Alguns personagens do universo Marvel, ainda que sejam conhecidos do público, se destacam alternadamente em edições especiais ou participações em outras revistas de linha, sem estrelar um título próprio. Desde seu surgimento em 1974, Punho de Ferro, criado por Roy Thomas e Gil Kane, situou-se na vertente de heróis urbanos da casa e, ao lado de Luke Cage, trabalhou em conjunto fundando um grupo de heróis mercenários. A personagem ganhará futuramente uma série da Netflix e, em parceria com os outros heróis desenvolvidos nas séries anteriores, fará parte de um novo grupo intitulado Defensores, em sintonia com este conceito de heróis de aluguel.
A última revista de grande sucesso de Punho de Ferro foi lançada entre 2006 a 2009, e assinada por Ed Brubaker e Matt Fraction, nas 14 primeiras edições e, posteriormente, até o cancelamento, por Duane Swierczynski. Dessa forma, a era Nova Marvel tenta potencializar novamente a personagem em uma história em 12 partes, escrita e desenhada por Kaare Andrews e lançada pela Panini Comics em dois encadernados.
A esta altura, com diversos lançamentos que promoveram a Nova Marvel, tanto encadernados como linhas mensais, o leitor tem conhecimento de que essa nova fase intenta apresentar seus heróis a um novo público. De fato, este é também o primeiro contato deste crítico com a personagem e, considerando esse conceito, a abordagem é equivocada.
Danny Rand é um herói que vive preso em suas memórias e, por um flashback, conhecemos sua origem fundamental. O patriarca Wendell Rand parte com a família, composta por esposa e um filho pequeno, Danny, e seu sócio, Harold Meachum, à procura da cidade mística de Kun Lun, a qual se manifesta na Terra a cada 10 anos. Em um acidente que deixa como sobreviventes somente Danny e o sócio, o pequeno garoto é resgatado pelos monges da cidade e, durante 10 anos, é treinado nas artes marciais do local, até o momento em que deseja voltar a Terra e se vingar pela morte dos pais. Sob a alcunha de Punho de Ferro, a personagem representa a vertente mística do estúdio, enfocada na arte marcial e na concentração do chi como armas mortais. Enquanto isso, o alter-ego, Danny, é um milionário que sofre com o legado deixado pelo pai.
Em A Arma Viva, tem-se a impressão que a história marca o início da personagem estruturando uma base fundamental, porém com uma sensação de que algum fato não explicado fez o herói deixar tudo para trás, ainda que não saibamos qual foi esse fato. A ação que desencadeia seu retorno é marcada quando Danny descobre que a cidade mística onde fora criado é destruída por uma entidade intitulada Um.
A trama mistura esses flashbacks, reconstruindo a origem da personagem, com dois momentos situados em um presente próximo: um encontro de Randy com uma repórter, uma provável namorada, para a qual discorre sobre seus conflitos internos, e a reconstrução de Punho de Ferro como herói. Em cena durante tais acontecimentos, uma quantidade de personagens estranhos surge, aparição cheia de significados que não são explicados ao leitor.
O roteiro falha ao pressupor que, em uma edição cuja intenção é apresentar a personagem, o público já conhece seu universo. E ainda é risível ao apresentar Randy, que narra boa parte da trama, como um herói que não sabe o que quer, perdido e instável, quase como um personagem juvenil e bobo, sem uma tradição de aventuras anteriores. Os traços do desenhista também não ajudam a desenvolver a atmosfera. São traços simples, quase caricatos, impossíveis de serem compreendidos nas cenas de ação, empobrecendo ainda mais a trama.
Se a intenção era promover um ponto de partida para novos leitores, falta uma base necessária para situar o leitor. A história pregressa da origem do herói e seu trauma de infância ao menos são bem fundamentados, mas todo o universo místico que origina o Punho de Ferro se mantém com poucas explicações e em uma história estranha de mundos conflitantes. Como há a necessidade de, além de restabelecer a origem, apresentar uma nova trama, Andrews utiliza os clichês mais repetidos dos quadrinhos, com personagens aparentemente mortos retornando do passado e se tornando vilões em potencial. Fator que, por si só, pode ser positivo se bem realizado. Não neste caso, que é sustentado de maneira precária sem nenhum impacto ou drama. Além disso, ainda promove mudanças durante a história que, no final, voltam ao velho status quo, sem coragem para, de fato, acrescentar novos conflitos.
Punho de Ferro: A Arma Viva se alinha ao lado de Deadpool – Meus Queridos Presidentes como o início mais fraco desta nova vertente do estúdio. Trabalhando com um personagem de grande potencial, a história em doze partes nunca emplaca e os breves bons momentos são eclipsados por saídas narrativas de pouca criatividade ao lado de traços que não se encaixaram na obra.