Autor: Vortex Cultural

  • Resenha | Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley

    Resenha | Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley

    Admirável-mundo-novoCreio que “poucas” pessoas podem dizer que nunca tenham nem sequer ouvido alguém falar a respeito de Admirável Mundo Novo. Seja através da associação com distopias, seja através de comentários esparsos sobre realidades opressivas, bizarrices, experiências literárias ou simplesmente sobre o mal estar que a tecnologia carrega em seu bojo. O livro de Aldous Huxley certamente não se tornou um clássico e nem se ganhou tanta notoriedade à toa, é definitivamente um livro marcante.

    Ainda que, tenho certeza, algumas pessoas associarão a idéia de futuro pessimista a obra mais conhecida de George Orwell, há que se entrar em favor de Huxley e mostrar como na década de 30 já havia vozes se levantando para procurar mostrar hipóteses sombrias sobre o porvir do mundo.

    Huxley, por sua vez, não deve ser visto também como grande pioneiro desse estilo, o russo Yevgeny Zamyatin já havia escrito uma história que certamente inspirou Huxley, retratando um futuro onde a humanidade tinha dado passos largos rumo a uma direção nada acolhedora. De qualquer forma Admirável Mundo Novo está incrustado na literatura mundial não por acaso, e é isso que pretendo tentar por em relevo nessa resenha.

    O livro foi publicado em 1932 e retrata um futuro onde a tecnologia tem papel primordial na manutenção da estratificação social e na controle de todos os mais milimétricos aspectos da sociedade. Como sinal dessa mudança, podemos apontar a cronologia existente nesse mundo distópico: ela começa a ser contada a partir da invenção do modelo T por Henry Ford. A ligação com a criação tecnológica pode soar antiquada para nós agora, mas representava uma mudança bastante relevante para a década de 30, afinal Ford foi um dos principais nomes da indústria não só estadunidense mas mundial.

    A invenção do modelo T não aparece somente como notação de tempo, mas com um significado religioso, pois o formato da letra “T” passou a substituir a cruz, tão cara ao cristianismo. Não mais Cristo, mas Ford é que representava uma entidade basilar na constituição do mundo. Ao passo que a tecnologia impregna o imaginário da população sob essas formas, outros setores da sociedade se valem de maneira extensiva dos avanços tecnológicos.

    O primeiro capítulo já nos atira em uma fábrica de seres humanos. Sim, exatamente isso, somos convidados a um tour ao longo da linha de produção (ah, a emblemática e famigerada linha de produção) para sabermos como os embriões são gerenciados e levados, por meio de uma manipulação precisa, a se tornarem indivíduos de um modo ou de outro. Não se controlam somente fatores biológicos, como a cor de pele, a estrutura capilar, a altura e as tendências de crescimento; mas também condições mentais e capacidades fisiológicas e intelectuais, que acabam por garantir uma estratificação social rígida e muito bem delimitada.

    A tecnologia faz as vezes de natureza e condiciona de maneira bastante eficaz o que serão os seres humanos. As classes Alfa, Beta, Gama, Delta (etc.) são os repositórios dos indivíduos fabricados na bizarra linha de produção. De acordo com os condicionamentos recebidos, eles serão direcionados a uma determinada classe e ficarão responsáveis por um ou outro trabalho. Toda a vida, por conseguinte, se encontra acorrentada ao fato de que os sujeitos já foram desenhados biológica e socialmente, para ocuparem um determinado lugar, Ou seja, não passam de engrenagens ou peças quaisquer, já que perdem sua liberdade de ação pela programação padrão.

    As emoções são suprimidas por meio de drogas, a sexualidade é canalizada pela exacerbação em um ato físico descolado de sentidos humanos e cada vez mais os seres humanos (se é que podemos ainda assim chama-los) se tornam incapazes de resistirem a essa programação.

    Porém, com um jogo de nomes divertido, Huxley nos apresenta Bernard Marx, um sujeito que está cheio da situação como a vê e encontra em Lenina não só uma companheira para o sexo como uma confidente e potencial ajuda em seus objetivos.

    Eles se envolvem em uma tresloucada trama que os leva a conhecerem as reservas dos Selvagens (os seres humanos não feitos em laboratório e que vivem segundo os preceitos e modo de vida pré-Admirável Mundo Novo), traze-los às peculiaridades sem sentido da sociedade voltada à tecnologia para estudo e questionarem, sob muita pressão, o status quo do qual eram produto e vítima.

    Não gosto de encarar Admirável Mundo Novo como uma alegoria, acho que esse termo tem uma tradição de mecanicidade que esteriliza mais do que ajuda. Entretanto, através da construção literária, Huxley nos informa bastante a respeito de sua sociedade e sobre como a tecnologia (e seus mais diversos corolários: exatidão exacerbada, controle absoluto, condicionamento artificial, anti-naturalidade etc.) tendem, nas condições em que são geridos, a prevalecer sobre os seres humanos.

    Apesar do lampejo débil de esperança, a obra de Huxley toca numa ferida que jaz em aberto ainda em nosso tempo (quiçá com mais purulência ainda): a de que quanto mais avançam as tecnologias, mais elas suplantam a humanidade. Essa discussão não tem nada de nova mas nem por isso se tornou velha, e isso por si só, já é indício da atualidade da obra e da profundidade das questões que aborda.

    Compre: Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley.

    Texto de autoria de Lucas Deschain.

  • Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Billy Beane (Brad Pitt) odeia perder. Mais que tudo. Mesmo a sensação de vitória fica em segundo plano quando comparada à fúria provocada por uma derrota. Ele mesmo admite isso num dos vários bons momentos de O Homem que Mudou o Jogo, novo longa do diretor Bennett Miller (Capote).

    A primeira frase deste texto resume totalmente o gancho temático da produção. Muita gente poderá olhá-la sobre uma perspectiva equivocada e acreditar que “O Homem que Mudou o Jogo” é um filme sobre baseball.

    Nada poderia estar mais equivocado.

    O baseball é apenas um instrumento utilizado pelo diretor para contar a história de um homem consumido por duas obsessões: impor suas ideias e nunca, em hipótese alguma, perder.

    O esporte usado poderia ser futebol, vôlei, basquete, ou qualquer outro. Não faria a menor diferença. O foco não é a modalidade, mas o posicionamento do protagonista: a derrota não é, de forma alguma, uma opção.

    Em “O Homem que Mudou o Jogo”, Billy Beane é o gerente do time Oakland Athletic’s – os Oakland A’s. Uma equipe de resultados apenas modestos dentro da Major League Baseball (MLB), a principal liga de baseball norte-americana. Posicionamento pequeno demais para ser aceito peloo personagem interpretado por Pitt.

    Logo no início do filme, ele é visto num estádio vazio, acompanhando por rádio a derrota de sua equipe diante do poderoso New York Yankees. Nesse momento, ele dará sua primeira demonstração física dos efeitos que a derrota lhe provoca. Ao longo do filme, ele será visto em outros momentos como este – vai socar painéis de carros e arremessar cadeiras sempre que perder. Vai se matar na sala de musculação como uma espécie de punição por cada derrota, lembrando muito rituais de auto-punição adotados em determinadas religiões.

    Beane quer mudar o jogo. Quer transformar sua equipe num time campeão.
    No entanto, está cercado de assistentes que possuem uma visão antiga e ultrapassada do esporte. Ele precisa de alguém novo. Que tenha um posicionamento racional e embasado em análises frias sobre o baseball.

    Ele precisa de Peter Brand (Jonah Hill). O jovem formado em Economia por Yale. Que baseia sua visão dos jogadores e do próprio jogo em estatísticas, em números. Na ciência. Não em “tempo de estrada”. Fascinado por ele, Beane o contrata. A partir daí, enfrentando todo tipo de obstáculo e resistência, os dois vão revolucionar o esporte.

    A postura intransigente de Beane – que é um personagem verdadeiro – é fruto de uma vida anterior como atleta. Quando jovem, foi considerado um gênio pelos olheiros do New York Mets. Nesse momenteo, teve de fazer uma escolha entre o baseball e uma bolsa integral na Universidade de Stanford.

    O esporte versus os estudos.

    Optou pelo primeiro. Os resultados, entretanto, não foram dos melhores. A frustração foi inevitável.

    A partir daí, para se proteger de novas decepções, Beane decidiu criar uma espécie de “couraça emocional”, cortando vínculos afetivos até com as pessoas mais próximas. A única exceção é sua filha, com quem ainda se permite demonstrar sua fragilidade.

    Nesse ímpeto para impor sua visão e conseguir os resultados que deseja, é capaz de tudo. Percebam como ele troca e negocia jogadores como quem lida apenas com mercadorias. Para ele, aproximações sentimentais não podem entrar no caminho da vitória. Se um jogador ameaça o futuro dotime, deve ser extirpado.

    Esse posicionamento fica ainda mais claro quando ele ensina o assistente a fazer uma demissão. Rápida, direta e seca. Não há espaço para emoções ou apelos sentimentiais ali.

    Ao contrário do que vem se falando, a interpretação de Brad Pitt não é brilhante. Mas é eficiente. Muito eficiente, na verdade. Os olhares focados, arroubos físicos intempestivos e fala arrogante construídos por ele traduzem a postura de Billy Beane e a forma resoluta de impor sua vontade. Atenção especial à forma comedida e fisicamente tímida criada por Jonah Hill para dar vida à Peter Brand. Vale menção, também, a participação de Philip Seymour Hoffman, que interpreta o treinador Art Howe. Barrigudo, lento e cabeça dura. É a manifestação física do velho baseball – o oposto da abordagem proposta por por Brand.

    A narrativa é direta, com algumas intervenções em flashback da vida de Beane. A compreensão da trama, portanto, é bem simples. E esse é um pnto positivo.

    Billy Beane é um revolucionário. Um rebelde que impõe suas convicções. Ele luta contra um um mundo antigo e ultrapassado. O velho embate entre o indivíduo e o sistema. Tema que foi muito abordado pela banda inglesa de punk The Clash.

    Não por acaso – e os mais atentos irão perceber isso – Beane é fã do grupo: perceba dois posteres da banda em seu escritório: um deles, o anúncio de um show. O outro, uma foto de Joe Strummer, vocalista do Clash.

    Ambos, cada um a seu modo, tentaram mudar o status quo no qual viviam. Ambos sofreram as consequências dessa postura. Como diz um personagem importante que aparece quase ao fim do filme: “O primeiro a atravessar uma grande parede sempre deixa seu sangue pelo caminho”.

    É a mais pura verdade.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Resenha | Hunter X Hunter

    Resenha | Hunter X Hunter

    Hunter x hunter

    “Animais monstruosos, espécies raras, riquezas enterradas, tesouros escondidos, a palavra “desconhecido” parece mágica, e alguns homens são atraídos por essa força.. Eles são chamados “Hunters””

    Hunter x Hunter é um mangá e anime de Yoshihiro Togashi, mesmo criador de Yu-Yu-Hakusho. Hunters são profissionais capazes de grandes feitos, em qualquer área. Hunter em si não é uma profissão e sim um título. E é sobre como este título afeta pessoas que a história deste mangá começa.

    Gon é um garoto que mora com sua tia, não possui nem mãe nem pai, e quer de qualquer maneira passar no “Exame Hunter” e ter o título de Hunter, titulo que seu pai “Gin” também tinha (Gin e Gon… ao menos a estória compensa esta falta de criatividade dos nomes). E temos o início da aventura, o primeiro arco da estória. É simples em todos os sentidos, o personagem principal é uma faz jus a todos os aspectos do termo criança:  inocente, impetuoso e desconhece quase tudo que o cerca.

    A motivação, para a estória continuar, é básica:  a busca pelo título. Gon prova sua inocência já nas primeiras cenas, em que aparece com sua fiel vara de pescar (não, essa vara não é magica e não cresce), ao pegar o maior peixe que havia perto de sua vila e correr para casa com o peixe na mão sorrindo, pois havia sido a promessa de sua tia de se ele pegasse o peixe liberaria sua ida ao exame.

    Seguindo de barco para o primeiro local designado ao exame, afinal ele mora em uma ilha, ele encontra mais vários outros candidatos ao exame. Durante o trajeto, uma tempestade atinge o navio e o comandante coloca todos para trabalhar, neste ponto ele encontra outros 2 que vão prestar o exame, Leorio e Kurapika (e este tira o prêmio que eu dei ao Pikachu de “o personagem de anime com nome mais dubio”) e cria um início de amizade com estes. E após o exame “começar” ele conhece Killua com quem se identifica logo de cara. Este quarteto é o “principal” da história. Também é neste arco que nós conhecemos nosso principal antagonista: Hisoka.

    Com uma excelente de história em andamento, o primeiro arco apresenta os personagens e o mundo, o segundo apresenta os poderes deste mundo, já que uma história do mesmo criador de Yu-Yu-Hakusho não ficaria sem poderes espirituais, que são os Nens. Após este arco, todas as lutas e outros afins serão tidas pelo Nens das pessoas, que permite desde telecinésia a correntes-de-andrômeda melhoradas. Porém, ao contrário do trabalho anterior o poder em HxH é extremamente explicado criando uma verosimilhança extremamente forte.

    O terceiro arco começa com o gancho do quarto: a busca por algo. Chamado de “York Shin” este arco é presenciado extremamente por usuários de Nen e conta a evolução dos principais à utilizá-la, principalmente Kurapika.

    Após este arco se resolver, chegamos ao quarto arco: Greed Island. Para mim o melhor arco da história. Onde nós já conhecemos o mundo, os personagens e os poderes. O arco te prende com uma história extremamente interessante, sem apresentar quase nada de novo ao mix.

