Baseado na obra homônima da Daniella Arbex, que co-dirige o filme junto a Armando Mendz, Holocausto Brasileiro é um documentário denunciativo, encomendado pela HBO Films que tratou de ir de encontro a escritora com o projeto de tornar em áudio visual o livro que já detalhava os causos do começo do século XX no Hospital Colônia, um reduto psiquiátrico que tratava doentes psíquicos em Barbacena-MG.
Analisar o filme sem levar em conta a história contada no livro é exercício fútil. O Colônia era um lugar que mantinha seus pacientes em condições degradantes, igualando-os a detentos sem qualquer dignidade, tendo inclusive setores do hospital que não tinham qualquer trabalho de limpeza, onde os mentalmente prejudicados transitavam entre seus próprios dejetos, que não eram limpos por dias ou semanas tendo alguns que sequer se vestiam.
A falta de cuidado causou números alarmantes de doenças e de descuidos múltiplos. Segundo os estudos de Arbex, 60 mil pessoas foram mortas. As entrevistas de ex-funcionários, parentes dos que lá ficaram e pessoas que orbitavam o local, causando empatia no público por sua questão flagrante e pelas denúncias comuns a tantos outros manicômios pelo Brasil, em especial pela polêmica questão do eletrochoque, fazendo a partir daí um diálogo interessante com o recente ficcional Nise – No Coração da Loucura, que também trata da questão.
Aos poucos o documentário martela no imaginário do espectador a realidade de que as pessoas não iam para lá com a expectativa de serem curadas, e sim de serem levadas para longe do mundo são e normal. O ambiente naturaliza as mortes e enfermeiros e médicos se acostumam tanto com o óbito que passa a serem estes eventos dignos de anestesia. Era comum que ao internar um parente as famílias se mudassem, para não serem notificadas de absolutamente nada a respeito dos doentes.
O cunho mais sério do filme mora na mercantilização dos internos, desde a vendas de ossadas e cadáveres para as faculdades – passando de milhares os números com registro em caixa – como também o trabalho forçado dos pacientes, que eram pagos apenas com cigarros, mesmo que algumas obras grandes tenham ocorrido com o esforço dos doentes.
Holocausto Brasileiro é reverencial em relação a obra de Helvécio Ratton, Em Nome Da Razão, um curta que também se passava em Barbacena no hospital e que já demonstrava grande parte dos maus tratos que os debilitados sofriam. Há até um trabalho de reconstituição com os envolvidos na produção do curta de 1979 e com outros jornalistas que frequentaram o hospital quando estava ativo e a conclusão final do filme foge de qualquer hipocrisia ou consolo de alma, uma vez que compartilha a culpa das ocorrências na sociedade civil que não abria os olhos para os oitenta anos de exploração de seres humanos. Apesar de em alguns pontos apelar para um sensacionalismo leve e de ter uma métrica bem normativa, não há muito o que reclamar do conteúdo do filme, que faz refletir demais sobre toda a questão envolvendo o descaso com os menos favorecidos, além de servir de paralelo com os demais flagelos sociais que habitam o Brasil como um todo.