O Último Homem, de Mary Shelley, edição bilíngue da editora Landmark, é uma das obras inaugurais de ficção científica mundial. Publicado em 1826, o romance narra um futuro apocalíptico na Inglaterra do fim do séc. XXI, sem, contudo, um esforço de imaginação completo sobre o porvir. Ainda encontramos uma sociedade com valores vitorianos onde a Inglaterra é o centro do mundo e diversas tecnologias com inspiração steampunk, como o balonismo, se perpetuaram. Uma obra mais complexa que Frankenstein, sem dúvida, mas por motivos de estilo do que especulação científica e social sobre o futuro.
Primeiro vamos falar sobre a edição da Landmark. Com uma tradução hercúlea (e também notas de rodapé) de Marcella Furtado, encontramos o texto inglês original ao lado da versão em português. A diagramação, contudo, peca pelas letras pequeninas, o que atrapalha a leitura à noite ou em lugares muito claros. Em adicional, falta um texto introdutório (ou “Posfácio”) que explique as particularidades e importância da obra no gênese da ficção científica e quais outros autores foram influenciados por Shelley.
Voltando à história, o romance narra a odisseia de Lionel, órfão de um nobre fanfarrão e empobrecido, e seus amigos e familiares, Adrian, Raymond, Perdita, Idris e Evadne, durante os anos de peste, guerras e mortes na Inglaterra do séc. XXI. O romance, como explicado na Introdução da obra, é o resultado de traduções feitas por uma dupla de cientistas a partir de textos encontrados na Caverna da Sibila, em Nápoles, Itália, em 1818. Sibila, na tradição mitológica, era uma sacerdotisa que recebia sussurros do deus Apollo sobre o futuro. Ela deixou textos registrados em vários idiomas e os cientistas os encontraram, traduziram e publicaram essa profecia do fim dos tempos.
No texto profético de Shelley, a peste bubônica causa o fim da humanidade. Como no século XIX ainda não se sabia exatamente que a doença era transmitida por pulgas entre animais de pequeno porte, e, em séculos anteriores a praga dizimara um terço da Europa, a autora achou conveniente que a morte ceifasse a Humanidade em forma de peste. Este, aliás, talvez tenha sido o componente de inverossimilhança da trama: Shelley não tratou de evoluir a Ciência em seu livro. Ela escreveu atalhos, remendou ideias requentadas (como o uso de máquinas variadas), mas não se ateve a detalhes sobre o funcionamento delas no futuro.
A evolução é mais narrativa que científica. A autora potencializa o romance com um estilo rico (se você gosta de descrições, vai fundo), um certo culto à natureza, exaltação de sentimentos, destino não mais fixo, espectros, donzelas que se passam por soldados, intrigas amorosas etc. Ou seja, é uma obra com componentes de ficção especulativa científica, mas não apresenta foco total em definir ideias sobre o novo gênero. O que a autora faz é alterar alguns componentes narrativos dos cânones do Romantismo e impingir mudanças, sutilezas estruturais, em conjunto com uma imaginação não-totalmente renovada sobre o futuro.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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