Confesso não ser um fã ardoroso de Os Caça-Fantasmas de Ivan Reitman. Além de ter preferência básica por outras obras do diretor, tive outras tantas predileções por demais produtos oitentistas e clássicos da Sessão da Tarde. Mas compreendo o saudosismo por parte dos que são nascidos a partir de 1980 e começo dos anos 1990 com esta comédia. O sucesso do filme. lançado em 1984, se deu por uma junção de fatores ímpares e dificilmente seria reprisado, mesmo nos dias de hoje, mesmo em tempos em que os cinemas são abarrotados de remakes e reboots. O anúncio do novo Caça-Fantasmas foi acompanhado desde o início por uma onda de rejeição, carregada de misoginia unicamente pela escolha de elenco feminino comandado por Paul Feig, que tradicionalmente seleciona mulheres como personagens principais.
A escolha da Sony Brasil em suprimir o artigo – poderiam dar o nome de As Caça-Fantasmas, mas não o fizeram – talvez esconda uma tentativa de neutralidade, não evocando o caráter feminino no título. A utilização do astro da Marvel Chris Hemsworth até nos pôsteres mais divulgados também mostra isso, um receio de causar um boicote ainda maior ao produto, fato comum também em empresas brasileiras, que evitam, por exemplo, contratar celebridades cujo cunho ideológico é expressamente assumido, uma vez que há uma forte influências de M.A.V.S (Milícias para Ataques Virtuais) que usam seus adeptos para ofender livremente quem quer que discorde frontalmente de si, floodando as peças publicitárias ou, no caso, as expectativas em relação a um longa-metragem que daria origem a uma nova franquia.
Ora, a filmografia de Feig é repleta de filmes de qualidade discutível e Caça Fantasmas não foge à regra. É um produto engraçado, com momentos inspirados e outros nem tanto, apelando algumas vezes para piadas fracas, exatamente como outro filme de 1984 – ou há no coração dos fãs algum carinho excepcional pela cena em que uma fantasma dá a entender que fará sexo oral em Dan Akroyd? – que dirá se for levado em conta a péssima continuação lançada anos depois.
A favor de quem defenestra esta nova versão, pode-se associar o fato de que a maioria deste público foi criança ou adolescente na época, idade com que naturalmente se assiste a um filme com outra expectativa, podendo relevar estes problemas no roteiro. Fato é que a representatividade, ainda que longe do ideal, transforma-se em inspiração para que crianças espelhem heroínas mais parecidas consigo, não necessariamente seguindo padrões estéticos vigentes, uma vez que Kristen Wiig, Melissa McCarthy, Leslie Jones e Kate McKinnon, que tem idade variada entre três e cinco décadas em média, não se preocupam em parecer meros atrativos sexuais como uma vertente constante do cinema o faz, explorando fisicamente as mulheres.
É estranho que esse ódio incontido ocorra com esta produção e não, por exemplo, com Mad Max: A Estrada da Fúria, também destacado por uma personagem principal feminina. Ainda que se explique melhor a reverência ao filme de George Miller, seja por seus méritos enquanto cinema, pelos ótimos tentos do diretor no passado e atualmente pela surpresa que fez do novo Max um clássico instantâneo. No entanto, toda essa percepção poderia ter ficado de lado, graças aos mesmos preconceitos empregados a Caça-Fantasmas.
A Sony não escolheu esse novo perfil de personagens por acaso. A indústria cinematográfica, como qualquer grande negócio, se apropria de tendências como enfoque e produto. Em um breve exemplo, foi assim quando Malcolm McLaren desenvolveu a ideia dos Sex Pistols e usou o Punk Rock para vender roupa e estilo. Com Ghostbusters, mesmo outra arte, trata-se da mesma ideia. Em comum entre os dois casos há repercussões positivas de um lado e um certo mau-humor por parte de parcelas da crítica especializada – talvez historicamente composta por uma maior quantidade de homens que se acostumaram ao protagonismo masculino nas películas. Bem como parte de um público que, mesmo sem assistir ao filme, demonstrou predisposição a odiá-lo. De fato, considero a problemática dos críticos como o problema central, afinal são profissionais que deveriam ter uma maior sensibilidade e empatia por apelos populares diversos, e atentos à inserção de minorias no chamado mainstream. Observar tal fato me soa egoísta e também anacrônico.
Mesmo uma modificação tão simples consegue causar furor e discussão. Especialmente no meio daqueles que consomem cultura de maneira contínua, um público acostumado com a tradição de suas obras, manifestando qualquer protesto contra mudanças (o caso da Marvel, exposto em nosso artigo sobre a Guerra Civil entre Leitores da Marvel é emblemático).
Para muito além de qualquer associação banal à procura de representação, até por não ser um filme autoral de engajamento feminista, Caça-Fantasmas não emburrece a discussão sobre o papel da mulher e heroísmo. As questões propostas no roteiro são idealizadas como em qualquer outro produto de aventura escapista oitentista; estão presentes, mas não são o argumento principal. Rechaçar um filme unicamente por ter no elenco um grupo incomum daquele usado em Hollywood ajuda a fomentar a intolerância de uma parcela de público. A mesma que refuta discursos vazios de certas camadas políticas mas propagam também um conjunto de preconceitos, intolerâncias e um ódio disfarçado de opinião e liberdade de expressão. Ambos os lados achando que estão certos sem nenhuma comunicação.
Vejo que o problema não são as vozes protestando em alto volume. Mesmo que sejam bravatas excessivas, ao meu ver. Mas questiono o motivo para tais e a direção para onde dobram estes sinos. Enquanto isso, os críticos permanecem ecoando não a análise da obra em si, mas um discurso enviesado, em vez de proporem também uma reflexão dos tempos.