Categoria: Críticas

  • Crítica | Pusher (1996)

    Crítica | Pusher (1996)

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    O filme Pusher, de 1996, é o primeiro da cultuada e violenta trilogia que alavancou a carreira do então jovem diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn. Obviamente a trilogia só tomou uma maior notoriedade devido à boa receptividade que seus últimos filmes tiveram – vide Bronson (2008) e Drive (2011) –, mas, segundo as palavras do próprio Refn, Pusher foi o fator determinante para a sua carreira.

    Já na sua estreia, Refn deixa impressa sua forma particular de contar histórias. Ele nos convida a passar uma semana na vida de Frank, um traficante que, junto de seu parceiro Tonny, limita-se a pequenas transações e a gastar o lucro obtido com as mesmas da forma mais inútil possível. Até que, na oportunidade de uma grande negociação que, em um primeiro momento, parecia fácil, nada sai como o esperado e a partir daí vemos o desespero de Frank em consertar erro em cima de erros.

    Logo após o seu lançamento, o filme virou cult na Europa pela forma com que o diretor expôs o panorama do submundo do tráfico em Copenhagen e pela violência presente em toda a trilogia. Eu disse no início que “ele nos convida”: na verdade ele nos pega pela mão e nos arrasta junto ao protagonista, pois por diversas vezes a câmera apenas segue literalmente atrás de Frank, e a utilização apenas da iluminação ambiente – ou, por vezes, a falta dela – nos faz sentir imersos naquela atmosfera pesada e muitas vezes claustrofóbica. Em algumas cenas ocorre a ausência total de iluminação. Refn deixa aqui também muito claro o seu (bom) gosto pela trilha sonora.

    Toda a violência crua, a direção marcante, a exposição do submundo da época ou a procura por referências (como um pôster gigante do filme Mad Max logo no início) pode fazer passar despercebido o fato de que Pusher trata de pessoas, que não só não têm a que se agarrar como também não fazem muita questão de ter algo para se agarrar. Os quatro personagens que julgo principais (Frank, Tonny, Vic e Milo) são o que não queriam ser, vivem uma vida querendo estar em outra, mas não conseguem mudar ou, como nas palavras da própria Vic: “Eu poderia ser o que eu quisesse, só não tenho vontade”.

    De fato, quem for ver Pusher tendo como refrência o recente Drive pode achar o filme um pouco difícil pela sua densidade e pela já citada falta de luz. Entretanto, assim que você se deixar ser arrastado atrás da decadente semana de Frank certamente não terá do que se arrepender, pois uma das características de Nicolas Winding Refn é saber deixar uma história interessante, por mais simples que ela seja.

    Texto de autoria de Fabio Monteiro.

  • Crítica | Django Livre

    Crítica | Django Livre

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    Não é todo dia que vemos um filme de Quentin Tarantino no cinema. Nas duas últimas décadas, o estadunidense de 50 anos lançou apenas 8 filmes, e mandou bem em todos!

    O número de títulos assinados por Quentin é tão impressionante quanto seu aproveitamento: O filme mais fraco (minha opinião: Jackie Brown) não pode ser chamado de ruim, o casting de seus filmes sempre é incrivelmente estrelado e Hollywood sempre vê seus futuros projetos com bons olhos. Foi assim desde Cães de Aluguel, seu primeiro filme e que teve atores muito famosos se acotovelando para ocupar os poucos papéis disponíveis. Diretor novato, Tarantino conseguiu o que ninguém acreditava ser possível para um estreante: Ter o projeto aceito por um dos maiores nomes da época em Hollywood, o renomado Harvey Keitel. Além de Keitel, o primeiro filme de Quentin Tarantino, contava também com Steve Buscemi, Michael Madsen, Tim Roth e ele próprio, dentre outros.

    Assim como seus filmes, Tarantino possui várias marcas registradas que transbordam nas películas e fazem dele um diretor autoral com o nome gravado à ferro na história do cinema. Exímio diretor de câmera, abusa dos chamados long shots com cenas de até 10 minutos sem cortes. Seus roteiros, geralmente originais, trazem personagens de personalidade forte e a grande maioria das tramas tem uma dualidade muito evidente: Os personagens nunca são completamente vilões ou mocinhos. O grande trunfo dos filmes “tarantinescos” sempre foram os personagens e seus diálogos, muitas vezes surreais, sobre assuntos cotidianos.

    Os filmes dirigidos e roteirizados por Quentin tem, também, uma veia sanguinolenta e extremamente violenta que sempre se apresenta por grandes tiroteios, linguagem obscena e violência explicitada com litros e mais litros de sangue que transformam os cenários em retratos de chacinas fantasiosas, totalmente inverossímeis e exageradas. Todo filme dele é aguardado do anúncio à estreia com expectativas muito elevadas por parte da comunidade cinéfila, e Django Livre não foi exceção.

