Ken Loach é um diretor multi premiado, capaz de exercer filmes caros e emocionalmente envolventes como Agenda Secreta, e pérolas recentes, que primam por sua síntese e caráter livre de ambições maiores, como foi em Jimmy’s Hall. Seu novo longa Eu, Daniel Blake não compartilha nenhum desses arquétipos, ao contrário, é ambicioso e mira a afetividade do público via choro, apelando para eventos rasos, ainda mais em se tratando da sua filmografia.
O dramalhão começa com uma conversa ao telefone, onde se nota a voz do personagem título (Dave Johns) conversando com uma atendente que o engoda e que não atende em momento nenhum aos seus justos pedidos de ressarcimento, uma vez que ele está impedido via médicos de exercer seu ofício de marceneiro. Nestes primeiros momentos, o filme tem uma discussão interessante e uma execução até madura, ainda que isso seja um despiste para o que seria mostrado.
A busca por conseguir os benefícios por invalidade ou o seguro desemprego esbarram no analfabetismo digital do doce personagem, fator que faz paralelo com a realidade infelizmente tangível. O distanciamento das relações humanas também não entra na mente de Blake, que se sente um pária exatamente por não se encaixar na rotina fria do mundo corporativo e por não se adequar a burocracia que toma o sistema vigente.
A única solidariedade encontrada dentro do filme é entre os menos favorecidos. Ao menos nesse ponto o discurso funciona bem, já que esse sentimento realmente condiz com o usual. O problema é que essas falhas sistêmicas e econômicas são retratadas por um escopo pedante e cafona, no sentido de mostrar os personagens excluídos como pobres coitados que choram o tempo inteiro e que se deixam levar por um destino previsível e repleto de coincidências inseridas no contexto de modo muito conveniente.
O esgotamento e desespero dos personagens deveria soar tocante e não atinge o feito, aparentando apenas ser mais um capítulo de uma péssima telenovela. O caráter do roteiro de Paul Laverty soa sensacionalista e explorador de uma drama real, quando mirava ser um conto sobre o homem comum. Os últimos vinte minutos de filme são terríveis, banalizando inclusive a válida tentativa de desmontar o mito de que o capital e o livre mercado sanariam as mazelas sociais, com vias de um oportunismo barato.
O ato rebelde próximo ao final – e que estampou alguns dos materiais de divulgação – é aceito pelo povo de maneira catártica, mas ainda irreal. As pichações em lugar público de seu apelo soam tão pedantes quanto as costumeiras fanfics de esquerda que povoam as redes sociais, já sendo bastante problemáticas em termos gerais, piorando muito por se tratar de um filme sério. O Destino de Daniel é óbvio, e percebe-se a virada de roteiro há muitos minutos antes do acontecido. Surpreende que um filme tão óbvio tenha sido premiado em Cannes, ainda mais pelos problemas técnicos desse, como o excesso de fade outs propositalmente postos por Loach, que insiste em um cinema piegas e de choro fácil. Apesar de algumas cenas fortes e emocionais, a maior parte do drama é apelativo e bobo, resultando em Eu, Daniel Blake um produto que até atrapalha seu próprio discurso social além de quase jogar na vala comum o trabalho de Johns na construção do personagem.