    E finalmente o quinto arco: Formigas Quimera. Saga atual tanto no Japão quanto aqui no Brasil. Onde nós vemos uma evolução psicológica maior que de poderes, o que eu acho extremamente necessário para quando se tem um personagem principal “inocente”. Além de neste arco aparecer um clone do Kuwabara.

    Em termos de história o mangá se resolve perfeitamente, é um conjunto de partes que se completam, pouca coisa fica de fora e o que está de fora você sabe que vai ser respondido mais pra frente. Em termos de personagem você acompanha Gon e seus amigos desde o inicio de suas jornadas, os vê crescendo, não só em termos de poder como psicologicamente, eles sofrem e isso muda sua personalidade. As lutas são empolgantes e HunterxHunter é um grande baú de poderes interessantes e diferentes, já que nen é algo extremamente espiritual e alguns tem que ter “eventos gatilhos” para funcionar perfeitamente. Para os que gostaram de Yu-Yu-Hakusho, vale pelo autor, para os que não gostaram vale porque não tem realmente nada a ver e a história cresce de maneira completamente diferente.

    Texto de autoria de André Kirano.

    hunter x hunter

  • Os Animes de Kenji Nakamura

    Os Animes de Kenji Nakamura

    Poucos são os diretores de animação japonesa dos quais o publico geral digna-se a memorizar o nome após uma apreciação, para, quem sabe, no futuro, vislumbrar outras obras.

    Tal tratamento é geralmente reservado aos grandes mestres do cinema, como Hayao Miyazaki, Katsuhiro Otomo e Satoshi Kon. Quando falamos de produções televisivas, este seleto grupo de nomes conhecidos se reduz ainda mais, salvo exceções como Shinishiro Watanabe  e  Mamoru Oshii.

    Por mais que realizadores como Makoto Shinkai, com seu artístico e pessoal acervo, e Akiyuki Shinbou, com seu frenético, porém sempre competente trabalho, estejam constantemente produzindo, não existem muitos que, como estes, são acompanhados de perto pelo publico.

    Frente a essa multidão de ilustres desconhecidos, há um nome que vem ganhando notoriedade nos últimos anos: Kenji Nakamura, um diretor de animes televisivos que, apesar da pouca bagagem, mostra em seus trabalhos visão e técnica fora do comum.

    o inicio do ano de 2006, Kenji Nakamura, mesmo já figurando a lista de suporte de diversas séries, era ainda um nome inexpressivo na indústria. Isso veio a mudar naquele mesmo ano, quando a antologia animada Ayakashi – Samurai Horror Tales foi ao ar pelo bloco noitaminA, da TV Fuji,  lar de todas as animações futuras do diretor.  Propondo dar nova roupagem a contos de horror antigos e criaturas mitológicas nipônicas, o anime de 11 episódios apresentou três histórias, cada qual com um diretor diferente.

    Os dois primeiros, por mais que cumprissem seu papel na renovação dos clássicos adaptados, não obtiveram êxito em gravar suas identidades, deixando juntamente com os episódios uma impressão de vazio. Entretanto, o ultimo arco da série, uma história original que apenas baseava-se no conceito de Bakeneko (gato fantasma, monstro comum do folclore japonês), conseguiu tudo aquilo que seus antecessores falharam em fazer. Amarrando um enredo elaborado e impactante, personagens enigmáticos, uma atmosfera tensa e um visual deslumbrante, o diretor do ultimo arco mostrou talento e competência acima da média. Este diretor era Kenji Nakamura.

    O trabalho feito na conclusão de Ayakashi tanto agradou que, passado menos de um ano, este ganhou um spin-off. Eis que então, em Julho de 2007, ia ao ar Mononoke, marcando a primeira vez de Nakamura tendo em mãos o leme de toda uma produção.

    Mostrando ocorridos desconexos da jornada de seu carismático protagonista, uma entidade sem nome, cunhada apenas como Kusuriuri (antiga profissão, que consiste em um vendedor errante de medicamentos), cuja missão é buscar e exorcizar Mononokes – seres criados do rancor, temores e anseios dos corações humanos – o primeiro trabalho solo de Nakamura consegue ser intrigante, empolgante, por vezes assustador, e ainda assim poético.

    Primordialmente oculto pela premissa simples, o jogo de morte e ressentimento que se intensifica caso após caso nos mostra, através dos seres mitológicos da cultura daquele país, as enfermidades da alma humana. Mononoke é uma obra introspectiva, que agrada justamente por tragar o espectador para uma trama que exige reflexão sem se tornar maçante ou cansativo.

    A arte belíssima, caracterizada por texturas espessas e cores vivas, acentuando o character design incomum, de um balanço ímpar entre o realístico e o caricato e que coroa os muitos méritos da série.

    Trabalhando por mais de um ano com o Kusuriuri e seu universo, o diretor adquiriu experiência e traçou as características que permeariam o restante de sua obra: cores vibrantes, o uso de ângulos inusitados, recortes e uso do cenário como recursos narrativos. Elementos esses que podem ser observados, com acréscimos e evolução notável, em seu trabalho seguinte: Kuuchuu Buranko, também conhecido por Trapeze.

    Em algo que pode apenas ser descrito como um delírio animado, Nakamura mesclou animação convencional com lapsos do mundo e pessoas reais, seja em interação plena, sobreposição ou composição dos cenários, resultando em uma esplêndida experiência visual.

    Baseado, embora não muito fielmente, na série literária de curtas histórias de Hideo Okuda, o anime nos apresenta  Irabu Ichiro, um psiquiatra que acompanha e trata de forma atípica uma soma de 11 pacientes, um a cada episódio. Passados em uma semana, do dia 17 de Dezembro até o natal de certo ano, os diversos casos se intercalam em uma cadeia de distúrbios mundanos.

    Se em Mononoke o diretor pôde flertar com a psique humana, aqui, como a premissa sugere, foi-lhe permitido explorá-la a fundo. Alternando comédia, crítica e sugestão, Kuuchuu Buranko é uma obra de originalidade irrefutável e execução imponente, que merece ser, como por muitos já é, tratada como a máxima de Nakamura.

    Já tendo no curriculum uma série episódica e outra composta por arcos curtos, em 2011 Nakamura aventurou-se em uma obra com trama contínua, o que pode ter sido uma infeliz escolha. [C]: The Money of Soul and Possibility Control, ou apenas [C], consiste em um vago estudo social que mescla ficção cientifica não muito embasada, ação pouco empolgante e suspense.

    Aqui  vemos sua pior realização; uma obra que, afora o visual ainda magnifico e a trilha sonora grandiosa, não se equipara aos trabalhos anteriores.  [C] não possui uma proposta ruim, pelo contrário, propõe uma interessante análise do mercado financeiro e da relação entre homem e capital, somando ação e drama a esta que poderia ser uma premissa monótona. Porém, por mais adequado que o propósito seja, a execução é falha.  Nakamura erra sucessivamente em fechar um numero considerável de tramas em meros 11 episódios, direcionar os personagens de forma crível e dialogar com o espectador acerca de suas reais intenções.

    Trabalhar com tramas intimistas por um longo tempo certamente o privou do necessário para dirigir algo que, em certo ponto, alcançou proporções cataclísmicas como [C]. Por mais que tenha sim suas virtudes, este titulo é inexpressivo frente às joias de seu passado.

    Em uma carreira até então curta, composta por dois grandes acertos e um pequeno deslize, Kenji Nakamura revela ser uma mente criativa respeitável.  Ostentando uma percepção aguda, mãos cuidadosas e competentes e uma visão de mundo diferenciada, o diretor conquistou seu espaço em meio aos talentos da atual indústria. Que não tardem a chegar seus novos trabalhos, nos fascinando com suas vibrantes e perturbadoras cores!

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Crítica | Histórias Cruzadas

    Crítica | Histórias Cruzadas

    Logo no quadro inicial de Histórias Cruzadas, somos apresentados à personagem Aibileen Clark (Viola Davis, espetacular). Naquele momento, uma das primeiras frases ditas por ela define exatamente como é a sua vida e as das outras domésticas que surgirão ao longo do filme.

    “Eu sou uma empregada, minha mãe foi empregada e minha avó foi uma escrava caseira”, ela diz.

    Tudo nas vidas daquelas mulheres negras gira em torno dessa realidade: a conformidade com a condição imutável de que suas existências se resumem a trabalhar nas casas de patrões brancos, preparando suas refeições e cuidando de seus filhos.

    Elas estão ali para servir. São uma parte invisível das famílias de seus empregadores. Mas uma parte que jamais é totalmente aceita. Afinal, são mulheres. E pior: são negras – a característica imperdoável para os brancos que viviam na cidade de Jackson, Estado do Mississipi, ao longo dos anos de 1960, local e época nos quais a obra se desenrola.

    “Histórias Cruzadas” trata de dois temas difíceis: a total incapacidade de mudar o rumo da própria vida e a estupidez humana ao segregar um semelhante apenas pela cor da sua pele. No entanto, mesmo lidando com assuntos áridos, a película é uma obra simples, direta e – pelo menos na maior parte do tempo – leve. E talvez essa simplicidade seja sua maior qualidade.

    O roteiro é linear. A história é clara, bem como o posicionamento de cada um dos personagens que a compõem.

    Na trama, somos apresentados à Eugenia “Skeeter” Phelan (Emma Stone). Aspirante à jornalista e escritora, ela consegue um emprego no jornal local. No entanto, por ser mulher e viver numa cidade racista e sexista, a jovem consegue apenas escrever uma pequena coluna dedicada a donas de casa na qual lhe cabe apenas dar às leitoras dicas de limpeza doméstica.

    É nesse contexto que Skeeter e Aibileen se aproximam – a partir daí, a jovem branca que quer ser escritora percebe que a empregada pode ser a fonte da matéria-prima necessária à realização de uma grande reportagem: contar como é a vida das empregadas naquela sociedade segregacionista a partir do ponto de um ponto de vista até então inexplorado – o das próprias domésticas.

    Ambas – Skeeter e Aibileen – estão infelizes: a primeira quer claramente ir além dos limites da cidade e provar que uma mulher pode ser muito mais que uma caçadora de maridos, atividade para a qual praticamente todas as moças de Jackson são treinadas desde muito jovens. Já a segunda, tem a dor da morte de um filho e a amargura imposta pelo preconceito atravessadas na garganta. Ela precisa colocar para fora os absurdos cometidos em nome da separação provocada pela segregação.

    Absurdos, esses, que são bem retratados por meio da ação mais simples que se possa imaginar: ir ao banheiro – ou seja, até mesmo o mais corriqueiro dos atos pode ser utilizado para demonstrar como brancos tratavam negros dentro daquele contexto. Cabe ressaltar a maneira honesta como o diretor Tate Taylor retrata a hipocrisia dos moradores do subúrbio norte-americano daquele período: por trás das cercas brancas, gramados verdes e bem aparados, encontros sociais e lares aparentemente perfeitos, é possível ver, mesmo no menor dos gestos, o ódio e o desprezo que as pessoas que viviam ali sentiam pelos negros.

    Essa visão segregacionista é incorporada pela personagem Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) – tradução literal da América racista, branca e protestante.

    Seu mundo, no entanto, está prestes a ruir. Discretas intervenções feitas pelo diretor por meio de reportagens de TV assistidas pelos personagens mostram a evolução que os direitos civis nos Estados Unidos experimentavam naquele momento. A luta pela igualdade comandada por Martin Luther King e o assassinato do presidente John Kennedy contextualizam a história dentro daquele período e deixam ainda mais claro que as coisas estavam mudando.

    E a própria Hilly será vítima de uma das maiores ações de vingança e Justiça mostradas no cinema nos últimos tempos. Protagonizada por sua ex-empregada Minny (Octavia Spencer, excelente), a cena em questão se vale de uma, digamos, metáfora “orgânica” para mostrar do que ela realmente é capaz.

    Atenção também à bela performance de Jessica Chastain (A Árvore da Vida), que interpreta a personagem Celia Foote e carrega sua construção com altas doses de inocência, desprendimento e sensualidade involuntária.

    “História Cruzadas” é um daqueles filmes simples – e não simplórios – que nos lembram o quanto situações insanas podem estar mais próximas do que imaginamos – até dentro de nossos lares.

    Insanidades como acreditar que o valor de uma pessoa pode ser medido pela cor da sua pele.

    Insanidade como fechar os olhos para o fato de que, no fim das contas, todos pertencemos à mesma raça: a humana.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Os Descendentes

    Crítica | Os Descendentes

    O advogado Matt King (George Clooney) vive um dilema. Sua mente é povoada por questões para as quais, pelo menos aparentemente, não existem respostas fáceis. O que fazer quando sua companheira, a mulher que ele ama e escolheu para ser a mãe de suas filhas, está estática, quase morta, deitada numa cama de hospital diante dele e sem qualquer chance de recuperação?

    Sem dúvida a sensação não é das melhores. A frustração e tristeza seriam mais que naturais e coerentes. No entanto, como esse mesmo homem deve reagir ao descobrir – por meio da própria filha mais velha, como o trailer do filme já havia mostrado – que essa mesma mulher o vinha traindo sem maiores problemas de consciência? E pior: estava realmente decidida a abandoná-lo.

    Amor e carinho versus ódio e decepção.

    Esse confronto sentimental interno é o motor que vai mover boa parte da trama de “Os Descendentes”, longa mais recente de Alexander Payne (Eleição, As Confissões de Schmidt, Sideways – Entre umas e outras), um diretor que, além de demonstrar domínio da linguagem cinematográfica no que se refere a aspectos técnicos, como movimentação de câmera – e talvez o melhor exemplo disso esteja em “Eleição” – é muito feliz ao retratar os sentimentos ambíguos de seus personagens. Seja por meio de expressões faciais angustiadas – preste atenção em como fisionomia tensa de Clooney é esmiuçada nos vários “zooms” que serão vistos ao longo do filme -, seja no uso de pequenos truques utilizados para pontuar uma determinada situação ou estado interior.