    O filme conta a história de Django (D-J-A-N-G-O, o “D” é mudo…), um escravo que é resgatado por um caçador de recompensas enquanto era transportado de sua fazenda de origem para um outro local. O caçador de recompensas, um alemão abolicionista conhecido como Doutor King Schultz, propõe a Django que o ajude a capturar (e matar) os três donos da fazenda em que ele trabalhava e em troca oferece sua liberdade e algum dinheiro para recomeçar sua vida. A principio relutante em aceitar a proposta, o escravo parte com o caçador em uma viagem em busca dos alvos.

    Depois de achar e matar os três irmãos e mais crédulo do discurso anti-escravagista do nobre Doutor Schultz, Django recebe a ajuda do caçador para reaver sua esposa, vendida para um fazendeiro de identidade até então desconhecida. Enquanto viajam lado-a-lado caçando procurados por todo o sul dos Estados Unidos, os dois se tornam amigos em busca do objetivo maior de Django: reunir-se novamente com sua esposa Broomhilda.

    O filme, vendido para mim como um thriller de ação e vingança se mostrou outra coisa durante a primeira uma hora. Esperei ver litros de sangue, tiroteios frenéticos e muitos personagens se interligando ao maior estilo Quentin Tarantino mesmo, mas essa primeira parte do filme não tem nada disso. Decepcionado? Nem um pouco!

    Esta primeira (e maior) parte do filme foca inteiramente na interação de Django (Jamie Foxx) e Schultz (Christoph Waltz). Tem diálogos impressionantemente bem feitos, ótimos momentos de humor e ação na medida certa para desenvolver os dois personagens. Durante esta primeira metade, Django e Schultz caçam dezenas de procurados enquanto o escravo aprende a técnica necessária para colocar seu plano em movimento. Quando finalmente descobrem o paradeiro de Broomhilda (Kerry Washington), as rédeas do filme passam para as mãos do protagonista-título da trama. Até este ponto de virada, Waltz leva o filme com a mesma maestria e atuação  que deu vida a Hans Landa (vivido por Waltz em Bastardos Inglórios, também de Tarantino). Impressionou-me bastante a forma como ele trabalha magistralmente bem junto de Quentin Tarantino, e o filme é levado por ele com uma atuação de gala que lhe rendeu, merecidamente, a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Seu personagem alterna extremamente bem momentos de serenidade e bondade com sequências de implacável violência e inteligência na caça aos bandidos procurados.

    E por falar em atuações de gala, Samuel L. Jackson está tão solto e frenético em “Django Livre” quanto estava em Pulp Fiction (pra mim, o melhor filme de sua carreira). Aqui, ele vive o afetado Stephen, um escravo que trabalha há muito tempo para o personagem de Leonardo Dicaprio administrando sua fazenda e cuidando da casa. O inglês pronunciado com um incômodo sotaque texano e sua falta de educação nos diálogos rendem boas risadas nos últimos 40 minutos de filme. Sua atuação tira parte do brilho do personagem de Leonardo Dicaprio, que vive Calvin Candie, um dono de terras que negocia escravos negros para as lutas de “mandingos” e é o atual dono da esposa de Django. Interpreta bem, nos poucos momentos em que o roteiro o deixa em evidência, mas não faz nada extraordinário.

    Jaimie Foxx me surpreendeu bastante com sua atuação. Na verdade, era o único que eu não sabia o que esperar mas manda bem demais durante todo o filme. Django é um personagem complexo e ele pareceu entender bem qual era seu propósito no roteiro, sendo modesto quando necessário, violento e forte quando o roteiro assim o pede e, como já falei, tomando as rédeas do filme depois que o personagem de Waltz vai embora.

    E é só depois que o nobre Dr. Schultz se ausenta que o filme toma ares mais tarantinescos de verdade. Passa, apartir dalí, a se tornar um filme sobre vingança, com ritmo acelerado e, como não poderia faltar, baldes e mais baldes de sangue derramado na tela. A velocidade da câmera, as viradas no plot e a aparição modesta de Quentin na tela mudam completamente a pegada do filme e compõe, agora sim, o thriller frenético de ação e vingança que haviam me vendido. Não sei precisar qual das duas partes eu gosto mais, mas este é certamente um adendo favorável ao meu resumo da obra: Comprei um ingresso de cinema e acabei vendo dois excelentes filmes!

    A trilha sonora é simplesmente uma das mais fantásticas que eu já ouvi e ajuda demais a ditar o andamento das cenas. Misturando estilos, Tarantino traz para o filme uma série de artistas diferentes que vão desde as trilhas compostas por Ennio Morricone até uma música montada num remix incrivelmente bem feito que une as vozes de, acreditem, James Brown e Tupac Shakur!

