Aguardado por cinéfilos e aficionados pelas páginas políticas da recente história do Brasil, Policia Federal – A Lei É Para Todos: Os Bastidores da Operação Lava Jato tem a árdua tarefa de tentar mostrar em tela a gênese da operação Lava Jato, que ganhou os noticiários globais por ser considerada a maior operação contra a corrupção recente do Brasil. O filme de Marcelo Antunez é baseado no livro homônimo de Carlos Graieb e Ana Maria Santos, apresentando um cunho investigativo semelhante aos filmes policiais americanos.
A história se foca em um grupo de investigadores policiais que já haviam trabalhado juntos em um caso anterior de caça a políticos corruptos (o escândalo do Banestado) e que retornaram como um grupo de elite, uma força tarefa inocente, ingênua e honrada. A equipe é formada pelos delegados Ivan (Antonio Calloni), Julio Cesar (Bruce Gomlevski), Beatriz (Flávia Alessandra) e Vinicius (João Balderessini). Além deles, há também o juiz Sergio Moro (Marcelo Serrado), que também colaborou na investigação do Banestado. A trama começa em uma investigação a um traficante que leva a um doleiro. Revelando mais doleiros e resultando em uma série de delações a diversos políticos e figuras de renome, mas que, no filme, centra-se na figura de Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que nenhum outro nome de qualquer política é citado além dele.
A aura de irrealidade e fantasia não é pontuada somente no lado escolhido para se fazer as denúncias, mas também na criação da atmosfera pífia de thriller. A fotografia e cenários produzem semelhança aos de séries televisivas americanas, em especial Law and Order e os spin off de CSI. No entanto, tudo é risível pelo exagero, por exemplo, quando se nota que os números dos telefones começam com 555, prática comum nos filmes hollywoodianos. Alguém, em um dos tratamentos do roteiro, achou por bem manter a referência, o que infantiliza ainda mais o drama.
A isenção que se tenta construir em torno dos (longos) 117 minutos de filme esbarra em um maniqueísmo pueril, construíndo figuras puramente arquetípicas. A versão que Rainer Cadete apresenta de Deltan Dallagnol é simples, transformando-o em um sujeito bobo, como um cachorro que corre atrás do próprio rabo justificando as convicções sem provas através de frases feitas mal construídas. O Moro de Cerrado também é um arquétipo com pouca alma, restando apenas uma tentativa de mostrar o magistrado como uma pessoa compenetrada, pensativa e mais justa do que a realidade mostra. Em cena, Moro parece muito preocupado com a repercussão que ocorreria pelo cerco feito a Lula, enquanto o noticiário real não tem receio de ser imparcial, sabe-se que há veículos midiáticos que costumam tratar o ex-presidente como persona non grata, por exemplo.
É difícil fazer uma análise séria a respeito de Polícia Federal – A Lei é Para Todos pois há muitas participações extremamente artificiais e engraçadas via má construção de texto e interpretação. Gomlevsky, por exemplo, apresenta um detetive que sofre de dramas pessoais pesados, mas que me nada acrescentam a trama. Além disso, a personagem também sofre de insights que mais parecem piadas, como a ideia de investigar uma churrasqueira atrás de pistas, achando ali um papel de banco, uma evidência capaz de rastrear uma das figuras que fizeram a delação. Além desses problemas, há também há erros no continuísmo, que se perde graças a calvície de seu personagem, que em alguns momentos parece ser profunda, e em outro há o uso de uma peruca que se destaca em cena pela falsidade. O espaço temporal para justificar as mudanças capitares propostas em tela não é tão distante e se transforma em um detalhe que se destaca mais que o personagem em si.
Marcelo Antunez é acostumado a dirigir comédias. A responsabilidade de um filme como esse certamente era grande, como também era para Rodrigo Bittencourt em Real: O Plano Por Trás da Historia, mas ao contrario desse, um filme sobre a Lava Jato ainda é um projeto que, por essência, é apressado. Tudo no roteiro de Gustavo Lipsztein e Thomas Stavros soa precipitado e oportunista, e isso se reflete nas situações que ficam cômicas quando deveriam soar graves.
Há outros erros crassos, como o uso de material de vídeo externo, com Dilma Rousseff convocando Lula para ser seu ministro, quebrando assim grande parte das caracterizações que se estabeleceu até ali, até porque o Lula de Ary Fontoura não é necessariamente uma imitação do político, aliás, se distancia bastante de qualquer sátira. A personificação do veterano não erra por não se cobrir trejeitos, sotaques e demais marcas de Lula como um personagem desde que se tornou líder dos metalúrgicos do ABC. A questão é que sua composição lhe dá tons maniqueístas como as bruxas malvadas dos contos animados da Disney: sem carisma, sem malemolência ou sem qualquer de suas qualidade de oratória. Sobra, então, um homem velho, ranzinza, que em nada lembra um sujeito que saiu da cadeira presidencial com tanta popularidade e prestígio, que foi capaz de eleger como sucessora uma candidata que não era conhecida e que carecia de traquejo em debates e aparições públicas.
Um filme servir de propaganda a um projeto político em pleno 2017 é algo vergonhoso. A discussão ética sobre tal feito é ainda mais profunda e um absurdo que ainda se tenha que discorrer sobre isso. Surreal que filmes como esse ainda sejam comuns e que tal tema esteja na moda chega a ser aterrecedor. O preço para tal tentativa de distorcer os fatos resulta em um sem número de anedotas, que fazem o receptor mais seletivo refletir sobre a investigação. Se a arte ao tentar imitar a vida gera tantas piadas, memes e situações equivocadas, há de, no mínimo, se refletir para os rumos judiciais para onde o país está indo.
Diante de tantos equívocos, há outro mais gritante e injusto: o modo se retrata o povo durante a condução coercitiva de Lula. Primeiro, os fatos são modificados ao bel prazer da trama – o que não seria necessariamente um problema, caso não houvesse um número elevado de versões falaciosas no roteiro –, a população é mostrada como uma turba de descontrolados violentos, que causam tensão sozinhos, incitados por pessoas do próprio povo a linchar quem estava investigando o caso, uma observação mantida tanto para os favoráveis ao petista quanto os da oposição.
A obsessão por transformar os investigadores em paladinos incapazes de errar faz com que a lógica do “contra tudo e contra todos”, usada no futebol como forma de motivar os times, se torne a praxe na mentalidade dos personagens. O povo ser tratado como inimigo é sintomático e resume em si o quão perversa pode ser a mentalidade da elite para quem este filme parece ser destinado. A denúncia que Polícia Federal – A Lei É Para Todos propõe esbarra em partidarismos agressivos e desnecessários, além de uma problemática lógica de punição, que mira em somente alguns. Contrariando a afirmativa de que a lei é para todos.
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