    Na verdade, um desses artifícios é utilizado na imagem inicial do longa. Nela, Elizabeth (Patricia Hastie), a mulher do personagem vivido por Clooney, aparece feliz e sorridente dentro de uma lancha e em primeiro plano diante do belo mar azul do Hawaii. Em poucos segundos, aquela representação de prazer e satisfação será encoberta por um fade. A tela fica escura. A morte – ou pelo menos sua presença – acaba de chegar. As coisas serão diferentes a partir daqui.

    Diante da ausência da mulher, Matt King é forçado a restabelecer e reforçar um elo quase perdido com suas filhas, Scottie (Amara Miller, divertida) e Alexandra (Shailene Woodley, bela interpretação).

    Nenhuma das duas partes – nem pai, nem filhas – sabem lidar muito bem com o cenário estabelecido pelos fatos. E isso será sublinhado em vários momentos tensos – os confrontos são inevitáveis – e divertidos que surgem ao longo do filme.

    Este é um fator importante: Os Descendentes poderia ser classificado – se isso fosse realmente necessário – como um drama. Porém, não se surpreenda se, durante a película. você se pegar gargalhando das situações que surgem na tela.

    A descoberta da traição da esposa faz com que Matt entre numa jornada, acompanhado pelas duas filhas e o amigo da mais velha – Nick Krause, engraçado demais – em busca do homem com o qual sua mulher o traía. Subitamente, ele sente a necessidade de saber se ela estava mesmo apaixonada pelo amante ou tudo não passou de um caso passageiro e sem maiores envovimentos emocionais.

    As respostas virão de forma direta.

    No caminho, o advogado obsessivo por trabalho vai reavaliar sua presença – na verdade ausência – na vida familiar e tentar, à sombra da racionalidade, montar o quebra-cabeças dos fatos que teriam levado sua mulher a traí-lo.

    A trama tem como pano de fundo a venda de um gigantesco pedaço de terra que pertence à família. Todos ficarão milionários com a conclusão do negócio. E Matt, que é o depositário do imóvel, precisa tomar uma decisão. Ele é pressionado a fazê-lo. E por fim, após perceber que a posse da vista privilegiada da praia paradisíaca que ele e sua família receberam como herança pode significar bem mais que um imóvel valorizado, ele fará uma escolha.

    Payne é habilidoso ao construir a tensão e drama em seus personagens, bem como aliviá-las por meio de momentos cômicos. Interessante notar como, nos instantes de maior tristeza e tensão das pessoas que compõem a trama, externa a cada uma delas o cineasta cria uma atmosfera agradável e feliz – por meio da bela captação das lindas paisagens havaianas, mostradas em planos gerais e panorâmicas, e das músicas nativas que podem ser ouvidas ao longo de todo o filme.

    Sobre essa particularidade, há um comentário feito pelo personagem de Clooney logo no início, que resume bem a questão: “Meus amigos acham que só por que vivemos no Hawaii, estamos no Paraíso. Que passamos o dia inteiro sentados à beira da praia, tomando bebidas e sobre pranchas de surf. Eles são loucos? Como eles podem pensar que só por que moramos aqui nossa família é menos confusa? Que somos imunes à vida, que nossas frustrações são menos dolorosas!?”.

    São boas perguntas.

    E, de fato, como filme deixará claro, você pode até viver num lugar paradisíaco. Mas isso não fará a menor diferença se seu interior não estiver em paz.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Resenha | Horizonte Perdido – James Hilton

    Resenha | Horizonte Perdido – James Hilton

    horizonte perdido james hiltonHistórias absurdas conseguem prender o leitor justamente por seu distanciamento da realidade como a conhecemos. O incomum, o insólito se constituem como a atração principal quando atentam contra nosso senso de lógica imanente, fazendo-nos sentir ora assombro ora deleite ora uma sensação de suspensão da realidade que nos fazem, mais do quem em outros estilos de escrita, realmente não saber o que virá em seguida. O livro de James Hilton, Horizonte Perdido, partilha desses elementos e desse modus operandi.

    O livro começa com o autor dizendo onde conseguiu o material que usou como base para escrever a história. Ficamos sabendo que a história de Shangri-la, a cidade misteriosa dos lamas no Tibete, foi concedida ao narrador por meio de um amigo desse, num dos encontros de ex-colegas de universidade que ele participou. Já aí Hilton começa a colocar em xeque nossa capacidade de discernir até onde vai a realidade e onde começa a ficção.

    Um avião com quatro passageiros, Miss Roberta Brinklow, Henry Barnard, Hugh Conway e Charles Mallinson, decola de Baskul, rumando leste, para sobrevoar a Cordilheira do Himalaia e outras regiões próximas à Índia, Nepal e China. O curso do vôo, no entanto, é alterado. O avião para em um posto avançado no topo de uma montanha e os passageiros são mantidos presos dentro da aeronave, ao que parece estão sendo seqüestrados. Após essa parada de um dia, o avião permanece na rota distinta da original, sempre ganhando altitude.

    Os nebulosos cumes das altíssimas montanhas da cordilheira se desenham nas janelas do avião enquanto a apreensão dos passageiros aumenta. Não se sabe para onde estão sendo levados e não há modo de contatar o piloto. A certa altura o avião deixa de ganhar altitude e, ao que parece, o piloto perdeu o controle. O avião cai num dos altos picos da cordilheira com o piloto morto, deixando os passageiros entregues à própria sorte.

    Quando pareciam condenados a morrer sem encontrar viva alma, os passageiros vêem que, ao longe, monges budistas, na verdade lamas, se aproximam deles para ajudá-los a carregar seus pertences e bagagens e oferecer-lhes estadia em Shangri-la, uma cidade nas aparentemente inóspitas altitudes do Tibete.

    Não bastasse a natureza altamente incomum dos eventos, eles descobrem que Shangri-la é uma belíssima cidade incrustada num planalto elevadíssimo, cujo acesso é praticamente nulo. Apesar da relutância, eles são obrigados a permanecer dois meses no lugar, pois é somente em sessenta dias que os lamas irão descer da montanha para buscar mantimentos.
    Desse modo eles passam a partilhar do cotidiano da cidade e Conway é o mais integrado deles, sendo, portanto, o primeiro a quem os segredos que jazem nos recônditos da cidade são revelados. A cidade parece guardar o segredo da longevidade.

    Ao que tudo indica, as condições naturais em que se encontra a cidade, propiciam uma vida longa aos que ali permanecerem.

    Conway se encanta com as maravilhas da cidade, que apresenta todas as belezas e o conforto de uma vida de contemplação, desde fontes de jade até o cultivo da música erudita, de uma biblioteca bem equipada até a hospitalidade calorosa dos lamas, que comungam da filosofia da moderação, que diz que tudo deve ser moderado para que se mantenha o equilíbrio. Parece uma espécie de Utopia, uma versão oriental da terra de Thomas More.

    Mallinson reluta mais do que todos em ali permanecer, colocando constantemente a necessidade de saírem dali o quanto antes, pois havia algo de misterioso e estranho no ar daquele lugar. Assim, não demora para que discussões sejam travadas entre Conway e Mallinson e para que os mistérios do lugar sejam questionados.

    James Hilton nos mantém em dúvida até o último momento, testando-nos como o fizeram a Conway, que oscilava como um pêndulo entre considerar o que lhe fora dito como verdade ou como mentira. Tudo parece conspirar para que acreditemos na história e queiramos permanecer na cidade para também termos a longevidade tão propalada pelo mestre de todos os lamas, mas será que isso é realmente verdade? As leis da natureza deixam de imperar nesse novo contexto? Supondo que se deixe a cidade, não se estaria deixando a oportunidade de uma longa e feliz existência?

    James Hilton realmente criou um suspense digno de deixar-nos com um grande ponto de interrogação pululando na mente. Não lhes conto o final porque isso acabaria com toda a graça da história.

    Texto de autoria de Lucas Deschain.

  • Crítica | Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011)

    Crítica | Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011)

    O primeiro plano que o espectador vê, logo no início de Millenium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres, é a paisagem de uma vila sueca. Branca, fria e nevada. Tudo é perfeito. Tudo está em ordem.

    Pela beleza e “asseio”, o local remete muito mais a um cenário adequado a histórias natalinas ou a um conto de fadas infantil que a um thriller policial, costurado por assassinatos em série, esquartejamentos, estupros e relações incestuosas.

    E esse é justamente o truque. As coisas aqui não são o que parecem. Aliás, quase nunca são. É sabido que as ações mais sombrias costumam se disfarçar sob uma fachada de civilidade, gentileza e harmonia. Embora não pareça, o pior do ser humano está escondido naquela ilha de beleza gélida.

    Além de um conto policial muito bem construído, “Millenium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres” é uma crítica contundente à hipocrisia imposta pela aparência. Ao quanto as percepções podem ser enganadas – muitas vezes de forma até letal – por noções superficiais de perfeição e normalidade. Neste caso, o clichê é mais que válido: imagem não é nada.

    O diretor David Fincher (Seven, Alien 3, Clube da Luta, O Quarto do Pânico, Zodíaco, A Rede Social) escancara essa noção ao adaptar a obra de Stieg Larsson – criador do best-seller que deu origem ao filme e das outras duas partes que formam a trilogia Millenium, A Garota que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar. A trama começa quando o jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig) recebe um telefonema em plena noite de Natal. Seu interlocutor, do outro lado da linha, o convida a ir até uma ilha afastada, na parte mais fria do território sueco, para ouvir uma proposta.

    Blomkvist acabou de sofrer uma derrota nos tribunais por ter feito acusações sem provas contra um financista. Sua carreira e credibilidade, bem como sua vida pessoal, estão abaladas. Ele não tem muito a perder. Por issso, decide ir até o local.

    Ao chegar lá, conhece o industrial Henrik Vanger (Christopher Plummer). Ele quer que o jornalista conduza uma investigação para descobrir quem é o assassino de sua neta, Harriet, desaparecida desde 1966. O milionário está convencido de que ela foi assassinada por um dos integrantes da própria família – todos moradores da mesma ilha – e quer provar sua tese.

    O repórter reluta. Mas diante dos benefícios oferecidos por Vanger – um deles diretamente ligado a seus probelamas com a Justiça -, acaba aceitando.

    A partir daí, a trama avança sobre dois trilhos que acabarão se unindo: a investigação feita pelo jornalista e o desenvolvimento de Lisbeth Salander (Rooney Mara, excelente), disparada a melhor e mais profunda personagem da história, e que também irá auxiliar o repórter na solução do mistério.

    Hacker e investigadora com habilidades raras, Lisbeth não guarda espaço para sentimentos ternos. Eles existem, mas ela os mantém presos o mais fundo possível. A única coisa que importa é seu trabalho, ao qual se entrega com uma objetividade obsessiva. De fato, a jovem de 23 anos é tão direta e objetiva que transfere essa abordagem até mesmo para sua vida sexual. Ela tem as respostas. Ela precisa estar no comando.

    É uma personagem de emoções primárias acentuadas – raiva, medo, timidez e fúria. Ao mesmo tempo, é possuidora de um forte senso moral. Certamente o mais sólido entre todos os que compõem a história.

    Ao longo do filme, Lisbeth aparecerá em quatro cenas sexuais – dessas, apenas duas são consentidas. Repare como nessas últimas, é ela quem dá as cartas. Já a primeira mostra o que ela está disposta a tolerar para continuar com o seu trabalho. A segunda, é um ato de violência – pelo qual a hacker e sua particular noção de Justiça farão com que o perpetrador pague da pior forma possível.

    A abordagem visual escolhida por Fincher reflete a frieza e aparência de normalidade que formam o cenário ao redor dos personagens. A estética é “clean”. A luz é dura e branca, fazendo um paralelo com o ambiente coberto de neve da ilha.

    As exceções ficam por conta das imagens referentes ao dia do desaparecimento de Harriet, quando todas as cenas são banhadas por um filtro dourado. Metáfora visual para dias mais ensolarados e felizes que já foram vividos naquela ilha.

    Repare como, em pelo menos dois momentos, o cineasta retrata Blomqvist em planos gerais, pequeno diante de um ambiente nevado e frio. Nessas duas situações, o repórter tenta, sem sucesso, usar seu telefone celular. Não é possível. Não há sinal. A mensagem é clara: o jornalista está isolado na sua busca pela verdade e diante do enigma que precisa decifrar.

    Craig empresta a fragilidade necessária à construção do repórter. Nem pense em ver o atual intérprete de James Bond realizando as mesmas ações dos filmes de 007. De jeito nenhum. Aqui, ele está até mesmo fisicamente mais fraco e magro. Uma aparência que ressalta o quanto ele pode ser uma presa fácil naquela trama.

    A cenografia contribui para a sensação de frieza e isolamento. Quer exemplos? Na ilha, há dois tipos de imóveis: os muito pequenos, velhos e frios e os novos e modernos – esses últimos, principalmente a casa do personagem Martin (Stellan Skarsgärd) – são assépticos e extremamente impessoais. Quase sem traços de humanidade.

    A trama é desenvolvida no ritmo de uma locomotiva: começa lenta e pausada – como todo bom início de investigação – e depois acelera rumo à solução definitiva do mistério, onde se chega por meio de uma longa e exaustiva análise de provas, informações cruzadas, entrevistas e imagens. Mas atenção. Fique atento. Este filme possui dois finais. Não se preocupe. Não se trata de anticlímax. É apenas a amarração de todas as pontas do enredo.