    Que outro autor/diretor você conhece com moral suficiente para emplacar um Western ao som de Hip Hop?! E o melhor da trilha é que ela está disponível, gratuitamente, para ser ouvida neste link. Nele você encontra todas as trilhas empregadas e algumas citações tiradas do próprio filme. Abaixo, a música póstuma produzida pelo Rei do Soul e o Mestre do Rap:

    Com orçamento estimado em 100 milhões de dólares e faturamento de quase 350 milhões, “Django Livre” tornou-se o maior e mais bem sucedido filme da ainda curta (mas muito bem sucedida) filmografia de Quentin Tarantino. O filme chegou ao Brasil em 18 de janeiro, mas ainda está em exibição em algumas poucas salas do país. Tarantino, que já anunciou que não pretende ir muito além de 10 filmes em sua carreira, conseguiu um resultado excelente e acima do meu esperado ainda que tivesse grande expectativa para o filme. Como já é de praxe, fez dezenas de referências durante os 160 minutos de filme. Referências facilmente captadas, como o nome do personagem e trilha de abertura (retirada do filme “Django”, de Sergio Corbucci), diversas metáforas ao homem branco e à relação do negro com a liberdade e até uma crítica bem humorada à Ku Kux Klan. Um filme bastante fácil de compreender, divertidíssimo e nada cansativo, que merece ser visto por todos os fãs de cinema, menos o Spike Lee.

  • Crítica | Fogo Contra Fogo (2012)

    Crítica | Fogo Contra Fogo (2012)

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    O argumento é conhecido do público e, provavelmente, foi assistido anteriormente. O bombeiro Jeremy Coleman presencia um crime racial e decide colaborar com a justiça identificando o culpado. Devido a periculosidade do acusado, líder de um grupo de orgulho branco, Jeremy entra no programa de proteção as testemunhas que se mostra ineficaz quando o líder decide persegui-lo e matá-lo por colaborar com a lei.

    Fogo Contra Fogo utiliza o mesmo título de um grandioso filme de Michael Mann e qualquer comparação permanece apenas no nome. Além da evidente batalha das personagens, o título alude a profissão da personagem, um bombeiro competente, que gosta da profissão e da irmandade em torno dela, mas que decide deixar sua vida para lá para ajudar o delegado Mike Cella. Após sofrer um ataque de um assassino profissional a mando do líder do orgulho branco, o bombeiro decide retornar a cidade da qual foi afastado pela proteção de testemunhas e fazer justiça com as próprias mãos.

    Produzido diretamente para a televisão, a trama não apresenta nada de novo, nem ao menos intenta ser uma repetida história funcional. O ator Bruce Willis é o grande chamariz da história, vendida de maneira errada como um filme do astro. Willis aparece em poucas e inexpressivas cenas. Nem tendo o trabalho de realizar o seu papel padrão de policial.

    A história acompanha a vingança do bombeiro de maneira burocrática, indo dos peões até chegar no grande chefão. Exceto por uma cena de tiroteio que a câmera viaja com a bala, não há nada de novo também na direção. Rosário Dawson que faz par amoroso com a personagem, está presente como função estética, fazendo o papel da mulher pela qual se deve lutar.

    É impressionante como uma produção deste calibre conseguiu chegar as telas brasileiras. Utilizando a potência de Willis, sempre convidativo ao seu público, e aproveitando as semanas que antecedem o lançamento de mais um filme da série Duro de Matar, para tentar conquistar alguma bilheteria.

    Desde já selecionado para figurar na lista das piores estreias deste ano.

  • Crítica | Pi

    Crítica | Pi

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    Pi, filme de estréia de Darren Aronofsky, ganhou Sundance em 1998, confirmando o diretor como um sucesso de crítica logo no início de sua carreira. Filmado com orçamento apertado e uma fotografia preto e branca extremamente granulada, Pi já possuía as principais características do cinema de Aronofsky e anunciava o cineasta que ele iria se tornar.

    Pi se foca em Max Cohen, um matemático obcecado em pesquisar padrões nas casas decimais do pi. Aronofsky parece ser ele mesmo obcecado com as obsessões, no entanto ele sempre olha além do vício inicial de seus personagens e no caso de Cohen a obsessão não está no pi, mas no pi como chave para se entender o universo.

    Cohen acredita que a matemática é a linguagem da natureza e ele busca desesperadamente fazer sentido dessa linguagem. O grande mérito de Aronofsky na construção de seu personagem e, principalmente, de sua obsessão é dar profundidade a ela ao mesmo tempo que prende o espectador na mesma teia de paranoia de Max.

