Em tempos de manifestações, iniciadas e organizadas por redes sociais, mas também extravasando-as e estampando não só o asfalto, como as capas de jornais, agendas políticas, e o palanque do parlamento, é importante também entendermos qual é o nosso papel na sociedade, e porque todos somos importantes nesse tipo de movimento social, estando presente ou não nas manifestações de forma direta.
Muito se fala em ‘ativismo de sofá’, que isso não muda nada, etc, e realmente tem seu ponto. Se você acha que fazer um abaixo-assinado virtual vai derrubar as pessoas mais poderosas da república, apenas por verem que ali estão representados um interesse rápido de uma parcela da população, esqueça, isso jamais acontecerá. Mas ao mesmo tempo, tudo tem um início, uma pessoa sozinha protestando contra alguma injustiça social, é apenas um maluco, muitas pessoas juntas desse barulho pode ser um início de um movimento de mudança, e entre a vontade de ver a coisa mudar, e fazer algo pra que isso aconteça, existe um passo gigante que mistura um pouco de coragem, ingenuidade, um tipo de boa insolência ao achar que pode mudar o mundo.
E nesse salto de fé, ao se mover em prol de “uma causa”, é que as redes sociais e tal “ativismo de sofá” podem ajudar as pessoas a tomar a confiança necessária, percebendo que não são mais o jogador maluco sozinho, mas sim um grupo, com causas em comum ou não, mas que estão cansadas de ver o mundo pasteurizado passar a sua volta e fingir que não tem nada com isso. Cansadas de se dobrar diante de uma injustiça e engolir caladas o sentimento amargo que isso provoca, da raiva e da angústia reprimida pelo sentimento de que não adianta fazer nada, que estamos condenados à mediocridade sem direito de dizer não, afinal nós somos os responsáveis por ela, porque nós já conquistamos o direito de escolher na urna quem nos representa, e isso já é o suficiente.
Se o coração de Roma não estava no mármore do senado, mas nas areias do coliseu. Hoje poderíamos dizer que uma sociedade não evolui discutindo sobre política de 4 em 4 anos, mas tirando a exclusividade do domínio “político” e assim, da representatividade social, das cadeiras dos três poderes, e trazendo o diálogo de volta a quem lhe pertence.
Mas se o Estado não te ouve, se tem medo, ou arrogância de pensar que o diálogo não é necessário, apenas porque tem o respaldo da maioria na urna, só vai realmente restar uma coisa, a repressão, numa tentativa injustificável de estabelecer a ORDEM que a sociedade precisa para caminhar, seguindo o caminho do rebanho.
Mas você pode dizer, não é a sociedade inteira que está a favor dos vândalos, afinal: “Quando teremos protestos, não por causa de 20 centavos, mas contra a corrupção, segurança, saúde, causas realmente importantes.” Eu ainda acredito no beneficio da dúvida e na ingenuidade das pessoas, portanto eu prefiro ver esse tipo de fala como um pensamento errôneo de que os assuntos e mazelas sociais são de alguma forma distintos e não intrínsecos, como na verdade são.
Mas o fato é que, não importa se o ato é contra a corrupção ou os 20 centavos, o que importa é contra quais interesses ele representa, além do já citados autoritarismo latente, e independente da causa, ele teria sido reprimido da mesma forma, a diferença maior talvez, é que um protesto contra a “corrupção”, como os Almeidinhas gostam de falar, seria tão vago quanto ineficiente. Todos sabemos que ela existe, todos nos revoltamos com ela, mas ela é de certa forma invisível, corre por baixo dos panos, não existe o grande ministério da corrupção, ela ataca todos os níveis e setores, e para que algo realmente chame a atenção, pra que seja o estopim pra mudança precisamos de um “rosto”, uma causa direta pela luta, algo impossível talvez, mas que ainda assim seja possível no alcance da imaginação.
Por tudo isso, cada um, independente da sua posição política, da sua participação e mobilização social, cada um é importante para podermos quem sabe um dia, ter uma sociedade mais justa, 20 centavos de aumento foram a gota d’água, o rosto da causa, mas que hoje já se transmutou na cara de cachorro de louco da PM, e da jornalista com o rosto machucado. A cara de um Estado latindo e acoando a população para onde acha que é o seu lugar.
Nosso papel individual, é numa forma figurada, pra cada vez que ouvirmos “Isso tudo é porque o brasileiro não sabe votar”, perguntar pra pessoa pra quem ela votou na última vez, mostrar que ela também é brasileira, que também não sabe votar, mas pior do que isso, acha que já fez o suficiente, quando na realidade não fez nada. Mostrar pra ela que o tal voto, apenas por ele mesmo, é a versão institucionalizada do abaixo-assinado mitológico. Nosso papel diário, é de sempre fazer um pouco mais, independente de já fazer muito, ou nada, seja esse um pouco mais, indo pra rua, debatendo, exigindo diálogo, colocando seu ponto de vista na roda de amigos, seja você direita, esquerda, muro, libertário, reaça, progressa, whatever, mas que pare de apenas julgar do seu ponto de vista, aqueles tem a coragem que você não tem, de tentar mudar alguma coisa.
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