    Vale uma menção muito especial à trilha incidental criada por Trent Reznor, o líder da banda de Rock/Tecno/Industrial Nine Inch Nails. Repare na tensão e agonia que seus teclados etéreos e ruídos eletrônicos provocam em cada cena. Isso sem falar na excelente versão que ele e Karen O (a vocalista dos Yeah Yeah Yeahs) fazem para “Immigrant Song”, do Led Zeppelin, que já podia ser ouvida no primeiro trailer e que aqui está nos créditos iniciais do filme.

    Aliás, por falar na presença de Reznor, nesse sentido o próprio Fincher faz questão de dar uma piscadela para o público: logo no início do filme, um especialista em informática aparece usando uma camisa com o logotipo do Nine Inch Nails (NIN).

    Ao fim de “Millenium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, pelo menos duas mensagens ficam muito claras: a primeira é que o mal de verdade é insidioso e está mais perto do que imaginamos.

    A segunda – e aqui não há qualquer intenção de pieguice ou conselhos de auto-ajuda – é que não importa quanto dinheiro você tem, quais roupas você veste ou quão alto você está na escala social. São suas ações que farão de você uma pessoa boa ou ruim.

    Duvida?

    Assista o filme e depois reflita…

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | O Garoto da Bicicleta

    Crítica | O Garoto da Bicicleta

    Rejeição. Quem consegue lidar bem com ela?
    Todos já fomos rejeitados por alguém. Sabemos o quanto isso pode magoar, machucar e deixar marcas que levam tempo para serem cicatrizadas. Isso quando a cicatrização é possível.

    No entanto, na maioria das vezes, e sobretudo depois que nos tornamos adultos, as regras do jogo social nos obrigam a disfarçar esse mal estar e não deixar transparecer os efeitos devastadores que a rejeição de alguém que amamos pode provocar. Rejeição paterna, então…

    Sinceramente, ninguém nasceu ou está totalmente preparado para conviver facilmente com essa emoção.

    O que aconteceria, porém, se pudéssemos acompanhar a vida de alguém que não tem a menor preocupação em ocultar o quanto lhe transtorna o fato de ser rejeitado por uma pessoa fundamental em sua vida?

    É justamente esta experiência que temos em O Garoto da Bicicleta, longa mais recente dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne. Uma observação aguda dos efeitos da rejeição e do poder transformador que o amor de uma mulher pode provocar na vida de um jovem perdido.

    Ao externar a tristeza pelo afastamento de seu pai, o jovem Cyril Catoul – interpretado de forma magnífica por Thomas Doret – expressa toda a fúria e frustração da forma mais intensa, violenta e descontrolada possível. As emoções mais agressivas e viscerais vêm à tona sem qualquer tipo de freio.

    Ele quer encontrar e ser aceito pelo pai. E nada, nem ninguém, pode ficar no seu caminho. Por isso, Cyril é grosseiro, indisciplinado, agressivo e incontrolável. Um desafio para os educadores que trabalham no internato onde está trancado há um mês. Um teste pesado no exercício de tolerância e amor posto em prática pela cabeleireira Samantha (Cécile de France).

    Logo no início, os dois se encontram de forma acidental, quando Cyril tenta entrar no apartamento do seu pai. Há uma identificação entre ambos quando Samantha devolve ao jovem a bicicleta que lhe havia sido roubada – único símbolo da união paterna que lhe restou. Os dois – o jovem e a mulher – passarão a se ver nos fins de semana.

    A história deslancha.

    Cyril é retratado quase que todo o tempo com uma camisa ou casaco vermelhos. Símbolo visual da raiva que há dentro dele. Há apenas dois ou três momentos ao longo da película nos quais ele está vestido de azul – quando está dormindo e durante uma cena num tribunal.

    Ou seja, quando não está ligado às suas emoções, uma vez que não se encontra desperto, ou já mais à frente, quando sua própria personalidade está em transformação. Logo, é possível entender que, durante todo o tempo no qual está consciente, Cyril é guiado pela raiva e frustração. E esse sentimento de fúria só piora quando finalmente encontra a figura paterna que, ao invés de aceitação e carinho, dá ao garoto apenas a certeza de que ele não o deseja. Que quer vê-lo o mais longe possível.

    O mal estar e o constrangimento da cena do encontro entre pai e filho são transmitidos de forma tão honesta, que fica difícil não sentir pelo menos um certo desconforto. O corte dado pelo pai levará o jovem à substituição dele por uma perigosa figura paterna e às consequências dessa aproximação.

    A raiva, por ser cega, sempre pode ser direcionada para o mal. Basta que alguém mais malicioso e observador perceba isso. E essas consequências também chegam à vida de Samantha, que ignora os problemas causados pelo jovem e insiste em acolhê-lo movida por um sentimento que talvez nem ela mesma consiga descrever. Amor materno? Talvez…

    Os irmãos Dardenne registram toda a trama de forma naturalista. Sua câmera é quase voyeurística – parece estar espiando secretamente a vida dos personagens. Preste atenção especial às cenas gravadas dentro do carro de Samantha. A maneira como a lente passeia da direita para a esquerda e vice-versa, extremamente próxima, contrapondo os rostos dela e do jovem.

    De um lado, amor. Do outro, cólera.

    Há um embate emocional. Atenção especial também à cena retratada no pôster do filme, quando ambos passeiam num dia ensolarado à beira de um lago. Pouco mais à frente do fotograma usado no cartaz, eles trocam de bicicletas. Essa troca, entretanto, guarda um significado bem maior que a cessão de um veículo.

    Ao pedalar a bicicleta de Samatha, Cyril mostra – de forma metafórica – que os sentimentos de amor oferecidos a ele pela cabelereira desde o início da trama finalmente estão fazendo efeito. Ele está se transformando. E essa transformação é testada na sequência final, quando o próprio garoto é vítima de um ato de violência.

    Ao fim, os dois cineastas deixam uma mensagem: a rejeição vai te fazer sofrer e sentir raiva. Mas o amor da pessoa certa pode te transformar. No fim das contas, a escolha é pessoal. E Cyril faz a dele.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras

    Crítica | Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras

    A temporada dos blockbusters deste ano começou, para nós brasileiros, com uma estréia atrasada de 2011, mas foi em grande estilo. Sherlock Holmes – O Jogo de Sombras, continuação do filme de 2009 (que por aqui saiu já em 2010), traz novamente Guy Ritchie na direção e Tony Stark no papel principal. O que? Tudo bem, vamos fingir que o nome “real” dele é Robert Downey Jr.

    Em 1891, grupos nacionalistas promovem atentados por toda a Europa, gerando um clima de desconfiança e medo, e uma guerra mundial parece iminente. Sherlock Holmes tem certeza de que por trás de tudo está o gênio conspirador James Moriarty, um respeitado acadêmico e colaborador do governo britânico. O problema é que, mesmo se dedicando febrilmente ao caso, o detetive não tem provas concretas, e pra piorar, seu fiel amigo John Watson está prestes a se casar e nem um pouco disposto a ajudá-lo em suas loucas aventuras.

    Tudo nesta seqüência evoluiu muito em relação ao primeiro filme, que se sustentava quase que unicamente no carisma do protagonista. As investigações de Holmes, sempre baseadas num dom de observação praticamente sobre-humano, ganharam muito mais espaço. Continuam as ótimas cenas de ação, com Ritchie mais Zack Snyder do que nunca, um tom humorístico muito forte, e a inevitável pegada steampunk, com tecnologia revolucionária explosões mil. Porém, isso não fica forçado, pois a trama enfoca justamente a indústria de armas e sua rápida evolução.

    Mas onde o filme realmente supera folgadamente seu antecessor, é no vilão. O clássico arquiinimigo de Holmes possibilitou uma história mais grandiosa e ousada, e um sensacional embate intelectual entre dois gênios. Tão empolgante que não incomodam nem por um segundo os clichês monstruosos de 1) vilão como uma cópia evil do herói, e 2) Associar uma partida de xadrez aos estrategistas e seus planos.

    Falando das atuações, Downey Jr. parece até mais a vontade no papel, somando ao sotaque inglês meio mequetrefe um ar perturbado totalmente dorgas, mano. Jared Harris está absurdo como Moriarty, chegando até a roubar a cena do herói em vários momentos. Jude Law, como deveria ser, faz um Watson discreto, o contraponto perfeito a Holmes. Já a cigana Simza vivida por Noomi Rapace não serve pra muita coisa fora movimentar a trama na direção necessária, a delícia Rachel McAdams reprisa o papel de Irene Adler numa (infelizmente) curta participação, e Stephen Fry faz uma divertida ponta como Mycroft Holmes, o irmão de Sherlock, mostrando uma afetação britânica nível máximo.

    Como ponto fraco, vale citar a fotografia muito escura em alguns momentos. Tudo bem que é um filme de época e a iluminação não era grande coisa, mas cinema é espetáculo, eu gostaria de VER tudo o que acontece! Além disso, alguns momentos mais dramáticos ficaram deslocados, mesmo sendo bem executados, devido ao clima comédia predominar durante a maior parte do filme. Nada que tire o brilho dessa aventura divertidíssima, que certamente vale o ingresso. E dando spoiler da última cena, tomara que a resposta seja “não”.

    Ps: Sei que já tem um filme brasileiro disso, mas… uma continuação adaptando O Xangô de Baker Street. Pensem o quão ÉPICO seria.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | As Aventuras de Tintim

    Crítica | As Aventuras de Tintim

    Ao chegar no fim de As Aventuras de Tintim fica difícil, mas muito difícil mesmo imaginar que qualquer outro diretor possa fazer uma adaptação do principal personagem do cartunista Hergé tão impressionante quanto a realizada por Steven Spielberg.

    A ideia de se levar Tintim às telas é antiga. Afinal, ele mesmo, o próprio personagem, também já passou dos 80 anos: sua primeira publicação data de 1929. Por todo esse tempo de existência, não é difícil imaginar quantas pessoas já imaginaram como seria ver as aventuras do jovem repórter na tela grande.

    Também é fato conhecido há bastante tempo na Europa que, tanto o artista belga quanto a crítica – sobretudo a francesa -, acreditavam que Spielberg era o homem certo para o trabalho. Diz a lenda que Hergé ficou encantado depois de ter assistido Caçadores da Arca Perdida e que viu no cineasta americano a pessoa ideal na transposição de sua criação mais conhecida para a sala escura.

    E agora que o filme chegou ao circuito, é possível afirmar: ele estava absolutamente certo. Spielberg acerta do início ao fim em “As Aventuras de Tintim”. E o primeiro acerto precede o filme em si.

    A opção por usar cenários virtuais e o recurso da captura de movimentos foi preciosa. Os principais detalhes encontrados nos personagens que formam a história de Tintim nos quadrinhos estão lá: o capitão Haddock, os inspetores Dupont e Dupond e o fox terrier Milu – que, aliás, em vários momentos se transforma no personagem principal do filme.

    Todos retratados com uma fidelidade que dificilmente vai decepcionar quem acompanha as viagens dos personagens nos álbuns originais. É a prova do respeito que o cineasta tem pelo material original. Ou seja, a caracterização está mantida.

    Imaginar uma versão com atores reais chega a dar calafrios. Isso porque determinados personagens têm características físicas tão cartunescas – traços exagerados ou minimalistas, retratação em cores berrantes – que torna praticamente impossível imaginá-los sendo vividos por seres humanos.

    São justamente os exageros visuais dessas criações que nos transportam para outros lugares e garantem a fantasia. E quando se fala em fantasia, de fato ninguém supera Spielberg. Um dos maiores clichês sobre o cineasta é dizer que, em boa parte de suas obras, ele ainda mantém um olhar de criança ao filmar. Tintim comprova a afirmação.

    “As Aventuras de Tintim” é um filme de ação desde o início. Sem o menor pudor de se assumir como tal. E esse talvez seja um de seus maiores méritos. O ritmo é acelerado, porém os cortes não são fragmentados – aqui não há o que se convencionou chamar de “estética MTV”. Trata-se de uma ação contínua: uma cena puxa a outra e a outra e a outra e assim por diante.

    Muitos poderão até achar engraçado, mas ver esse filme faz imaginar o quanto Spielberg deve ter assistido as obras de François Truffaut. A câmera é de uma leveza e fluência assustadoras, que lembram muitos momentos do autor francês. E o meio virtual no qual a produção foi registrada rompe qualquer amarra que a realidade física poderia impôr ao cineasta.

    A construção dos personagens fica em segundo plano, porém não é esquecida. E nesse ponto, nenhum chama mais a atenção que Haddock. Talvez para dar um pouco mais de drama e sofrimento, no filme o capitão é bem mais viciado em bebida que nos quadrinhos – o que, certamente, aprofunda sua fragilidade e, por consequência, sua dimensão humana.

    E aqui cabe sublinhar mais um trabalho primoroso do ator Andy Serkis. Que ele não fique estigmatizado, mas o homem se tornou um mestre na composição de personagens virtuais, vide o “Gollum” de O Senhor dos Anéis e o César de Planeta dos Macacos – A Origem.

    Em meio a tantas cenas de ação bem construídas, com muitos tiros e socos – quem leu os quadrinhos sabe que as histórias de Tintim não podem ser exatamente classificadas como “infantis”. Esse é um erro recorrente – , uma delas se destaca: preste muita atenção na sequência da fuga do castelo, no Marrocos. Se você não se movimentar na cadeira pelo menos um pouco com a agilidade das tomadas e a sucessão de cenas para se chegar à conclusão da sequência, acredite: há algo errado contigo.

    Outro excelente momento ocorre quando Haddock finalmente se lembra da história contada por seu avô – fundamental para a compreensão da trama. Repare na precisão da sequência de fusões e flashbacks que o diretor cria para que a história fique coerente aos olhos do espectador.