    Max Cohen não quer apenas achar um padrão no pi, ele quer provar para si mesmo que a natureza se constitui em padrões matemáticos, ele quer entender o universo. Enquanto seu antigo professor afirma que ele voa perto demais do sol e busca por algo que não pode ser encontrado, um judeu ortodoxo alimenta sua convicção ao afirmar que a matemática pode também ser a linguagem de Deus. No judaísmo, Deus não deve ser nomeado, embora diversas palavras sejam usadas para se referir a ele, seu verdadeiro nome é oculto, uma vez que Deus não deve estar submetido a conceitos humanos. Ou seja, a chave da criação do universo, o conhecedor de suas regras e padrões não pode ser conhecido pela mente humana, está fora do que cabe a nós.

    Mas Max se convence de que sim, entender o universo cabe a ele. Seu sobrenome é o dos descendentes do alto sacerdote judaico que era o único a conhecer o nome verdadeiro de Deus, ele acerta os números da bolsa, ele foi capaz de olhar para o sol. Aronofsky constrói um personagem extraordinário com uma obsessão que vai além do óbvio (o entendimento, não o Pi, assim como a Nina de Cisne Negro não é obcecada com seu papel, mas com a perfeição) e que se consome por isso e constrói um filme que afirma isso a cada momento.

    A fotografia é preto e branca e granulada de forma que toda a imagem as vezes parece uma massa cinza. Os planos fechados se tornam amontoados de forma, cheios, claustrofóbicos, como a mente do próprio Max. Além da imagem poluída, a trilha de Clint Mansell é incômoda, ensurdecedora e cheia de barulhos industriais, novamente emulando as dores de cabeça e a vivência do personagem. A montagem de Pi anuncia a de Réquiem para um Sonho: rápida e fragmentada ela torna mecânica certos atos do personagem e explicita à sua escravidão de certos atos enquanto impede o espectador de vê-lo como um ser inteiro.

    Dessa forma Pi é um filme que experimenta e desconstrói, como se espera de um filme de estréia, e ao mesmo tempo apresenta os elementos que o diretor aprenderia a dominar com o tempo. É um filme imaturo, mas de uma força criativa imensa e que já anunciava um dos cineastas mais interessantes em atividade.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

    Ouça nosso podcast sobre Darren Aronofsky.

  • Crítica | Monstros S.A.

    Crítica | Monstros S.A.

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    Monstros S.A. está situado em um momento anterior a compra milionária da Pixar pela Disney. É o quarto filme da produtora em uma época em que suas tramas ainda apresentavam maior tonalidade juvenil, sem as narrativas composta em camadas que se tornariam uma característica do estúdio que não possuía empresas rivais em lançamentos de animação.

    A trama dialoga com o medo infantil de que, durante a noite, monstros escondidos em armários habitam os quartos para assustar as crianças. Mal sabem elas que, do outro lado da porta, existe a Monstrópolis, cidade sede da Monstros S.A., uma empresa especializada em aterrorizar as crianças, garantindo, com seus gritos, a energia que abastece a cidade. Dentre os responsáveis pelos gritos, estão a dupla Mike Wazouwki e James P. Sullivan, a dupla central da história que equilibra bem a sensibilidade e o humor da produção.

    O estúdio Pixar desenvolve um pequeno universo para situar sua história, outra característica que seria comum em suas histórias. Esteticamente, a cada produção a empresa desenvolve um personagem que salta aos olhos pela animação competente. Caso do grandalhão Sully, um peludo personagem azul que foi trabalho detalhadamente para que a pelagem parecesse real.

    As personagens formam uma boa dupla divertida que são responsáveis pelas diversas cenas de humor, encontrando o contraponto sensível na história da pequena Boo, uma garotinha que acidentalmente invade o mundo dos monstros e transforma o coração peludo de Sully.

    Ainda que produção primária do estúdio, é perceptível a intenção de um roteiro que produz o híbrido entre riso e sensibilidade sem que nenhum lado se sobreponha. Um estilo que será perseguido pelo estúdio que, até então, tinha realizado somente Toy Story 2 com uma alta carga dramática.

    Neste relançamento em terceira dimensão, a história ganha maior interatividade sem os excessos visto em outras produções que utilizam a estereoscopia. Uma demonstração de que o recurso pode ser bem utilizado se colocado de maneira sutil para realçar as dimensões da cena e dar destaque a pequenos elementos. Além da novidade do 3D, é funcional para que aqueles que nunca assistiram a história no cinema possam revê-la. Um projeto que a Disney tem realizado desde o recente relançamento de O Rei Leão.

    O sucesso da produção – que tem o mesmo diretor de Up – Altas Aventuras – gerou uma continuação, Universidade Monstro que estréia em 12 de julho de 2013 no país.

