Cada dia mais, ao se comentar sobre uma obra artística, seja ela literatura, quadrinho, cinema, games ou o que quer que seja, vejo comentários com um prenuncio de: essa é a minha opinião. Ou então finalizando tal comentário, com algo do tipo: essa é a minha opinião, e como opinião cada um tem a sua, tá tudo certo. OU o ainda pior: essa é a minha opinião que não vale nada, numa retórica juvenil, de querer rebaixar virtualmente o valor da sua opinião, apenas para que ela seja relevada da discussão, não como argumento inválido, mas sim, como a palavra final do discurso de quem a profere. Alienado de, veja você, opiniões externas e fechado a mudança do pensamento. A primeira coisa, e essa admito, mais birrenta do que prática, é que é óbvio que essa é a sua opinião, não é necessário o reforço.
Mas birras a parte, não vejo nada de errado em ser firme à seu ponto de vista e levá-lo ao clímax do debate, quando quase sempre o que resta são os fios de argumentos, perdidos no calor da discussão, numa cruzada de convencimento alheio. Agora, manter-se firme demais ao seu próprio argumento, praticamente cego a tudo que lhe é dito contrário ou o que não se coloca alinhado exatamente ao seu pensamento, é aí que mora o problema.
Sejamos francos, obras de arte não são peças lógicas que necessariamente seguem fórmulas para obter-se o produto final. Muita vezes o gostar ou não de uma obra ou de pontos específicos da mesma, se dá por meios tão subjetivos que é difícil até extraí-los do campo de sentimentos e ordenar os argumentos para uma discussão racional. Sobre esse assunto não irei me estender, mas sim recomendar a leitura do ótimo texto do Amilton Brandão falando “sobre o gostar”.
Fugindo um pouco para depois voltar, vamos imaginar o seguinte: um grupo de engenheiros reunido para a construção de um viaduto. Depois de algum tempo de discussão sobre o projeto, um deles se levanta e fala: “olha, na minha opinião isso não vai dar certo.” Enquanto os outros olham pra ele, numa cara de desaprovação, então ele se levanta e continua: “não levem muito em conta a minha opinião, afinal cálculo de viadutos não é meu forte, e vai saber se o programa que eu usei tava com algum bug e tudo o mais, mas eu acho que esses cálculos estão todos errados, e essa ponte vai ruir em 2 meses.”
Essa cena seria surreal por vários motivos, mas esqueçamos toda a carga negativa que isso teria para a carreira desse engenheiro, ou da própria confiança do grupo nos apontamentos futuros dele, nos atenhamos apenas ao teor da matéria, e como isso é incompatível com a sua profissão e para aquela análise. A engenharia, como prática, não permite que um dos seus praticantes tenha apenas uma opinião que não vale nada, ou ele está certo ou ele está errado em seus cálculos, para isso existe prova, contra-prova e tudo o mais. Ele pode emitir apenas uma opinião? Claro que pode, baseada em algum fato que ele traga consigo, o que ele não pode, é trazer uma opinião que não vale nada. Principalmente se isso servir apenas como desculpa para que ele não seja “apedrejado” por atrasar o projeto em uma visão particular, e neste caso, errada dos fatos.
Oras, mas eu acabo de me contradizer, já que estou comparando matérias exatas com artes, e tudo que as artes não tem é uma definição de certo e errado, até mesmo bom ou ruim é discutível. E é por isso que eu digo: não estou me contradizendo e meu ponto é, mesmo com toda a subjetividade das atividades culturais, se você tem uma visão sobre ela, quais são os pontos que a embasam? E ainda mais, qual é o ponto de você explicitar para o mundo a sua opinião, já que como você mesmo diz, ela não vale nada, e por isso merece respeito?
Isso não é uma questão de intolerância ao ponto de vista contrário, isso vai além, isso é quase uma falta de coragem e preguiça mental de bater de frente com o contraditório, aceitando a sua condição de peão de batalha numa discussão intelectual de nível superior, em que a pessoa que emite a opinião “desprovida de valor”, se cega para os argumentos bem pontuados e coerentes. Fechando-se no seu casulo de ignorância e cabresto.
Para piorar a situação, de alguma forma isso me soa autoritário, pois frases como “essa é a minha opinião, ela não vale nada, portanto deve ser respeitada.” Me lembra muito de frases como: ‘O mundo é assim, temos que aceitar’ ou a minha “favorita”, ‘Lei não se discute, se cumpre.’ Desculpe, mas não, a opinião de ninguém deve ser ‘respeitada’ a ponto de não se ir contra ela e pensarmos que está errada. O que temos que respeitar é sim, o direito daquela pessoa exprimir a opinião dela, por mais esdrúxula e sem base que seja, isso nunca lhe pode ser negado. Mas aceitá-la como verdade, mesmo que particular ao proferidor, isso não. Aceitar a opinião cegamente, apenas porque ela é uma opinião, é um passo para também termos que aceitar um preconceito de alguém. Ou talvez, esse seja o passo que já começou a ser dado, pelo menos aos mais providos de intelecto, que finalmente não precisam mais aceitar os preconceitos de qualquer tipo vindo dos outros, sob o falso argumento de liberdade de expressão. E agora tenhamos que dar o passo de não respeitar essa opinião sobre qualquer coisa, sem antes argumentar.
O que precisamos é de mais debates, não só no domínio das artes, mas em todos os campos. Debate com duas ou mais pessoas colocando seus argumentos, válidos talvez, mas que também podem ser invalidados pelo próprio teor da conversa. Aberto às percepções e à troca verdadeira que todo debate deve ter. Palestrantes temos aos montes, de todos os tipos e qualidades, nos falta é debatentes, talvez num neologismo ridículo, mas coerente em contraponto ao combatente.
De qualquer forma, essa é a minha opinião, e ela vale muito ao menos pra mim, e ao contrário da retórica criticada, e também por justamente por valer tanto, estou aberto para o possível rebate, explicitando pontos que talvez mudem meu pensamento, não como um todo, mas aglutinando pontos de vista à minha forma de “respeito a opinião alheia”.
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