    É um filme para sair da sessão de cinema pensando seriamente em descer escorregando pelo corrimão da escada. Para voltar a se sentir um pouco como os garotos que já fomos numa época de nossas vidas. Sensação semelhante à que experimentamos quando assistimos Indiana Jones.

    Aliás, veja como Tintim, numa das cenas citadas acima, utiliza uma motocicleta com sidecar muito parecida como a usada por Harrison Ford e Sean Connery em Indiana Jones e a Última Cruzada.

    Há quem veja muitas semelhanças entre o repórter criado por Hergé e o arqueólogo concebido por Spielberg e George Lucas.

    Sinceramente: bendita semelhança.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | O Espião que Sabia Demais

    Crítica | O Espião que Sabia Demais

    Vamos deixar bem claro, logo no início do texto, a informação mais importante sobre O Espião que Sabia Demais: trata-se de um filme absolutamente dedicado à espionagem.

    Já sei o que você pode estar pensando.

    “É óbvio que ‘O Espião que Sabia Demais’ é sobre espionagem! Todo mundo sabe disso!”.

    Sim, meu amigo. Mas é justamente aí que você pode se enganar.

    Quando se fala em espionagem no cinema, a associação mais comum é com filmes da série 007 ou, na última década e meia, com os episódios das franquias Missão Impossível e Bourne. Ou seja, filmes com algum – pouco – conteúdo relacionado à espionagem e imensas doses de ação.

    “O Espião que Sabia Demais” não poderia ser mais diferente dos exemplos citados acima.

    Gosta de tiroteios? “O Espião que Sabia Demais” não tem nenhum.

    É fascinado por perseguições de carros em alta velocidade? Em “O Espião que Sabia Demais”, não há uma sequer.

    Aprecia muita pancadaria e explosões? “O Espião que Sabia Demais” passa longe disso tudo.

    Agora que as ressalvas foram feitas e você está advertido, vamos direto ao ponto: “O Espião que Sabia Demais” é uma das melhores películas lançadas nos últimos tempos.

    O filme, como se sabe, é a adaptação do romance homônimo, escrito por John le Carré – um dos mais populares autores de romances de espionagem, responsável por títulos como O Espião que Veio do Frio, o Alfaiate do Panamá e O Jardineiro Fiel. Ele mesmo, ex-espião inglês.

    Na trama, ambientada em 1973 – portanto, durante a Guerra Fria –, logo de cara somos informados que um dos integrantes do Circus, o alto escalão do serviço secreto da Inglaterra, é, na verdade, um agente duplo que vende informações para a KGB, a agência de inteligência da falecida União Soviética.

    O personagem George Smiley (Gary Oldman), que curiosamente havia acabado de ser demitido do Circus, é contatado diretamente pelo gabinete do primeiro ministro e recebe uma missão: investigar o caso para descobrir quem é o traidor.

    E é a partir daqui que o diretor sueco Tomas Alfredson – da excelente versão original de Deixe Ela Entrar – imprime seu ritmo: toda a trama é construída lentamente. Passo a passo. Não há cortes bruscos, nem tempo narrativo acelerado. Pelo contrário. A história flui num ritmo caudaloso que muitos, certamente, poderão considerar arrastado.

    Mas não caia nessa.

    Alfredson sabe exatamente o que está fazendo. Ele dita um ritmo cadenciado e contínuo – com algumas idas e voltas no tempo – para construir um mistério que é impenetrável para quem está assistindo. Acredite: a menos que tenha lido o livro, você dificilmente descobrirá quem é o traidor antes do filme chegar ao fim.

    Por ter esse andamento, as cenas de maior violência – sim, elas existem – são impactantes quando surgem na tela.

    E aqui há um ponto muito importante: este filme é exigente com quem o assiste. Se o espectador resolver deixar a sala por dois minutos para ir ao banheiro ou comprar pipoca, corre o imenso risco de perder o fio da meada e ficar confuso em relação à trama. Logo, faça tudo isso antes do filme começar. “O Espião que Sabia Demais” pede atenção absoluta.

    Os planos são longos e, em boa parte das vezes, estáticos. Os movimentos de câmera, quando acontecem, são incisivos, mas ao mesmo tempo discretos: aproximações , afastamentos e deslocamentos laterias.

    A composição é primorosa. Cada cena é construída com grande cuidado. A fotografia é do suíço Hoyte Van Hoytema, que já havia trabalhado com Alfredson em “Deixe Ela Entrar” e também cuidou da imagem de O Vencedor. Perceba como o trabalho dele, associado ao figurino e à cenografia, remetem imediatamente ao visual europeu da década de 1970.

    Em alguns momentos, a impressão que se tem é que estamos assistindo – pelo menos em termos estéticos – imagens de O Dia do Chacal, de Fred Zinnemann – não por acaso, adaptação de outro clássico da literatura de espionagem, este de Frederick Forsyth.

    Atenção especial à sede do então MI6 – atual SIS, sigla que designa a inteligência britânica. O marrom e seus matizes, além das prateleiras, mesas e arquivos de pastas dominam o ambiente, dando ao local uma inevitável cara de repartição pública. O estoicismo de alguns planos é reflexo da imensa burocracia que aquele local deixa transparecer.

    E no meio de um time espetacular de atores – John Hurt, Colin Firth, Mark Strong, entre outros – Gary Oldman rouba praticamente todas as cenas. É impressionante a postura de contenção que ele imprime ao espião George Smiley. O personagem, mesmo nos momentos de solidão em casa, parece viver num mundo de autocontrole e ordem. Em apenas um ou dois momentos do filme ele ameaça ceder para, logo em seguida, recuperar o controle absoluto que tem sobre si mesmo.

    E se você acha impossível associar Julio Iglesias – ele mesmo. Aquele cantor espanhol brega que sua avó provavelmente adorava – à espionagem, espere até o fim do filme. Você vai se surpreender.

    E aqui, ao fim do texto, vale relembrar a explicação do início: “O Espião que Sabia Demais” é um filme de espionagem.

    Não de ação.

    Acredite: neste caso, isso faz toda a diferença.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Tudo pelo Poder

    Crítica | Tudo pelo Poder

    Pouco depois do início de Tudo pelo Poder, o personagem Tom Duffy (Paul Giamatti) tenta convencer Stephen Meyers (Ryan Gosling) a mudar de lado na campanha das primárias para escolher o futuro candidato democrata às eleições presidenciais dos Estados Unidos.

    Ambos trabalham para concorrentes dentro do mesmo partido. Impressionado com o carisma do jovem e ambicioso assessor interpretado por Gosling, Giamatti quer contratá-lo a todo custo e, para isso, argumenta que o candidato de quem o jovem é empregado dificilmente vai vencer a disputa.

    “Não posso aceitar a oferta”, recusa o assessor. “Trabalho para Mike Morris (George Clooney). Acredito nas propostas dele. Acredito que ele realmente pode fazer diferença na vida das pessoas. E, além do mais, ele é meu amigo”.

    A resposta do personagem de Giamatti – na forma de uma pergunta – não poderia ser mais direta: “Você quer trabalhar para o seu amigo ou para o futuro presidente?”. A fagulha que incendeia a ambição e a vaidade de Stephen Meyers é lançada aí. As chamas desses sentimentos vão se espalhar e virar sua vida do avesso.

    Na verdade, esse exercício de retórica apenas abre espaço para o assunto sobre o qual George Clooney – que dirige o filme e também interpreta o candidato Mike Morris – quer colocar sua lente de aumento: a perda definitiva da inocência. O personagem de Gosling não é bobo. Sabe que está num jogo. Que todas as palavras de cada discurso, entrevista ou debate são fundamentais para que seu candidato chegue à vitória. No entanto, percebemos que ele possui uma visão limitada da máquina monstruosa da qual faz parte. A realidade é percebida por um filtro de credulidade devotada a seu chefe. Um grande erro, sem dúvida.

    Em pouco tempo, entretanto, ele vai aprender da pior maneira que, dentro do jogo político, não há espaço para sentimentos. Não há espaço para falhas. E também não há espaço para deslealdades, como o chefe da campanha de Clooney, interpretado por Philip Seymour Hoffman, o lembra num momento crucial do filme.

    As campanhas estão acima de tudo. E mesmo supostos inquebráveis laços de amizade podem ser partidos sem maiores preocupações em favor da vitória do candidato defendido. Isso fará toda a diferença ao longo da trama. A inocência do personagem principal será arrancada pedaço por pedaço de forma impiedosa.

    No começo da história, os dois candidatos democratas disputam as primárias no estado de Ohio. A conquista do apoio de um senador de posições radicais é fundamental para saber quem será o vencedor. Clooney, apesar dos esforços de seus dois assessores principais para convencê-lo, não está disposto a aceitar.

    Gosling o olha com respeito e admiração.

    No entanto, o envolvimento romântico que ele terá com a estagiária interpretada por Evan Rachel Wood vai lhe colocar em contato com o choque de realidade que despedaçará sua visão idílica dos fatos. Seus olhos serão abertos à força. Mesmo ídolos aparentemente perfeitos possuem máculas. Algumas delas, bem graves.

    Não há heróis em “Tudo pelo Poder”. Mesmo o protagonista é capaz de mudar radicalmente de posicionamento quando está de posse do principal segredo do enredo. Tudo para obter uma vantagem. Suas convicções iniciais, outrora defendidas com tanta veemência, são descartadas por ele mesmo sem maiores traumas. A mudança de posicionamento é valorizada pela interpretação de Ryan Gosling – a partir desse ponto, sua postura física e olhar mudam visivelmente.

    O diretor faz uma apropriação de termos usados durante a disputa da última eleição para a Casa Branca. O termo “socialistas” usado pelos Republicanos – principalmente pela então candidata à vice-presidência Sarah Palin – para se referirem aos democratas está lá. Até mesmo o “We are ready to lead” proferido por Obama encontrou eco no personagem no representado por Clooney. A incorporação de um dos fatos mais marcantes da gestão Bill Clinton também é visível no roteiro. É impossível não notar a influência de cineastas proeminentes no cinema norte-americano nos anos de 1970, como Norman Jewison e Alan J. Pakula, na estética adotada por Clooney.

    A composição é limpa. Seus planos, na maioria das vezes, são estáticos. A ênfase não é no trabalho de movimentação de câmera, mas na interpretação dos atores. Coerente, uma vez que o próprio Clooney é um ator. Preferências estéticas que já haviam sido evidenciadas em seus trabalhos anteriores: “Confissões de Uma Mente Perigosa” e “Boa Noite e Boa Sorte”.

    Ainda sobre a composição de “Tudo pelo Poder”, os personagens são reduzidos quando comparados ao ambiente que os cerca. O homem aparece sempre pequeno diante de grandes prédios, palcos e salões. A metáfora é clara: dentro da política, o indivíduo é minúsculo. Apenas uma peça frente aos interesses e poderes que o sobrepõem largamente.

    Além disso – e mais uma vez volto a Pakula – luz e sombra são definidos claramente. Em boa parte das cenas, dentro do mesmo quadro, há espaços iluminados e outros sombrios. É o simbolismo do homem dividido entre a luz e a sombra. E que, no final, descobre de forma dolorosa que ter uma visão dualista da vida – e mais especificamente dos bastidos res da política – pode ser limitante e perigoso.

    Vivemos num grande cinza. E na luta pelo poder político, esse cinza é ainda mais intenso. George Clooney sabe disso. Nós deveríamos, também.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Resenha | Solaris – Stanislaw Lem

    Resenha | Solaris – Stanislaw Lem

    Já disse aqui algumas vezes que as descrições, por mais enfadonhas ou verborrágicas que possam ser hora ou outra, são partes essenciais da espinha dorsal de uma boa história. São elas que conseguem, tanto quanto plot twists, conflitos e situações-limite, transportar o leitor para dentro da história, fazendo-o enxergar com precisão e vivacidade personagens, atitudes, locais, cenários, batalhas etc.

    Pelo caráter exploratório, especulativo e libertário que possui a Ficção Científica, a descrição muitas vezes tem seu potencial aumentado, representando talvez mais do que em qualquer outro “gênero” um papel primordial na constituição de universos, processos, criaturas e tudo o mais. O planeta Solaris, descrito exaustivamente por Stanislaw Lem no livro homônimo, pode dar uma boa ideia a respeito disso.

    Antes, porém, aos fatos: desde que o planeta Solaris foi descoberto, ele tem sido objeto de muitos estudos, especulações e discussões na Terra. A fortuna crítica que o planeta gerou tem colocado em pauta questões tanto sobre Solaris quanto sobre a própria Terra: especula-se sobre a natureza da descoberta tanto quanto sobre as implicações dela para os descobridores.

    Devido a tudo isso é que uma estação de pesquisa foi construída sobre o planeta, e três pesquisadores foram para lá mandados. Após algum tempo, um quarto pesquisador, Kelvin, o protagonista e narrador da história, é enviado para lá, e acaba descobrindo um cenário desolador: a estação encontra-se revirada, um dos pesquisadores morto, e os outros dois cultivando hábitos muito estranhos. Tão logo chega, Kelvin já é alertado quanto a possível presença de um tripulante a mais, mas não é dito quem ou o que é essa outra presença.

    Assim o autor nos mantém no suspense, esperando encontrar essa outra presença a cada página. Kelvin, que atua como nossos olhos naquele cenário novo, perambula pelos corredores tentando entender a situação encontrada, e depara-se com os mais estranhos indícios de que há algo maior e oculto por trás desse cenário.