  • Crítica | Amor

    Crítica | Amor

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    Michael Haneke é um cineasta com um projeto muito claro: colocar na tela aquilo que o espectador preferia não ver. Violência gratuita, perversão sexual e as origens do nazismo já foram seus temas e em Amor, ganhador da Palma de Ouro em Cannes no ano passado, ele realiza o que parece ser seu filme mais íntimo, ao mesmo tempo em que trata de um dos assuntos mais onipresentes do universo: a morte.

    Anne e Georges são um casal idoso que vive em Paris. A sequência inicial do filme nos mostra um casal extremamente próximo, íntimo e independente que vai a concertos ver antigos alunos. Haneke constrói, nos primeiros 15 minutos de seu filme, um breve retrato de um casal em que o marido, aos prováveis 50 anos de casamento, ainda diz como sua mulher é bonita. É breve, mas essencial para que se entenda o que vai ser perdido mais tarde.

    Anne sofre um derrame e a cirurgia que se segue a deixa com a perna e o braço esquerdos paralisados. A perda de movimentos parece pequena; no entanto, Anne deixa de ser um ser humano independente, deixa de ser dona de suas vontades e, mais do que isso, traz para o casal a consciência da morte. Algo ali se quebra assim que Anne volta, e Haneke faz questão de demonstrar isso visualmente: o escritório onde o casal passa seus dias é todo decorado em cores quentes, tons de amarelo e laranja; a iluminação usada acentua esses tons e as vestimentas de todos os personagens que passam por ali são sempre em tons de marrom, exceto as de Anne, sempre em cores frias, como se já não pertencesse ao lugar onde a vida se dá.

    O derrame de Anne anuncia a morte, e o filme anuncia seu segundo capítulo com a visita de um ex-aluno. Ele chega de preto, de surpresa, e sua visita lembra a personagem de sua idade, de tudo de que ela já não lembra e do início de sua decomposição. Pouco depois ela tem um segundo ataque e começa uma espécie de segundo ato.

    Nessa segunda parte o que vemos é um ser humano que definha, morre devagar e dolorosamente em uma tela de cinema. Progressivamente Anne perde a dignidade, a personalidade e passa a ser tratada como uma coisa, um corpo doente e nada mais. Ao mesmo tempo, Haneke discute o próprio filme, ao opor a recusa feroz  da filha de Anne e seu marido a aceitar a morte da mãe à conformidade de Georges. Eva, a filha, está no lugar do espectador que preferia não entender aquilo que o personagem, e o cineasta, insistem em dizer que é inevitável.

    Amor é um filme claustrofóbico: ele se passa inteiro em um apartamento, os planos são fechados e são feitos muitos closes dos rostos dos personagens. Ao mesmo tempo, esse apartamento é decorado de forma agradável, íntima, e a luz quente e difusa aumenta a sensação de conforto. É um pouco como o longa: duro, contido, cruel, mas cheio de momentos de ternura e graça.

    Perto de A Fita Branca, seu trabalho anterior, Amor a princípio parece um filme menor e menos ousado. Mas, conforme ele se desenrola, a honestidade de Haneke mostra que o minimalismo ali fala muito. Amor é essencialmente sobre o que nos faz humanos: a morte, a resistência a ela, o amor como forma de aceitação e, finalmente, os limites desse amor. É profundo e visceral e confirma Haneke como um dos maiores cineastas em atividade.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Lado Bom Da Vida

    Crítica | O Lado Bom Da Vida

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    No brasileiro Lisbela e o Prisioneiro, a mocinha interpretada por Débora Falabella, entusiasta de histórias românticas no cinema, faz uma afirmação que determina os princípios deste estilo de narrativa. Diz ela que normalmente o desenlace é previsível, importando a maneira como a história é conduzida.

    Em breves linhas, uma história de amor sustenta-se em dois possíveis finais: o viveram felizes para sempre, a maneira cinematográfica de demonstrar que a história deu certo; ou a desilusão amorosa que comumente ainda é otimista, visando uma recuperação breve da personagem.

    Talvez a simplicidade narrativa deixe mais aparente a sensação de repetição em diversas tramas semelhantes. Ainda é cedo para afirmar, mas observo uma nova tendência na narrativa americana de romance, inserindo uma história além da composição amorosa para aprofundar a carga dramática. Motivo pelo qual não tive empatia por Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo, que, apesar do fundo de destruição mundial, não passa de uma história de duas personagens à procura de preencher seu vazio existencial.

    Em O Lado Bom da Vida, Pat e Tiffany são duas personagens que tentam se reintegrar à sociedade. Pat esteve oito meses em uma clínica psiquiátrica após flagrar sua esposa com um amante. Tiffany sofre a perda do marido com um pequeno colapso que a fez se entregar para diversos homens tentando preencher sua tristeza.

