Em 1991 o Universo Expandido de Star Wars começava, tendo como pontapé inicial Herdeiro do Império, livro de Timothy Zhan. A publicação em quadrinhos analisada se passa cronologicamente após os eventos da já citada trilogia Thrawn, ainda que não leve todos os eventos da trilogia em conta, uma vez que Ascensão da Força Sombria e Último Comando ainda não haviam sido lançados. Dividida entre partes, essa história tinha os roteiros de Tom Veitch, que anos mais tarde, seria conhecido por escrever também o Homem Animal.
A primeira parte do triunvirato chamava-se Império do Mal (Dark Empire no original) foi lançada como mini-série em 3 partes no Brasil (originalmente eram 6 números). Após o fracasso do grão almirante Thrawn, seis ex-comandantes de frota atacaram a capital Coruscant, tirando das mãos da Nova República o poder recém adquirido. Pouco tempo depois, uma ideia “secreta” é levada a frente, para que o que restou do Império se solidifique em cima das forças democráticas ligadas a Luke, Leia, Han Solo e os outro heróis da trilogia clássica.
Os desenhos de Cam Kennedy mostram os personagens clássicos tentando resistir ao poderio do antigo conglomerado, o problema é que as feições destes não lembram os respectivos atores, ao contrário do visto nas capas Dave Dorman, talvez por uma questão de direitos de imagem, além de ter uma arte mias hachurada e de tom anárquico. A composição de cores por sua vez é sofrível ao ponto de fazer a leitura desprazerosa. O argumento por sua vez mostra Luke como um jedi poderoso, que treinou sua irmã Leia e que vê nos seus sobrinhos a possibilidade de um futuro para a ordem jedi. Ao ser emboscado, ele aceita se deixar levar pelo inimigo, a fim de poupar seus companheiros e também entender como funciona esse misterioso rival.
As antigas edições brasileiras contem partes da tradução bastante engraçadas, por citar R2-2D como Erredois, e por flexionar a palavra jedi com plural (jedis). Logo, a figura de vilão do Imperador é reintroduzida, ainda sem uma explicação plausível, uma vez que este morreu em O Retorno de Jedi.
A arte como conjunto tem uma qualidade no mínimo controversa, mas certamente não supera a falta de qualidade da história, que soa incongruente e bastante banal. A ideia tanto de ressuscitar o imperador não faz sentido, uma vez que nos livros de Zhan uma das coisas que funcionou à perfeição foi a substituição do vilão. Outro aspecto que soa bobo é a decisão súbita de Luke em tentar sabotar o lado negro entrando para as fileiras desta facção soa gratuita, não é minimamente bem trabalhada. A vantagem de Império do Mal em relação aos seus pares do Universo Expandido mora na participação de Han Solo, que não é sub aproveitada, fato que ocorre demais em tantas outras histórias.
Quase tudo em Dark Empire soa oportunista, tanto a tentativa de seduzir Leia para o lado negro, quanto o resgate gratuito de Boba Fett. A ignorância de praticamente tudo o que havia ocorrido na fase de Thrawn assusta, em especial a ausência de Mara Jade. De positivo, há a primeira menção ao Holocron, um artefato jedi que mistura elementos tecnológicos e mágicos, que guarda informações importantes e que só podem ser abertas pelos membros da ordem. Ainda assim, a demonstração do objeto não acrescenta nada a trama, parece mais um teaser para o futuro universo expandido.
Apesar de estar muito poderoso, Luke só consegue se ver livre do domínio do lado negro graças a presença de sua irmã, que também é poderosa na força. O jedi tenta enfrentar seu inimigo destruindo os clones, mas é tarde, uma vez que Palpatine já se teleportou para um corpo mais jovem, fato que faz perguntar o porquê de não ter feito isso antes, e é nesse interim que acontece uma primeira luta do Darth com sabre de luz. A derrota definitiva do antagonista é anti-climática, sem luta, com uma inversão da liberação poder típica em Dragon Ball na técnica Genki Dama com o caráter invertido, uma vez que a perda do controle de seu próprio poder faz o próprio Imperador se ferir mortalmente, ainda que não haja qualquer lógica nesta prática. Império do Mal mira alto e resulta em um exercício pueril, infantil e oportunista.
Três anos depois (a revista foi publicada entre 94 e 95) a mesma equipe criativa retorna, para mostrar um cenário onde mais uma vez no vácuo entre uma historia e outra, surgiu mais uma organização que faz a função de posteridade do Imperador, dessa vez com sete jedi do lado negro, que misteriosamente jamais foram mencionados antes, fazendo essa história se assemelhar demais ao visto na franquia Kickboxer de Jean Claude Van Damme e Sacha Mitchell.
O espírito por trás da Operação Mão Sombria faz lembrar demais a Primeira Ordem introduzida em Star Wars O Despertar da Força, inclusive com uma hierarquia que lembro até Kylo Ren e os cavaleiros de Ren, sendo esta contraparte liderada pelo misterioso Sedriss. O grande problema é que, apesar de uma introdução longa desses novos personagens – os antigos somente aparecem decorrida da metade da primeira revista – ainda se há a estratégia estúpida de mais uma vez trazer Palpatine de volta a vida, usando mais uma vez a muleta da famigerada clonagem.