    Para surpresa do protagonista (e do leitor) a outra presença se manifesta, e revela-se que se trata da mulher, já falecida, de Kelvin. O susto inicial dá lugar a um sentimento de incompreensão avassalador, já que a presença viva dela contraria boa parte dos princípios e leis nas quais o universo e sua compreensão estão baseados. É dessa intrigante situação que Stanislaw Lem vai mesclando capítulos de trama com capítulos de descrição do planeta de acordo com os “estudos solaristas”.

    Descrevendo com extensivas minúcias toda a constituição do planeta e o que seria a bibliografia a respeito da natureza dele, o autor nos coloca em contato com o imenso ponto de interrogação que representou a descoberta de Solaris, acompanhados das mais diversas especulações da humanidade a esse respeito.

    Solaris é um planeta iluminado por dois sóis. A princípio pensava-se que seria impossível explorá-lo, pois as órbitas eram irregulares, de modo que um erro mínimo de cálculo (ou qualquer contratempo) poderiam representar a morte da tripulação ou destruição das máquinas, seja pela aceleração gravitacional, seja pelo calor gerado por algum dos sóis cuja órbita oscilava. Mais estudos revelaram, entretanto, que o coloide que recobre praticamente toda a superfície do planeta, possuía a peculiaridade de “agir racionalmente”, alterando a gravidade e a órbita do planeta de modo a preservar-se e a seu habitat.

    A estranha condição, de tamanha extensão e potencial, intrigou profundamente os seres humanos, que poderiam estar diante de uma forma de vida inteligente no universo, o que alteraria boa parte das crenças e postulados nos quais se baseiam as próprias existências das pessoas. A distinção do oceano solarista em relação a tudo o que se conhecia somente abriu mais espaço para especulações, que variavam da ciência para a astrologia, da cosmogonia para a religião, espraiando inclusive na filosofia e na metafísica. O ser humano estava diante de uma forma totalmente diferente de vida e, quiçá, de consciência e racionalidade; mas também estava colocando-se diante de si próprio por meio da alteridade proporcionada pela descoberta.

    Voltando agora ao tópico inicial, as descrições: Stanislaw Lem ocupa páginas e páginas descrevendo detalhes ínfimos e curiosos do planeta, tais como os mimóides, os longus, as simetríades, as assimetríadas, a constituição química do oceano colóide, as estruturas “biológicas” que ele possui e os mecanismos de sua existência. O enigma que intriga Kelvin é o mesmo posto a nós em face do outro: constituímo-nos a partir do outro, na alteridade. Postos diante de Solaris, a Terra nunca mais foi a mesma. Apesar de usar as palavras de criação humana “colóide”, “oceano”, “montanhas” ou “ilhas”, o autor faz questão de frisar que são meros comparativos, pois a singularidade do que se vê e experimenta em Solaris é impossível de ser descrita com exatidão pelos termos com os quais estamos familiarizados.

    Stanislaw Lem nos transporta para Solaris, faz-nos tremer e assombrar-nos perante a imensidão dúbia que é o planeta. As hipótese jazem permanentemente abertas na cabeça dos personagens e na do leitor: será que estamos diante de uma criatura? Como essa criatura consegue conhecer nossos segredos mais profundos? E como os reproduz a seu bel prazer? Quer dizer que não estamos, afinal, sozinhos no universo?

    A chave dessas dúvidas nos é desconhecida, mas nos coloca diante de nossa própria existência e subjetividade, afinal, só porque possuímos uma concepção de “vida”, “racionalidade” ou “inteligência”, isso não significa que ela é a única e que deve ser aplicada a tudo e a todos. Ao descrever com tamanha eloqüência e vastidão Solaris, o autor faz-nos questionar a respeito de nossas próprias concepções.

    E ainda tem gente que vê a Ficção Científica como um “gênero” menor…

    Texto de autoria de Lucas Deschain.

  • Top 10 – Melhores Blockbusters de 2011

    Bebida, comilança, promessas, parentes irrelevantes palpitando na sua vida… final de ano é tempo de clichês. Dentre eles, as inúmeras retrospectivas. Como no Vortex não é diferente, eu, o cara do blockbuster, trago os destaques do cinema massa véio em 2011. Foi um ano de muitas decepções, grandes(Lanterna Verde, Conan) ou medianas (Sucker Punch, Piratas do Caribe), e poucas produções se salvaram por uma razão ou outra. Antes de tudo, é bom deixar bem claro: esta NÃO pretende ser uma lista de MELHORES FILMES DO ANO, e sim dos melhores pipocões. Então, galera do tênis verde, vocês não verão Árvore da Vida, Melancolia e similares nesta lista. Vamos a ela, de baixo pra cima porque assim é mais estiloso:

    10. Transformers – O Lado Oculto da LuaOuça nosso podcast sobre o filme
    Franquia com muitos haters, que esquecem que o primeiro filme foi realmente legal. Compreensível, diante da ruindade do segundo. Esse terceiro fica num meio termo, ainda com problemas sérios no roteiro, duração muito além do necessário, mas garante seu lugar no Top 10 pelas ótimas cenas de ação e efeitos visuais, em particular a seqüência do prédio desabando.

    9. O Preço do Amanhã – Ouça nosso podcast sobre o filme
    Comentado no Agenda Cultural 33, o filme estrelado por Justin Timberlake surpreende com conceitos sci fi muito interessantes. Um mundo onde tempo é dinheiro, literalmente: os ricos são eternamente jovens e os pobres correm por suas vidas. O roteiro desanda quando a história se volta pra ação, o que depõe contra a condição de blockbuster do filme, mas não deixa de ser uma boa recomendação.

    8. Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles – Ouça nosso podcast sobre o filme
    Injustamente esquecido lá no início do ano, o longa estrelado por Aaron Eckhart e Michelle Rodriguez é estruturalmente um filme de guerra típico. Ação tensa e constante, patriotismo e exaltação da figura heróica do soldado… com uma invasão alienígena como pano de fundo pra deixar mais massa véio! Pra quem não se incomoda com clichês, diversão garantida.

    7. Missão Impossível: Protocolo Fantasma
    Estréia recente, a quarta aventura do agente Ethan Hunt é bem competente ao entregar cenas de ação divertidamente exageradas (Tom Cruise tem ossos de adamantium, só pode). Porém, perde um pouco do brilho com a história muito genérica, com cara de 007 da era Pierce Brosnan. O terceiro filme continua sendo o melhor da franquia. Deste, vale destacar Paula Patton, lindíssima e chutando bundas.

    6. Os Especialistas
    Jason Statham contra Clive Owen. Precisa dizer mais? Que tal as presenças de Robert De Niro e daquela linda chamada Yvonne Strahovski? Baseada em fatos reais, a trama de espionagem envolve conspirações da Inteligência Britânica durante a Guerra Fria, lembrando muito os romances de Frederick Forsyth (autor de O Dia do Chacal). Indicação merecida.

    5. Planeta dos Macacos – A Origem – Ouça nosso podcast sobre o filme
    A reinvenção deste cult (e não clássico) foi uma das boas surpresas do ano. Mesmo desagradando alguns fãs ao mudar elementos importantes do original, a abordagem mais cientificamente realista rendeu uma ótima história. Destaque óbvio pra atuação por captura de movimentos de Andy Serkis, que vive o protagonista Caesar, levando o estúdio a fazer lobby por sua indicação ao Oscar de melhor ator.

    4. Capitão América – O Primeiro Vingador – Ouça nosso podcast sobre o filme
    Desacreditada por muitos, a última produção da Marvel Studios antes de Os Vingadores tinha a difícil tarefa de apresentar o herói símbolo dos EUA. Apostando no clássico formato “história de origem”, o filme consegue evitar o patriotismo exagerado e estabelece muito bem o personagem Steve Rogers – e o ator Chris Evans se supera. A covardia em não fazer um filme realmente de guerra compromete um pouco, mas eu sou fanboy e tá tudo certo.

    3. Thor – Ouça nosso podcast sobre o filme
    Outro desafio da Marvel Studios, introduzir um personagem (e seu mundo) mágico em seu universo de heróis científicos. Sucesso inegável, mesmo com o roteiro apressando a “jornada do herói”. Cenas de ação e efeitos visuais muito bem feitos, direção competente de Kenneth Branagh e um elenco particularmente inspirado, com Natalie Portman, Anthony Hopkins e os desconhecidos Tom Hidleston e Chris Hemsworth.

    2. X-Men – Primeira Classe – Ouça nosso podcast sobre o filme
    A mãe de todas as surpresas. Ninguém achava que a Fox seria capaz de fazer uma boa adaptação de hqs, ainda mais dos X-Men. Mas este reboot não assumido (tamanhas as contradições em relação à trilogia original) acerta em cheio ao situar a trama nos anos 60, com Guerra Fria, espionagem e movimentos sociais. Cenário perfeito para apresentar o surgimento dos mutantes e a juventude de Xavier e Magneto, com ótimas atuações de James McAvoy e Michael Fassbender. O único ponto fraco são os efeitos visuais levemente toscos.

    1. Gigantes de Aço – Ouça nosso podcast sobre o filme
    A coisa mais importante de todas em um blockbuster é a empolgação provocada por ele. Nesse sentido, nada em 2011 chegou aos pés de jornada de pai filho que caem na estrada e se conhecem enquanto competem em lutas de boxe robótico, com um modelo ultrapassado que vai do ferro velho ao estrelato do esporte. Falcão, o Campeão dos Campeões encontra Rocky Balboa com uma pitada de Transformers. Indicado a todos que têm coração e alma.

    E aí? Concorda? Discorda? Mimimi faltou Super 8? Comentem/ofendam a vontade.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Melhores Animes de 2011

    Melhores Animes de 2011

    Uma vez que o fatídico 2012 em breve estampará os calendários, é chegada a hora de olhar para trás e ponderar sobre o que se sucedeu neste ano que se encerra.  Vendo que uma introdução longa não se mostra necessária, devido talvez ao título do post, segue uma lista daqueles que, em minha simplória opinião, foram os 10 (no caso 11) melhores lançamentos do ano no que diz respeito à animação nipônica.

    10. SKET Dance

    Em um colégio qualquer, palco usual para uma série proveniente da Weekly Shonen Jump, atua um pequeno clube cujo propósito é auxiliar o corpo discente em qualquer empreitada. Em suma, um clube criado para ajudar os alunos. Eis o SKET Dan, entidade composta por três indivíduos que protagoniza esta competente série de humor do Tatsunoko Productions.

    Ponderando situações cómicas, focadas em ocorridos absurdos e personagens caricatos, e doses pontuais de drama, trazendo de forma conveniente e sincera os problemas colegiais à trama, o anime é feliz em conquistar publico com seu formato episódio e descontraído. Muito embora haja um preocupante numero de episódios que não são bem sucedidos em entreter ou cativar o espectador, aqueles que fazem, seja pelo manzai ou pelas lagrimas, tornam-se decididamente memoráveis.

    9. Ano Hi Mita Hana no Namae wo Bokutachi wa Mada Shiranai

    Um grupo de amigos que se distanciou devido um evento traumático; após anos, uma tortuosa reaproximação; o estudo dos desejos e falhas de cada um deles; e, por fim, a redenção. Essa formula resume uma história que há muito vem sendo contada em diversas mídias, e que foi novamente revisitada pela A-1 Pictures no melodramático AnoHana.

    Contando com um roteiro bastante raso que apenas serve como tripé para que sejam expostas as idealizações do público otaku, ao qual o anime  se dirige, AnoHana tem como seu maior mérito, afora os belíssimos cenários e animação, criar situações que, embora previsíveis, capturam a atenção e criam expectativa moderada. Mesmo podendo adivinhar o que está por vir, o espectador é seduzido a continuar assistindo; mesmo que as questões se resolvam de forma abrupta, decepção raramente será uma das emoções provocadas pela série. Contudo, todas as honras devem ser atribuídas ao diretor Tatsuyuki Nagai, também responsável pelo divertido Toaru Kagaku no Railgun e pelo excelente Toradora, cujo toque transformou essa trama sem grandes atrativos em um dos destaques do ano.

    8. Empate:

    Steins;Gate

    Titulo que provém de uma visual novel de grande sucesso, passada num universo que já conta com uma fanbase leal, sendo, portanto, uma animação voltado a um publico especifico e já cativado, mas que conseguiu novos fãs nesta boa adaptação do promissor estúdio White Fox. É uma ficção cientifica passada na atualidade, abordando viagem no tempo para camuflar, de forma realmente convincente, sua natureza de dramédia romântica harém, na qual um cerco de garotas se fecha em torno do carismático protagonista Hououin Kyo… digo, Okabe Rintarou, que se vê tragado para uma envolvente e desesperadora jornada. Steins;Gate é um thriller envolvente, driblando as inconsistências do roteiro e o ritmo lento para entregar um anime que, tal como comprovado pelo anuncio de um filme horas após o termino da série, ainda dará muito o que falar.

    Dantalian no Shoka

    Produzido pelo já lendário estúdio GAINAX, porém sem nem sombra do brilho de suas maiores obras, Dantalian no Shoka foi praticamente ignorado pelo publico; desinteresse que se refletiu nas vendas baixíssimas e poucos comentários acerca da animação, ainda que a light novel original seja bastante popular. Entretanto, tal título renegado revelou-se como uma das mais bem trabalhadas sagas do ano, e uma das poucas a apresentar evolução constante.

    Assim sendo, esta fantasia gótica inicialmente morna progride de forma belíssima, fazendo uso de seu formato episódico mas correlacionado para culminar em uma experiência estranhamente proveitosa, que patina entre o casual e o intimista. Magistralmente ambientado por uma equipe mais do que competente e dignamente conduzido por um diretor estreante, Dantalian no Shoka é certamente o mais injustiçado dos nomes desta lista.