    A intenção da trama é apresentar duas personagens com cisões internas e de frágil psicologia que, por um passado problemático em comum, se aproximam. Mas, além de desenvolver este pano de fundo, não há a intenção de utilizá-lo como carga dramática no interior da história para que o público compreenda como é trabalhosa e difícil a recuperação de uma crise de nervos e de outros problemas psicológicos.

    Tem-se a impressão de que, em diversos momentos, as próprias personagens se esquecem dos infortúnios de seu passado. Como se tais artifícios estivessem presentes somente para mascarar a falta de criatividade ou justificar algumas ações exageradas em uma narrativa que o público sabe como termina.

    Pela fragilidade de tais elementos, a trama recorre a personagens secundárias para se sustentar, espaço preenchido pela família de Pat, com um Robert De Niro fanático por esportes e apostador profissional. É este o núcleo que sustenta parte da história até o início da inevitável aproximação amorosa.

    Bradley Cooper e Jennifer Lawrence trabalham bem em seus papéis de demonstrar talento para sustentar uma produção. Mas focam a sensibilidade emotiva somente para o romance visto em cena, parecendo-nos evidente que o passado psicológico é funcional somente para gastar tempo em cena, como uma ponta solta que, se cortada, daria mais força ao romance, que trabalha de maneira ineficaz um argumento potencialmente bom.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | O Último Desafio

    Crítica | O Último Desafio

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    He’s back. Arnold Schwarzenegger retorna aos cinemas como protagonista, dez anos depois de O Exterminador do Futuro 3. Nesse meio tempo, teve seu mandato como “Governator” da Califórnia e, claro, as participações em Os Mercenários. E ele parece ter assimilado com o colega Sly a ideia de que ainda pode ser fodão, mas a idade avançada vale uma boa tirada de sarro. O Último Desafio não chega a ser uma comédia assumida (como Os Mercenários 2), mas as piadas estão tão presentes quanto a ação – não muito distante dos clássicos de Arnold dos anos 80 e 90, talvez com a diferença de que antes o humor era de certa forma involuntário, e agora é consciente.

    A história mostra Ray Owens, veterano xerife de uma pacata cidadezinha de fronteira. Ele já teve sua cota de ação num passado traumático e agora só quer saber de sossego. Pro seu azar, um chefão do narcotráfico em um carro superveloz, após dar um baile no FBI, está em fuga para o México e vem direto na direção de Ray. Adivinha quem é o único que pode deter o bandido? O xerife e sua diminuta equipe.

    O Último Desafio tem como maior mérito sua indiscutível honestidade. Quem viu o trailer sabia exatamente o que esperar: um filme do Schwarzenegger. A trama é simplíssima e repleta de situações exageradas (por exemplo, toda a tecnologia e planejamento magistral por parte dos criminosos), os coadjuvantes são rasos, os vilões são caricatos e os tiroteios têm balas infinitas. O filme até poderia ser considerado mediano não fosse o carisma do herói. Impagável a oportunidade de rever a atuação robótica e o sotaque inconfundível de Arnold, suas frases de efeito e sua predileção por armas grandes. O peso da idade, porém, se faz presente a todo momento. Ele não corre ou apresenta grandes feitos físicos, pelo contrário. Cada movimento é lento, e cada pancada, dolorida. Mas tudo executado de forma bem-humorada, como na ótima cena em que o xerife pula pela vidraça da lanchonete, levanta-se com dificuldade e, perguntado “como está”, responde “velho”.

    Tudo isso mostra que o filme se apoia completamente em Schwarzenegger. Ele rouba até as cenas cômicas, pois suas piadas soam muito mais naturais, e por isso mais interessantes, do que aquelas de Luis Guzmán e Johnny Knoxville, os alívios cômicos oficiais. Muito pouco a se dizer sobre os outros atores: Forrest Whitaker faz o básico do básico, assim como a lindinha Jamie Alexander. Eduardo Noriega e Peter Stormare são competentes dentro da proposta de canastrice de seus vilões, e Rodrigo Santoro se vira bem no pouco espaço que tem.

    O diretor é o sul-coreano Jee-woon Kim, em seu primeiro trabalho em Hollywood. Ao longo de todo o filme ele demonstra experiência e segurança em conduzir cenas de ação empolgantes, mas sem excessos ou firulas visuais, sabendo dosar os momentos frenéticos com os de respiro. E, mais importante, deixando o astro brilhar. Fica a expectativa pelos próximos trabalhos do bom e velho Terminator, e a torcida para que essa onda de saudosismo ”brucutu oitentista” não passe tão cedo. O cinema blockbuster agradece.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | As Aventuras de Pi

    Crítica | As Aventuras de Pi

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    Ang Lee é um cineasta de obra variada (O Tigre e o Dragão, Razão e Sensibilidade e Hulk passaram por ele), mas a adaptação de As Aventuras de Pi parecia ter os elementos em que ele funciona melhor: um roteiro com elementos de estranheza e surrealismo e a possibilidade de ser visualmente impressionante.