Pelo lado dos rebeldes, Luke encontra o jedi que havia se escondido Kam Solusar, que era filho de outra grande jedi Nik Solusar, fato que ajuda a fomentar que a questão do celibato não parecia estar nos ideais de George Lucas desde sempre, uma vez que ele autorizava todo o material adicional antes de ser comercializado. Ao utilizar o holocrom roubado por Leia, Luke percebe a presença dos outros jedi e tenciona tentar persuadir cada um a retornar ao lado correto e bom, como o mesmo fez, mas tais interesses esbarram com a inteligência militar da nova república, fato que demonstra a fragmentação do discurso dos que tentam reerguer a democracia galáctica.
Além de ignorar tanto os siths enquanto instituição, a regra de dois e demais paradigmas instituídos em 1999 em A Ameaça Fantasma, ainda há a terrível lacuna cronológica indefinida neste volume como no primeiro, uma vez que se passa temporalmente semelhante ao livro Ascensão da Força Sombria. O universo expandido neste ponto é bem confuso,
Tentativa de soar diferente resulta no inverso, em uma história genérica que contradiz o paradigma de que uma boa história começa por uma base for te congruente. O firmamento dos novos vilões do lado negro são a prova cabal a completa falta de qualidade textual, já que não há qualquer lógica na existência desses sem que houvesse qualquer menção deles em Império Contra Ataca por exemplo, onde se começa a falar da hierarquia dos ditadores soberanos. Thimothy Zhan conseguiu com maestria introduzir um vilão que não estava na ribalta, um outsider tão bem encaixado que até se tornou canônico em Star Wars Rebels recentemente, diferente de todos esses personagens.
Uma das incongruências vistas na trilogia original era o fato de Luke ter o mesmo nome de batismo de seu pai, ao passo que era escondido no planeta natal de seu pai aos cuidados de seu meio irmão. Leia segue essa tradição, escondendo seus filhos Jacen e Jaina num planeta conhecido como Nova Alderaan, ainda que essa questão soe bem menos forçada que todo o resto dos problemas da revista. A junta jedi formada por Luke soa boba e o embate contra os jedi lacaios de Palpatine também aparenta infantilidade, sem um climax minimamente interessante, deixando quase todas as resoluções para Empires End.
Império do Mal II começa melhor que seu antecessor e conclui pior, com a mesma impressão deixada por filmes do meio, como De Volta Para o Futuro 2 e Matrix Reloaded, sem qualquer resquício de brilhantismo desses exemplos citados e claro ignorando a bela condução que Irvin Kershner havia feito em Império Contra Ataca, driblando até a formula de sucesso de outro objeto de transição do canône de Star Wars. Poucas coisas soam positivas, a exemplo da arte de Kennedy, que parece mais fluídas, além de imagens que remetem a profecias relacionadas ao futuro de Jacen, Jaina e do recém nascido Anakin Solo.
No terceiro tomo, Empires End (Fim do Império em algumas traduções brasileiras) as esperanças pelo lado dos antigos rebeldes reside na filiação de Leia, e no nascimento do último filho, enquanto o clone imperial se mune da Uma Leth, uma outra arma semelhante a Estrela da Morte, com poderio de destruição planetária. Os desenhos agora estão a cargo de Jim Baikie, acostumado a desenhar hqs de Star Trek.
A questão da raça sensitiva a força dos yasanna é reutilizada neste número e um pouco mais detalhada do que na história anterior, e a exploração da raça passa a ser do interesse do Palpatine também, que tenta arrumar a questão dos seus próprios clones defeituosos. Quando a trama aparenta que se tornará finalmente congruente na última parte da trilogia, mais uma vez o roteiro de Veitch tropeça em seus próprios pés, mais uma vez apelando para um argumento bobo, de tentativa de troca do Imperador como clone envelhecido para o corpo do bebê Anakin.
A parte I é até encontrada em alguns sebos, da época em que a Editora Abril tentou a empreitada de comercializar o material de Guerra nas Estrelas no Brasil, mas a trilogia só foi trazida a terras brasileiras na sua totalidade na coleção da Planeta Degostini, nos números 42 e 43, sob o título de Império Negro 1 e Império Negro 2, infelizmente ambos fora de catálogo.
A questão da clonagem defeituosa coincide com o dito na trilogia Thrawn, mesmo que a tradição em Império do Mal seja ignorar por completo esta outra obra. Até pela pouca distância entre uma e outra, Empires End tem muito mais semelhança com Império do Mal II do que entre a primeira e segunda parte, fazendo o gancho deixado nos últimos momentos valerem algo.
A aproximação do Imperador de seu alvo é executada a um modo absolutamente patético, conseguindo passar pela guarda rebelde unicamente por ser um ancião, que inclusive é chamado de amável pela pessoa responsável pela segurança de Leia, Jacen, Jaina e Anakin. Além de trazer uma versão grotesca, decrépita e que se assemelha a forma decadente do antagonista dos Thundercats Mun-Rá, as ações de Palpatine não condizem em nada com o vilão que outrora dominou a galáxia.
Os jedi mostrados nas revistas são descartados em sua maioria, mostrando um cenário para Luke muito semelhante ao visto antes de toda essa micro saga começar. O desfecho melancólico do antigo déspota é repetida com suas tropas, perecendo enfim após um estranho ataque da Milenium Falcon, cobrindo o último quadrinho, sem maiores enrolações ou festas posteriores como foi visto ao fim O Retorno de Jedi por exemplo, com Veitch ao menos assumindo o quão pequena e pouco ambiciosa é a sua história, que termina acrescentando pouco ao recém criado universo expandido de Star Wars, além de não fugir da linguagem em quadrinhos medíocre e típica dos anos noventa.