    7. Fate/Zero (season 1)

    Originário dos textos do respeitável idealizador Gen Urobuchi – também roteirista do top 2 da lista –, o prequel de Fate/Stay Night, uma das Visual Novels com maior repercussão global em toda a história e que foi terrivelmente adaptada para televisão anos atrás pelo estúdio DEEN, veio ao ar nos últimos meses do ano e rapidamente se consolidou como um arrasa quarteirão, desta vez tendo o confiável Ufotable em sua produção.

    Abordando com uma ótica mais nebulosa a Guerra do Santo Graal, na qual sete magos e seus respectivos servos devem batalhar pela posse do objeto sagrado, esse “prelúdio” é mais centrado e, ouso dizer, maduro que o “evento principal”  –  o que pode ser facilmente constatado após notarmos que a maioria dos personagens são adultos, ao contrário do que vemos no pilar da franquia. Como anime de ação e fantasia, Fate/Zero impressiona não só em cada uma de suas frenéticas batalhas, espantosamente bem animadas, mas também em seus diálogos bem encaixados, apesar de não gozarem do mesmo primor técnico reservado às cenas de combate. Impressionante talvez seja a palavra que melhor define a primeira metade de Fate/Zero, junção de episódios que, como esperado, deixou no ar a apreensão necessária para que a metade final, que será exibida a partir de Abril de 2012, seja ainda mais visada.

    6. Chihayafuru

    A maioria das pessoas tem objetivos de vida, e boa parte dessas metas está relacionada à grandeza.  Mesmo que esses anseios nunca venham a se realizar ou que os abandonemos no meio do caminho, algumas vezes por pouca perseverança, outras por falta de aptidão, é natural para o ser humano almejar o topo no que quer que faça. A caminhada rumo à glória, apontada por muitos como tema saturado, é focada também em Chihayafuru, um suave e peculiar drama esportivo.

    Abordando o pouco conhecido karuta, jogo japonês – mas de origem portuguesa – que requer uma exaustiva atividade física, um gritante esforço mental e conhecimento prévio da poesia clássica daquelas terras, essa agradável série narra os esforços cotidianos dos praticantes do esporte, tendo como epicentro Ayase Chihaya, uma garota que encontra nesse universo sua razão de ser. Fazendo do roteiro um suporte para as personalidades que o protagonizam, o anime acompanha os personagens desde sua infância, enveredando-se por suas nuances e processo de autoconhecimento. Baseado no ovacionado mangá homônimo de Yuki Suetsugu, Chihayafuru é o gol de honra do estúdio Madhouse em um ano permeado pelo fracasso decorrente de suas infelizes adaptações de obras americanas, como títulos da Marvel e a série Supernatural.

    5. Nichijou

    O termo “Nichijou” pode ser literalmente traduzido como “Cotidiano” e, como impresso no título, retrata a passagem de um grupo de indivíduos pele conjunto de banalidades que é a vida. Esta introdução resumiria a ultima série do Kyoto Animation, estúdio responsável pelos maiores hits otakus do século (Suzumiya Haruhi, Lucky Star, Clannad, K-On), não fosse pelo fato de que os indivíduos apresentado neste pretenso slice of life são absolutamente anormais, resultando nas situações surreais de uma comédia sem par.

    Os episódios, divididos em sketches numeradas e nomeadas, são de um humor ágil e bastante visual, características amplamente trabalhadas pela direção, que não falhou em pontuar as piadas com expressões faciais, ângulos elaborados e jogadas de cena, a fim de gerar o mais marcantes e engraçado dos resultados. Em suma, o humor visto em Nichijou não vem de hoje, mas este jamais foi exibido com tamanho cuidado e detalhismo, destacando-o como uma das melhores comédias da década; de certo a melhor de 2011.

    4. Usagi Drop

    Responsabilidade é de fato algo capaz de transformar as pessoas. Tendo tal ideia como sua pedra fundamental, Usagi Drop faz um estudo acerca das transformações infligidas ao cotidiano, hábitos e personalidade de alguém praticamente desprovido de responsabilidades uma vez que, de repente, ele toma para si um dos maiores fardos que o ser humano pode carregar: criar uma criança. O anime se empenha em contar uma história realística; um drama suave, de fácil assimilação, levantando, por meio de personagens gostáveis e críveis, diversas questões que envolvem não só a educação de uma criança, mas também a arbitrariedade dos relacionais filiais, conjugais e da sociedade como um todo.

    Apontamentos pertinentes, afiados, são aqui passados por uma trama que oferece muito além de diversão, mas que não a deixa de lado por nenhum instante. Como o publico ocidental pôde constatar na maravilhosa sequência animada de Kill Bill Volume 1, o Production I.G, responsável pela produção, ostenta qualidade acima da média.

    3. Natsume Yuujinchou San

    Após dois anos na geladeira, a ótima série Natsume Yuujinchou, que amalgama drama, comédia e aventura no bem executado formado de caso da semana, volta ao ar em sua terceira temporada. Seguindo o solitário Natsume Takashi e suas desventuras com youkais – criaturas místicas do folclore japonês–, o talentosíssimo diretor Takahiro Omori, que também assina títulos de destaque como Baccano!, Durarara!!, e Kuragehime, trás de volta exatamente o mesmo clima das temporadas anteriores, mergulhando o espectador no reflexivo e relaxante contexto que poderia ser embalado apenas pelas maravilhosas composições de Makoto Yoshimori, proporcionando a doce melancolia que a obra exige.

    Aos cuidados do Brain’s Base, um dos mais distintos e interessantes estúdios da atualidade, Natsume Yuujinchou parece ter voltado de forma triunfal, e, conquistando crítica e despontando nas vendagens, já garantiu nova temporada para o primeiro mês de 2012. Trazendo episódios sempre agradáveis, e alguns de fato extraordinários, Natsume Yuujinchou San é um retorno digno do nome que carrega.

    2. Puella Magi Madoka Magica

    Com nomes de peso a frente da direção, roteiro, character design e trilha sonora, Madoka Magica é sensivelmente o mais visado e comentado anime do ano, adornado por todos os lados, com os devidos méritos, como divisor de águas por descontruir e reinventar o gênero mahou shoujo. Logo a principio, vale ressaltar que tal gênero jamais fora tão infantil e estagnado como se tem pintado desde a exibição de Madoka, ainda que, inegavelmente, os títulos mais conhecidos deem base a tal afirmação.

    Todavia, a série pode ser dividia em três pontos: o principio ilusório, no qual são apresentados os moldes usuais de um anime do gênero; a espiral de desespero firmada pelo meio da série, na qual todos os clichês mostrados nos episódios iniciais são mutilados; e a conclusão impactante, dúbia, ainda que otimista. Principio, meio e fim; simples, atrativo e convincente. Abusando de um jogo de cores invejável, alguns bons personagens, diálogos bem escritos e cenas de ação deslumbrantes, Puella Magi Madoka Magica é um dos maiores nomes da longa lista de destaques do estúdio Shaft, quiçá o maior.

    1. Mawaru Penguindrum

    O retorno de Kunihiko Ikuhara como diretor de uma obra original, passados 15 anos desde Utena, um dos mais saudosos títulos da década de 1990, gerou resultados além do que o mais otimista dos fãs poderia prever qualitativamente falando, é claro. Mawaru Penguindrum, embora não tenha causado nenhum frisson, também não passou batido pelo publico, enquanto a crítica, em sua maioria, só tem elogios a tecer àquele que é apontado por muitos, parcela na qual me incluo, como mais bem estruturado, crítico e relevante anime do ano de 2011.

    Em um misto de gêneros e situações, a série explana sobre a construção e manutenção de uma família, utilizando de um tema tão abrangente para abordar a sociedade e seus julgamentos, o embate entre fanatismo e ceticismo, e mesmo a criminalidade, mais especificamente o terrorismo, e suas implicações o que se torna bastante evidente aos olhos mais atentos nas diversas citações e paralelos respeitosos traçados entre o ataque com gás sarin ao Metrô de Tóquio, ocorrido em 1995, e um certo evento ao qual todos os personagens estão intimamente ligados.

    Embora o paragrafo acima tente sobrevoar todos os pontos abordados na trama, isto se mostra impossível não só pela vastidão de interpretações possíveis para cada pequeno gesto realizado, como também e principalmente pela forma intercortada como a história é contada e pelas muitas mudanças de espirito que assolam o roteiro. Por vezes voltando-se para a comédia sem deixar de passar informações vitais para a compreensão, os realizadores arriscaram-se ao extremo e certamente conseguiram que um numero considerável de pessoas abandonasse essa jornada “sem nexo” prematuramente.

    Seja qual for o intuito da citação, é necessário sempre fazer ressalvas ao se falar de  Mawaru Penguindrum. É um anime difícil. É cult. É complexo. E é, acima de tudo, genial.

    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Crítica | Os Infiltrados

    Crítica | Os Infiltrados

    Infiltrados 1

    Martin Scorsese é um dos maiores cineastas da história e Os Infiltrados (The Departed, 2006) já reservou seu espaço entre as obras-primas da sétima arte. São 152 minutos de pura técnica e beleza. A história é baseada no eletrizante Conflitos Internos (2002), sucesso de Hong Kong. Mesmo não sendo material original dele, o diretor extrai originalidade, na maneira sempre cheia de frescor com que trabalha seus temas preferidos, como os conceitos de culpa, redenção e violência na sociedade norte-americana.

    Personagens solitários procurando uma saída em um mundo corrompido, muitas vezes encarando seus pecados através de uma “crucificação” sanguinária, no plano metafórico. Tudo isso tangenciado com uma forte presença da religião católica, em termos de Scorsese sempre de forma conturbada, e a sombra discreta em citações de Joyce, Freud, Shakespeare e John Ford (cenas de O Delator em uma TV).

    O elenco traz interpretações impecáveis, liderado por Jack Nicholson em uma atuação anti-realista, quase demoníaca, própria para emoldurar o dualismo espiritual e físico por parte da polícia e gangsteres protagonizadas, respectivamente, por Leonardo DiCaprio e Matt Damon. Isso é exemplificado na cena em que os dois são refletidos de forma fragmentada. Um espelho nefasto emprestado do universo de Hamlet.

    Tecnicamente a produção reafirma, com primor, todas as idéias sugeridas pela orientação de Scorsese. Cada cena tem uma função na narrativa, sedimentando as nuances da trama. A fotografia de Michael Ballhaus enriquece cada plano com uma cor sombreada sugerindo ambigüidade em diversos personagens. A edição de Thelma Schoonmaker corrobora essa premissa com uma série de eventos que por nenhum instante deixa o espectador confuso. Os cenários de Kristi Zea nos levam para uma selva urbana e atmosférica pela dualidade de comportamento dos personagens.

    Modernidade e retro se completam. Mesmo sendo encenado nos dias de hoje, sentimos um certo clima de produção ambientada nos anos 70. Época em que os filmes retratavam pessoas amorais e ambíguas sem muita preocupação com o politicamente correto. Tudo isso embalado por uma mistura de rock e ópera na trilha sonora. Os Infiltrados também marca a volta de Scorsese ao caos urbano, gênero em que ele é um mestre. Depois de realizar filmes grandiosos e de época, ele volta suas lentes para o mundo do crime repleto de gangsteres trágicos. Mas dessa vez a ação também é concentrada no dia-a-dia dos policiais. Pois “ratos” não são um privilégio exclusivo dos bandidos.

    Texto de autoria de Mario Abbade.

  • Review | Steins;Gate

    Review | Steins;Gate

    Steins;Gate

    Alô? Sou eu. Mudança de planos a Organização descobriu tudo. Temos que começar a operação Yggdrasil.

    É mais ou menos alguma coisa assim que Okabe Rintaro fala ao seu celular quando é pego de surpresa por algo, ou em momentos aleatórios. Okabe é um estudante universitário e se auto-proclama um cientista louco que combate uma organização que pretende dominar o mundo. E esse é o personagem principal de Steins;Gate, um anime com o diferencial de ter sido produzido por dois estúdios, um de games e outro de desenhos.

    Steins;Gate acompanha Okabe em seu “laboratório” criando invenções sem sentido de uso, até que uma dessas se mostra um protótipo de máquina do tempo que pode mandar SMS’s pro passado e junto disso você vê tudo acontecendo segundo a perspectiva de Okabe, já que ele é o unico que consegue manter as memórias do passado alterado, isto é, se ele altera o passado pra conseguir algo, todos esquecem que ele não tinha aquilo, exceto ele. Com esse plot, a história se desenvolve repleto de conspirações, paradoxos e muitas outras coisas ligadas a viagens no tempo.

    Com uma narrativa um pouco mais lenta que de costume, a história vai passando e jogando informações vitais pouco a pouco na sua mente. O fato é tal que o primeiro episódio é cheio de informações que serão uteis para o fechamento da série. A história em si é fantástica, caindo poucas vezes em clichês mal utilizados e com isso o ritmo da narrativa aumenta pouco-a-pouco, tornando quase imperceptível o tempo gasto assistindo os episódios, já que a maneira angustiante como ele dita a narrativa, você acaba sempre querendo mais. O grande problema é que o anime só começa a pegar ritmo depois de 3 ou 4 episódios.

    Em termos de personagens, infelizmente o anime peca, as personagens são muito caricatas e pouco críveis, salvo exceções, você não sente aquele carisma emanando deles, eu acabei me amarrando no Okabe pelo seu jeitão e na Makise Kurisu também pelas situações que ela passa, mas de resto você não consegue ver motivação ou desenvolvimento de algumas personagens dentro da história. Porém a narrativa acaba fazendo você não sentir falta disso enquanto assiste, só comecei a perceber esses detalhes quando a série e passei a refletir sobre ela.