    O filme é uma adaptação do romance de Yann Martel e conta a história de Pi Patel, um garoto indiano que está migrando para o Canadá com sua família quando o navio afunda e ele se vê preso em um bote salva-vidas com um tigre de bengala. Durante a maior parte do tempo, tudo que o espectador vê é Pi, o tigre e o mar, e é um grande mérito de Lee que, embora seja lento, o filme não se torne excessivamente arrastado.

    Ang Lee consegue passar com relativa eficiência a angústia e a claustrofobia do personagem, e é essa tensão o que segura em parte a quase uma hora e meia de filme em que nada efetivamente acontece. Além disso, o tigre é construído com eficiência e, no fim, se torna um personagem mais carismático do que o próprio Pi. A montagem e os ângulos de câmera são todos pensados para aumentar a tensão e a sensação de pequenez de Pi frente ao tigre, ao mar e às outras forças da natureza. No entanto, a impressão que se tem é que, para além do medo, existem emoções em Pi que o diretor deixou de lado, ou não conseguiu encontrar uma forma adequada de passá-las do livro para imagens.

    A história de Pi é anunciada a seu interlocutor canadense (e, consequentemente, ao espectador) como capaz de fazê-lo acreditar em Deus; porém, toda a jornada espiritual de Pi e tudo o que efetivamente deve ter se passado em sua mente é deixado de lado e o filme se foca apenas na tensão e no medo entre ele e o tigre. Além disso, algumas pontas do roteiro ficam soltas, como a relação entre Pi e a namorada que ele deixa na Índia.

    No final, Ang Lee pegou um livro considerado inadaptável e transformou-o em um filme acessível. O filme é de uma riqueza visual considerável e impressiona por não ser extremamente tedioso, apesar de não ter quase nenhuma ação. Mas toda a profundidade que a história anuncia é deixada de lado: Lee não trata das religiões de Pi, de sua solidão no mar e joga uma reflexão sobre o poder das narrativas e sua relação com Deus, mas isso também não é desenvolvido.

    As Aventuras de Pi não é de forma alguma um filme ruim: é um filme lindo, bem construído e com um final engenhoso, mas que indica um potencial muito maior que parece ter sido deixado de lado em favor de visual e tensão, atributos mais prováveis de garantir sucesso comercial ao filme.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Léo e Bia

    Crítica | Léo e Bia

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    Dirigido pelo músico Oswaldo Montenegro, Léo e Bia é um filme bem complicado, mesmo com toda sua simplicidade. Se passa em Brasília, no auge da ditadura militar (anos 70), onde um grupo de jovens faz teatro. O Filme se passa praticamente todo em um cenário: o galpão onde os jovens ensaiam. O que parece ser limitado, acaba impressionando, quando esse galpão se transforma em casas, instituições, palcos, etc…

    O objetivo do diretor é mostrar as dificuldade e limitações da liberdade de expressão e cultural na Ditadura militar e ele faz isso misturado com um excelente drama.

    O enredo principal consiste na história de amor entre Léo e Bia, um casal estranho. Léo é o diretor e o líder do grupo de teatro e Bia, mesmo com problemas familiares, a melhor atriz. O relacionamento deles é bem complicado. Bia tem ciúmes da Marina (Melhor amiga de Léo), que por sua vez, ama o rapaz também.

    Todos os personagens tem seu destaque, sua história, suas angústias e tristezas e tudo isso é misturado ali, na nobre arte de atuar. Oswaldo usa da ingenuidade e inteligência da esquerda festiva para criar suas falas. Todos eles ao longo do filme tem ao menos uma frase marcante.

    – Aonde houver mulatas, não haverá nazismo
    – É, mas o Brasil “tá” cheio de mulatas e o nosso governo é fascista pra caralho.

    Durante os ensaios, simultaneamente, é contada também a história de Bia, que tem problemas com sua mãe obsessiva. Durante todo o longa são mostrados diálogos entre as duas e aí que entra o ponto mais importante de todos: A excelente atuação.

    Como já era de se esperar, a trilha sonora é toda de Oswaldo Montenegro. Apesar de cansativa, gostei dessa escolha. As letras se encaixam perfeitamente na trama e a edição é impecável. Como eu disse, é complicado na simplicidade. Léo e Bia sai do comum, é ousado, crítico e romântico.

    Texto de autoria de Jean D’angelo.

  • Crítica | O Homem Mais Procurado do Mundo

    Crítica | O Homem Mais Procurado do Mundo

    o homem mais procurado do mundo - poster brasileiro

    Desde os atentados de Onze de Setembro, a imagem de Osama Bin Laden adquiriu reconhecimento mundial. Seu rosto tornou-se figura central de noticiário e, de uma maneira torpe, foi rentável material de notícias, sendo uma espécie de celebridade. Nada mais evidente, portanto, que sua morte seja vista como um espetáculo.

