverencial à obra de Charles M. Schulz, resgatando textos clássicos e reunindo-os com uma pitada interessante de modernidade. Levando em consideração sua filmografia morna – com a terrível continuação de A Era do Gelo 4 e Horton e o Mundo dos Quem – Martino atinge o ponto ideal entre uma história colorida para as crianças, enquanto é repleta de valores éticos para os adultos, sem fugir da simplicidade comum aos quadrinhos e animações dos personagens da turma de Amendoim, resultando em um produto muito mais significativo que As Memórias de Marnie e tantas outras animações.
Ex-Machina: Instinto Artificial, por David Matheus – Melhor ator coadjuvante, atriz coadjuvante, Fotografia e Maquiagem
Ex-Machina foi uma das gratas surpresas de 2015. Aclamado pela crítica especializada e pelo público em geral, a tímida produção escrita e dirigida por Alex Garland (estreante na direção). Vale lembrar que Garland tem no currículo filmes como o clássico Extermínio, além de Sunshine – Alerta Solar e, mais recentemente, a nova produção de Dredd. Ocorre que, Ex-Machina, poderia muito bem figurar em outras 4 categorias. A performance de Oscar Isaac como o misterioso e bilionário Nathan merecia uma indicação para Melhor Ator Coadjuvante. Isaac emulou uma personagem que faz com que o espectador fique confuso, sem saber quem de fato ele é e quais as suas reais intenções para com o protagonista Caleb, vivido por Domhnall Gleeson. Além disso, Oscar Isaac arranca de quem assiste sentimentos que passam dos mais odiosos aos mais alegres, como na antológica cena da dança. Certamente, é uma questão de tempo para que o ator receba sua indicação e posteriormente seu primeiro Oscar, já que é um dos mais talentosos de sua geração. Dito isso, a atriz Alicia Vikander também merecia uma indicação para Melhor Atriz Coadjuvante. Embora o roteiro fosse competente o suficiente para arriscar aquele twist no terceiro ato, parte do mérito também vem da atriz que faz a androide Ava. Vikander conseguiu não só enganar Caleb e Nathan, mas também o espectador. E no que diz respeito às categorias técnicas, o longa também deveria ser indicado nas categorias de Melhor Fotografia e Melhor Maquiagem. O trabalho com a luz do cinematógrafo Rob Hardy merece bastante atenção, por ser levemente estiloso, o que, para a Academia, infelizmente, é fora dos padrões. Há de se falar o mesmo da maquigem, já que o veterano Siân Grigg cuida das andróides do filme. O trabalho de Grigg é primoroso e detém a confiança de aclamados diretores e do ator Leonardo DiCaprio, já que trabalhou em grandes produções, sendo sua maioria premiadas pela Academia. O curioso é que, mesmo trabalhando em tantos filmes, Grigg recebeu sua primeira indicação justamente nesse ano por O Regresso.