Histórias absurdas conseguem prender o leitor justamente por seu distanciamento da realidade como a conhecemos. O incomum, o insólito se constituem como a atração principal quando atentam contra nosso senso de lógica imanente, fazendo-nos sentir ora assombro ora deleite ora uma sensação de suspensão da realidade que nos fazem, mais do quem em outros estilos de escrita, realmente não saber o que virá em seguida. O livro de James Hilton, Horizonte Perdido, partilha desses elementos e desse modus operandi.
O livro começa com o autor dizendo onde conseguiu o material que usou como base para escrever a história. Ficamos sabendo que a história de Shangri-la, a cidade misteriosa dos lamas no Tibete, foi concedida ao narrador por meio de um amigo desse, num dos encontros de ex-colegas de universidade que ele participou. Já aí Hilton começa a colocar em xeque nossa capacidade de discernir até onde vai a realidade e onde começa a ficção.
Um avião com quatro passageiros, Miss Roberta Brinklow, Henry Barnard, Hugh Conway e Charles Mallinson, decola de Baskul, rumando leste, para sobrevoar a Cordilheira do Himalaia e outras regiões próximas à Índia, Nepal e China. O curso do vôo, no entanto, é alterado. O avião para em um posto avançado no topo de uma montanha e os passageiros são mantidos presos dentro da aeronave, ao que parece estão sendo seqüestrados. Após essa parada de um dia, o avião permanece na rota distinta da original, sempre ganhando altitude.
Os nebulosos cumes das altíssimas montanhas da cordilheira se desenham nas janelas do avião enquanto a apreensão dos passageiros aumenta. Não se sabe para onde estão sendo levados e não há modo de contatar o piloto. A certa altura o avião deixa de ganhar altitude e, ao que parece, o piloto perdeu o controle. O avião cai num dos altos picos da cordilheira com o piloto morto, deixando os passageiros entregues à própria sorte.
Quando pareciam condenados a morrer sem encontrar viva alma, os passageiros vêem que, ao longe, monges budistas, na verdade lamas, se aproximam deles para ajudá-los a carregar seus pertences e bagagens e oferecer-lhes estadia em Shangri-la, uma cidade nas aparentemente inóspitas altitudes do Tibete.
Não bastasse a natureza altamente incomum dos eventos, eles descobrem que Shangri-la é uma belíssima cidade incrustada num planalto elevadíssimo, cujo acesso é praticamente nulo. Apesar da relutância, eles são obrigados a permanecer dois meses no lugar, pois é somente em sessenta dias que os lamas irão descer da montanha para buscar mantimentos.
Desse modo eles passam a partilhar do cotidiano da cidade e Conway é o mais integrado deles, sendo, portanto, o primeiro a quem os segredos que jazem nos recônditos da cidade são revelados. A cidade parece guardar o segredo da longevidade.
Ao que tudo indica, as condições naturais em que se encontra a cidade, propiciam uma vida longa aos que ali permanecerem.
Conway se encanta com as maravilhas da cidade, que apresenta todas as belezas e o conforto de uma vida de contemplação, desde fontes de jade até o cultivo da música erudita, de uma biblioteca bem equipada até a hospitalidade calorosa dos lamas, que comungam da filosofia da moderação, que diz que tudo deve ser moderado para que se mantenha o equilíbrio. Parece uma espécie de Utopia, uma versão oriental da terra de Thomas More.
Mallinson reluta mais do que todos em ali permanecer, colocando constantemente a necessidade de saírem dali o quanto antes, pois havia algo de misterioso e estranho no ar daquele lugar. Assim, não demora para que discussões sejam travadas entre Conway e Mallinson e para que os mistérios do lugar sejam questionados.
James Hilton nos mantém em dúvida até o último momento, testando-nos como o fizeram a Conway, que oscilava como um pêndulo entre considerar o que lhe fora dito como verdade ou como mentira. Tudo parece conspirar para que acreditemos na história e queiramos permanecer na cidade para também termos a longevidade tão propalada pelo mestre de todos os lamas, mas será que isso é realmente verdade? As leis da natureza deixam de imperar nesse novo contexto? Supondo que se deixe a cidade, não se estaria deixando a oportunidade de uma longa e feliz existência?
James Hilton realmente criou um suspense digno de deixar-nos com um grande ponto de interrogação pululando na mente. Não lhes conto o final porque isso acabaria com toda a graça da história.
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Texto de autoria de Lucas Deschain.
Bela obra.
E bom texto também, Lucas. Parabéns.
Só a título de curiosidade: há duas adaptações cinematográficas de Horizonte Perdido. Uma é de 1937, dirigida pelo Frank Capra. Ainda não assisti. Mas em se tratando de Capra, no mínimo deve ser boa.
Já a segunda adaptação, de 1973, reprisava direto no SBT. Tem um elenco excelente: Peter Finch, Liv Ullman, Michael York, George Kennedy, entre outros. Foi por meio dela que tive o primeiro contato com essa obra. Acabei lendo o livro depois. Realmente é bem bacana.
Parabéns pelo texto mais uma vez.
Obrigado Carlos, é sempre bom receber o feedback de nossos textos! 🙂
Quanto às adaptações, não vi nenhuma delas, embora queira muito fazê-lo. Ignorando como elas são, posso dizer que esperaria que os contornos maravilhosos de Shangri-La fossem explorados no filme, pois eles constituem algumas das melhores passagens do livro.
Tenho certeza que o suspense existente em torno da longevidade dos lamas é um dos recursos mais úteis na mão de um diretor. Consigo até imaginar o diretor se valendo desse recurso para prender o espectador.
Lucas,
Excelente análise. Uma grande obra sobre buscar a si mesmo. Um verdadeiro refúgio espiritual para alma de qualquer um. O Carlos comentou do filme do Capra… Recomendo fortemente.
forte abraço
Obrigado Júlio, quero ver os filmes sim, como disse no comentário anterior, o livro tem um belo potencial para o suspense e o mistério, resta saber se os diretores responsáveis pela adaptação souberam se valer disso.
Li gostei,aliás gostar não, amei parabéns. Vc no deixou querendo ler o final, sou curiosaaaaaaaaaaaaaaa
Óimo livro uma aventura inocente e que te prende até a última página 😉