Filmes envolvendo animais dão sempre pano pra manga, e aqui não é diferente. Não que poderia, quiçá deveria ser, mas assim, d’um jeito reflexivo se dão os contornos e efeitos do nosso contato com nossos irmãos de quatro ou mais patas diante de uma humanidade que ora luta, ora acata a animalidade relutante no nosso DNA. Conflitos universais a parte, A Ovelha Negra surge nessa altura do campeonato vendo o mundo dos bichanos não pela ótica canina do fantástico Deus Branco, ou pelo viés do religioso e pagão A Grande Testemunha, de Robert Bresson, um dos melhores “filme de animais” e de que o filme em questão carrega sabiamente um grande apreço e referência, mas agora através de um olhar humano sobretudo humanitário, antes de ser provincial e tipicamente contemporâneo (o que muitos chamam ou acusam de pós-modernismo) para com esses seres indefesos nas condições impostas à, em pleno ambiente que compartilhamos, desde o caldo primordial na criação das espécies ainda não extintas; dignas de representação num Cinema de letras maiúsculas.
Se falta com certeza uma bem-vinda trivialidade, na abordagem de um drama com ecos de um Cinema antigo em estado bruto que poucos filmes hoje conseguem copiar (A Ovelha Negra se dá com base em discussões egoístas e interesses nutridos em volta dos animais de estimação, rebanhos peludos que viram objeto de cobiça do povo de uma aldeia na Islandês), sobra o escapismo existencial de um mundo gelado, ironicamente indiferente ao próximo, numa busca à redenção emocional que, no fundo, seus habitantes não nutrem mais uns pelos outros, mas tentam preencher esse vazio com a presença das ovelhinhas e seus grandes chifres. Um vazio coletivo, como cada close no belo elenco comprova, oriundo da falta daquele brilho que, em vários lugares deste planeta, dentro e fora do filme, a humanidade já não vê mais refletido em si mesma. E se nós não conseguimos nos poupar da nossa própria maldade com o alheio, seria loucura tentar salvar outras espécies dos rotundos e irrefreáveis instintos humanos? Valeria isso a pena, em qualquer lugar?
Pergunta essa traduzida, sem respostas óbvias, em belas imagens, pendentes a especulação de um espectador atento, nm microcosmo (nada particular à vida europeia) de neve e aldeões aonde ovelhas doentes e virulentas, prestes a ser sacrificadas, entram junto de seus protetores e algozes numa espiral de ações contra o tempo, o fim do seu tempo e acolhimento doméstico; contra o holocausto em campos de neve ou em favelas brasileiras que se dá pela forma metafórica de sempre – o que não é de todo mal quando analogias e outras manobras se dão de forma positiva, como o cineasta Grímur Hákonarson conseguiu, aqui, reconhecendo graciosa e plenamente a potência de um filme simplório, mas com grandes mensagens e rotulagens de gênero (alguém sempre fica pra trás na tentativa de salvar o mundo) por trás de uma aparência tão unilateral quanto A Ovelha Negra pareça ter. Ao invés de (também) nos perguntarmos qual tipo de rebanho queremos pertencer no futuro, e se os nossos pastores no momento são realmente os melhores para nós, talvez a simples certeza (ou não) que uma força maior nos guia, e protege, possa nos fazer dormir melhor a noite.