Nós mesmos viramos marcas no Facebook e Instagram, oferecendo nossa imagem as curtidas do mundo virtual, tal qual músicos e animadores de auditório vivem, mesmo que com talento questionável, e cada vez mais, para a lógica do aplauso pelo aplauso. As pessoas nunca mais viram sua privacidade pessoal, e a sua reputação pública da mesma forma depois dos Beatles, depois do apreço que a fama agregava a vida das divas da sunset boulevard, em Hollywood. Uma nação, e hoje, um mundo de wanna be’s, cheio de gente sedenta pela pílula dos quinze minutos de fama e que quer ser alguma coisa, sem ao menos saber direito para quê.
Contudo, há uma questão aqui. Fama ou riqueza? Para Rupert Pupkin (Robert de Niro), não há dúvida: mesmo correndo perigo de vida, vale tudo para ficar em frente de uma câmera afim da ovação tão sonhada, com o calor humano proveniente dessa aceitação generalizada enfim a aplacá-lo. Ainda em 1982, Martin Scorsese metaforizou no plano de Pupkin, o de sequestrar e amordaçar por uma noite o gênio da comédia americana Jerry Langford (interpretado pelo próprio Jerry Lewis) para substituí-lo ao vivo, no ar, a carência e o desespero exclamado de muitos de nós hoje, nas redes sociais, em sermos alguém. Em sermos relevantes num mar de fotos de perfis quaisquer.
E o aspirante a comediante tampouco tem escrúpulos: Mente, engana, sequestra e ilude quem quer que seja para conseguir o Eldorado prometido. Chega a esperar horas a fio numa emissora, ciente de que outros fariam o mesmo – ou pior – pelo lugar ao sol que pertence a ele. Inconformado, e ciente de que seu trono é debaixo dos holofotes, em cenários artificiais onde o seu talento digno de torná-lo O Rei da Comédia, como julga tê-lo, pode extrapolar o superficial, e conduzir o público a emoções reais de alegria e escapismo momentâneos. Todavia, Pupkin não pensava no público, exceto com o intuito daquelas risadas o auto promoverem.
Individualismo, bem antes dos youtubers e blogueiros(as) fazerem sucesso com importantes tutoriais diários de maquiagem. Scorsese não consegue evitar em empregar uma ironia refinada, elegante e perfeita na trajetória de outsiders do show business americano que apenas querem seu espaço no palco. Não há nada de errado nisso, deixa claro, exceto como eles chegarão lá. Satírico também, e por vezes sádico, o cineasta tira o melhor do cômico e do dramático de cenas leves e dinâmicas que emblemam profundamente bem o apreço, o preço, as consequências e o gosto contraditório aos júbilos prometidos pela utópica fama.
Não deixa de ser uma crítica contundente a própria sanidade excêntrica da indústria cultural americana, repleta de escândalos feito esse protagonizado aqui por Pupkin, que de um cara mimado ainda morando com a mãe, passa a ser apresentador de talk show nem que seja na marra – e que assim seja. Fato é que a mão singela de Scorsese na direção dá um tom universal a própria obsessão tão contemporânea por sucesso a todo custo, expondo o fundo psicológico da obra com grande brilhantismo. O Rei da Comédia configura-se como um filmaço, com o tempo ainda por cima agindo soberano para torná-lo merecidamente mais e mais reconhecido.