    A animação é muito competente e condizente com a história. Não há cenas de ação e quando elas acontecem são “paradas”, pois esse não é o foco do anime, ali o foco é a história do efeito que o “Telefone-Microondas (com nome sujeito a mudança)” altera a vida de todos ali e como isso reflete no mundo. Assim como em Death Note, em que o embate era mental, aqui o que importa é o desenrolar e a compreensão dos mistérios. E a animação cumpre isso muito bem.

    O final, embora não fuja de alguns clichês, é um tanto quanto inesperado. Embora muita coisa você consiga deduzir, o fechamento não te decepciona, na verdade você fica bastante contente com o final digno que teve. Eu tenho um pequeno trauma com finais de séries e desenhos, nunca acho que aquele final é compatível com a experiência que tive inicialmente com a série, mas Steins;Gate consegue fechar com chave de ouro.

    Com tudo isso, aqui fica a recomendação de um anime. Vejam Steins;Gate com uma história sensacional que faz você pirar.

    Texto de autoria de André Kirano.

  • O Fim do Metal Nacional?

    O Fim do Metal Nacional?

    Gostaria de sugerir um exercício de criatividade aos leitores deste blog, imaginem aquela cena enfadonha de terapia de grupo do tipo Alcoólicos Anônimos, onde um sujeito se levanta e diz:

    – Oi, meu nome é Fulano, e eu sou Alcoólatra. Com este pano de fundo eu começo dizendo:

    – Meu nome é Bruno, eu sou mais um brasileiro, ex-guitarrista, ex-vocalista, de uma ex-banda de Metal brasileira. Todos os dias bandas de Metal começam e acabam no Brasil seja numa garagem, ou em salas de estúdios de ensaio ou gravação, e ou até mesmo nos escritórios de gravadoras, ou revistas especializadas no gênero.

    O fato de uma banda que para ser reconhecida no Brasil precisa antes ser reconhecida fora do país, é um sintoma desse público de Metal que só respeita uma banda pelo sucesso no exterior, o famigerado público “Paga-Pau-de-Gringo”. O que é óbvio, e tanto as bandas quanto as gravadoras (do estilo) não vêem, é que este não é um bom público. É limitado, preconceituoso e radical nas suas opiniões, nunca está aberto às bandas novas, ou ao trabalho da uma determinada banda, ou até a fim de amadurecer com ela. Só consome os “clássicos” ou “medalhões”, ou seja, só consome marcas já consagradas. Em termos de público afirmo sem medo de errar que as bandas estão investindo no público errado, porque este tipo de público é teleguiado e não é formador de opinião, por mais que critiquem, o comportamento e o tipo de consumo dessas pessoas só comprova isso.

    Outro problema do Metal é a segmentação, pseudo-nichos que ao invés de direcionar segregam e rotulam, vendendo de forma incoerente e equivocada os trabalhos dos artistas. Tem espaço na arte para tudo: disco opereta, disco conceitual, disco histórico, disco autobiográfico, disco-épico, disco-fantasioso-folclórico, mas ninguém faz isso voltado para o Brasil (público brasileiro). Quem no mundo vai querer consumir a cultura brasileira além do brasileiro? Este que sempre foi carente de cultura, principalmente da sua própria, o brasileiro não conhece o Brasil!

    O símbolo mais emblemático disso é um Mameluco (mistura de Índio com Negro, cerca de 70% da população brasileira possui uma dessas duas heranças genéticas) fã de “Power-Viking-Nordic-Mother-Fucker-Metal” (IRONIA), analfabeto funcional (vítima do nosso fatídico investimento público em educação), que vive em negação da sua própria cultura e etnia. É o ápice da nossa esquizofrenia enquanto cultura colonizada. O metal tem de se abrir pro público brasileiro, e parar de usar a música brasileira de forma pseudo-intelectual só pra vender discos lá fora como world-music.

    Um amigo meu teceu um comentário sobre o vídeo do Edu Falschi que eu achei muito bom e vou reproduzi-lo:

    Muito bonito o que ele disse, mas acho que ele deveria ter gravado em inglês em respeito ao público dele.

    Eu respeito o fato de existirem bandas que escrevem em inglês, mas isso não é uma crítica a elas diretamente, contudo é preciso entender que o mercado dessas bandas é o externo, essas bandas não querem ser uma “banda brasileira”, elas querem ser uma “banda gringa” cosmopolita, “do mundo”, porque sabem que aqui o som deles não tem espaço. Todas essas bandas têm a ilusão de que podem competir com os gringos no próprio território deles, e ainda ter respaldo no Brasil com a cultura do metaleiro brasileiro de valorizar mais o que vem de fora. Todos vocês estão equivocados! Vocês vão ter de fazer sucesso fora pra poder ter um bom público aqui, e viver de música, que é o sonho de toda banda independente. O que é mais bizarro é que às vezes pra você conseguir alguma realização fora do país é preciso mostrar algo diferente pros gringos, o que invariavelmente acaba sendo a nossa própria cultura, exemplos: Sepultura e Angra.

    Mas esses casos são únicos, e não podem ser aplicados a nossa realidade, o André Matos tinha os contatos, dinheiro e o projeto certo para aquele momento do Metal nacional, foi o casamento perfeito entre estar no lugar certo, na hora certa e estar preparado para isso. Mas isso não se aplica a nenhum modelo, é imponderável o que aconteceu, e de resto o que temos além de nós mesmos para mudar esse cenário?

    Gostaria que vocês reparassem que quando penso em Brasil não penso apenas em Sudeste, e nem tento elitizar o meu mercado em potencial, falta essa ambição às bandas e as empresas que pretendem explorar esse mercado, falta arrojo comercial. Outro equívoco comercial é quando as bandas que ao invés de oferecerem trabalhos ARTÍSTICOS com mensagens, conceitos, valor cultural e etc, só vendem técnica, ou seja, música de músico pra músico. Um público altamente “especializado”, que na minha opinião de merda seria melhor rotulado como específico demais, e só! Quem vive de técnica, vive de depreciar a técnica alheia pra promover a sua própria, e o marketing negativo é o único retorno da sua marca que você ganha investindo nesse nicho.

    Bom músico, bom instrumentista é força de trabalho e não “O Trabalho”, quem vende técnica uma hora cansa o mercado com a sua fórmula, como as já cansadas bandas de Prog-Metal. As pessoas ouvem música pra se divertir, se entreter, se relacionar com o trabalho de alguma forma, mas quando se oferece isso tudo, e ainda alguma profundidade é que se tem um grande produto que qualquer consumidor vai querer conhecer. É patético um músico reclamar do público (Não é senhor Edu?), isso é uma democracia ou não? O público sempre foi o termômetro do trabalho dos artistas. O mais irônico é que esses músicos de Metal Melódico, que parecem presos à Idade Média nas suas temáticas, esquecem que o público daquela época atirava objetos nos artistas dependendo de sua aceitação ao espetáculo.

    Nesse mercado todos são culpados, as bandas com seu trabalho mal elaborado e mal vendido, o público, que como é um problema sócio-cultural levará anos até poder ser amenizado, e as gravadoras, produtoras e afins, pela falta de investimento, apoio, incentivo e arrojo comercial. Porém não posso deixar de falar de um dos grandes culpados: A Mídia! A culpa da mídia é que ela não faz mais reportagens, não vai mais atrás de bandas, como os repórteres de campo da Rollingstone que descobriram o Black Sabbath e Led Zeppelin ainda excursionando. Hoje a maioria dos jornalistas sentam em suas redações e esperam o disco do interesse editorial da redação (Jabá) chegar pra elaborarem suas resenhas. Existem milhões de bandas boas de Metal no Brasil, outras muito originais, e muitas já acabaram por falta de incentivo e apoio, bandas diferentes que poderiam fazer mais pela música brasileira do que o próprio Angra.

    A única coisa que posso afirmar com uma segurança quase que espiritual é que o Metal nacional só vai acabar quando não existir mais fã do estilo no Brasil, seja levando um cover despretensioso no fim de semana numa garagem da vida, ou com projetos mais ambiciosos engavetados em corredores sem fim dos prédios das corporações imperialistas que exploram o nosso mercado fonográfico, viva la revolución! (IRONIA).

    Outra informação muito instrutiva é sobre a origem da banda Angra, bem no finalzinho desta crítica aos shows e CD’s da mesma: http://whiplash.net/materias/opinioes/139412-angra.html

    Texto de autoria de Bruno Mira.

  • Resenha | Asterios Polyp

    Resenha | Asterios Polyp

    Asterios Polyp - Mazzucchelli

    Em seu quinquagésimo aniversário um homem está em seu bagunçado apartamento, assistindo vídeos, quando seu prédio é atingido por um raio e assim se inicia  um incêndio e no pouco tempo que ele tem para sair de casa, ele pega apenas poucos itens. Assim começa Asterios Polyp, uma história que vai contar a trajetória deste homem pela sua vida, com sua ascensão, queda e redenção.

    É difícil eu conseguir me deparar com algo e dizer que aquilo é genial, mas Astérios é genial. Esta Graphic Novel criada inteiramente, roteiro e arte, por David Mazzucchelli não pode receber outro adjetivo senão genial. Tudo que está presente foi pensado, cada forma, traço ou palavra. De início  pode até gerar estranheza a forma como é  o traço dos personagens, quase cartunescos, mas depois você vai entendendo o motivo dele ser assim.

    Como dito, a história conta a vida de um homem comum, Asterios Polyp, porém é narrada pelo irmão gêmeo, que não conseguiu nascer, Ignazio. A narrativa não é linear, ela é traçada entre o presente e o passado. É partindo daí que vem a construção do personagem, Asterios é um arquiteto renomado, com desenhos incríveis, mas nenhum construído. Com uma visão forte do mundo, formado por linhas retas e dualidade.  E tudo isto é mostrado não somente na narrativa, quanto na arte, em determinados quadros Mazzucchelli “desconstrói” o personagem à um desenho de formas geométricas retas. Pode parecer chato você acompanhar a vida de uma pessoa comum, mas não é, é divertido e fascinante.

    E a narrativa é sensacional, não é complicada como algumas outras histórias em quadrinhos autorais, mas sai do comum, são usadas formas diversas de expressar o que o autor quer e você consegue entender perfeitamente o que ele quis com aquilo. A obra tem referências à diversos mitos, Odisseia, Orfeu, Eurídice e muitas outras são exemplos disso. Tudo isso torna a obra mais completa, embora não seja necessário conhecer essas referências para entender a história, eles servem apenas para complementá-la.

    Em termos de arte, como já dito anteriormente, é de se estranhar no início, mas depois que você se acostuma dá pra perceber que cada linha foi pensada, do traço as cores. Não há mais de 2 ou 3 cores por página, raras exceções, e mesmo assim não fica em excesso uma cor, fica no tom perfeito.

    Por fim, Asterios Polyp demorou 10 anos para ser feito e você vê que esse tempo foi bem empregado em cada página. Uma história simples e empolgante, uma narrativa diferente e uma arte pensada nos mínimos detalhes, isso faz com que este quadrinho seja altamente recomendável para qualquer pessoa ler e se divertir, seja fã de quadrinhos ou não.

    Texto de autoria de André Kirano.

  • Crítica | Gigantes de Aço

    Crítica | Gigantes de Aço

    Gigantes de Aço 1

    Falcão, o campeão dos campeões, encontra Transformers num filme do Rocky Balboa. Um crossover maluco? Nada disso, essa é basicamente a essência de Gigantes de Aço, filme estrelado por Hugh Jackman que estreou no dia 21 de outubro.

    Em 2020, o boxe como o conhecemos não existe mais. Devido à crescente ânsia do público por mais e mais violência, o esporte foi proibido para humanos. Em seu lugar, robôs se enfrentam em lutas até a “morte”. Nosso querido Wolverine vive um Charlie Kenton, um ex-boxeador que quase foi campeão mundial, e agora tenta sobreviver controlando sucatas velhas em lutas no mundo underground do boxe robótico. Azarado e ganancioso, ele se afunda em dívidas. Até que surge em sua vida Max, filho para o qual nunca deu bola. A mãe, uma ex-namorada, acaba de morrer de câncer, e o escrotíssimo Charlie tem a chance de faturar uma grana alta vendendo a guarda do menino para os tios, só vai ter que antes passar o verão com ele.

    Inevitavelmente, temos uma conflituosa relação entre pai e filho, mas o que salva o filme da chatice é Max ser um apaixonado e profundo conhecedor do boxe de robôs. Ele e o pai vão se conhecendo numa jornada que vai literalmente do ferro ao velho ao estrelato do esporte, através do robô Atom, um autômato velho mas capaz de copiar os golpes que vê, além de agüentar muita porrada.

    O filme é sem dúvida previsível, o que não tira em nada sua qualidade. Jackman manda bem como o pai canalha que vai aos poucos revendo suas atitudes e se transformando em alguém melhor, enquanto ator-mirim Dakota Goyo parece um clone do Anakin de Ameaça Fantasma, só que muito mais carismático. Também chamam atenção no elenco dois atores de Lost:

    Evangeline Lily, competente no papel de ajudante/amiga/interesse romântico de Charlie, e Kevin Durand, obviamente como um vilão.

    E quanto aos gigantes de aço propriamente ditos, sem exagero: esqueça Transformers. Misturando os bons velhos animatronics, técnicas de captura de movimentos e, claro, efeitos em CGI, temos aqui robôs mais VIVOS do que nunca. Cada um tem suas particularidades, e o realismo é exaltado em cada amassado ou arranhão na lataria. As lutas são ótimas, sem economizar em “sangue” e desmembramentos por causa da censura, afinal, são apenas robôs.

    Entre inspirações, homenagens e clichês, o resultado final é muito divertido e empolgante. Um dos melhores do ano, recomendado a todos que gostam de cinema.

    Texto de autoria de Jackson Good.