    O Homem Mais Procurado do Mundo é uma produção realizada para a televisão com o intuito de dramatizar as horas que antecederam a operação militar que resultou na morte do líder da al-Qaeda, como também apresentar um resumo dos procedimentos que levaram a descoberta de seu esconderijo.

    A narrativa tem início com depoimentos dos soldados da marinha envolvidos na operação e de parte do grande escalão da inteligência americana. O didatismo dos testemunhos são tão evidentes que parecem muito semelhante ao estilo documental televisivo. Não há a intenção de expor verdadeiramente os fatos, mas apresentar uma versão da história oficial. História em que todos os soldados tem uma boa índole, acreditam na força americana e, acima de tudo, são regidos pela ética de batalha, sem subjugar o oponente.

    Aos poucos, o molde didático cede a uma dramaticidade cinematográfica, explorando dois pontos distantes da mesma guerra: o dia-a-dia dos Navy Seals e a inteligência da CIA que articulou a operação autorizada pelo presidente Obama. A precariedade das interpretações salvam-se por dois atores conhecidos do público televisivo americano: Robert Knepper e William Fichtner que voltam a dividir a cena após trabalharem em Prison Break. São essas personagens que se destacam por dar maior realidade dramática as cenas, além de trazerem ao público parte de seu carisma (os nomes podem parecer desconhecidos, mas os atores sempre estão presentes em séries ou em pequenos papéis cinematográficos).

    Mesmo que produtores tenham mencionado a dificuldade em desenvolver o roteiro da trama, devido aos documentos sigilosos da inteligencia americana, a necessidade em se produzir uma história chapa branca é maior do que uma narrativa bem realizada. A representação cênica não tira a ideia de que estamos assistindo a uma dramatização superficial que funciona somente se vista para compreender os acontecimentos que eclodiram na bem sucedida operação.

    O diretor John Stockwell (Turistas, A Onda Dos Sonhos) parece não se esforçar além do registro das cenas. Como tradicional documentário dramatizado – visto em demasia em canais de televisão a cabo – alcança seu objetivo de apresentar um acontecimento. Mas falha como produção cinematográfica que deseja ser.

  • Crítica | A Origem dos Guardiões

    Crítica | A Origem dos Guardiões

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    A mais recente produção da Dreamworks Animation tem o consagrado estilo do estúdio: uma aventura leve, movimentada e divertida, claramente direcionada ao público infantil, mas com elementos que também agradam aos adultos. A Origem dos Guardiões segue uma premissa similar à do mega sucesso Shrek: depois dos contos de fadas, agora são figuras do folclore que ganham uma “repaginada” para se adequar aos novos tempos. Mas sua mensagem continua sendo a mais clássica possível – e emocionante justamente por isso.

    Na trama, quando o perigoso Breu (ou Bicho-Papão) ressurge após séculos para ameaçar as crianças do mundo todo, cabe aos Guardiões se reunirem para enfrentá-lo. Mas o time formado por Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, Fada dos Dentes e Sandman pode não ser o suficiente diante da ameaça, pois o enigmático “Homem na Lua” escolhe um 5º guardião: o irresponsável Jack Frost. Ele vaga pelo mundo há trezentos anos, sem memória, objetivos ou mesmo reconhecimento por parte dos humanos. É essa sua busca pessoal, pelo seu “cerne”, que acaba sendo o motor da narrativa.

    Baseado na série literária Guardians of Childhood, de William Joyce, o filme é uma agradável surpresa, ao fazer dos Guardiões uma verdadeira equipe de super-heróis. Não falta nem a Jornada do Herói, representada no protagonista Frost. Igualmente bem conceituada e realizada é a roupagem cool que os personagens ganharam. Papai Noel não é mais só um bonachão: careca, tatuado, com duas espadas enormes, ele adquire uma divertida aura badass. O Coelhinho, ou melhor, Coelhão, é quase um ninja: é alto, sério, ágil e atira bumerangues. A Fada dos Dentes é meiga, mas protetora com suas fadinhas. E o Sandman não tem a aparência de Robert Smith, é um simpático gorduchinho (mas que sabe se virar numa briga) que se comunica usando a areia dourada dos sonhos.

    Um aspecto interessante é a reciprocidade na relação dos Guardiões com as crianças. Ao mesmo tempo em que eles representam e zelam por sentimentos como esperança, imaginação, alegria, capacidade de sonhar etc., eles dependem da crença dos pequenos para poderem existir e continuar seu trabalho. Isso gera alguns momentos tristes e reflexivos, bem coerentes dentro da narrativa, mas que talvez sejam resolvidos muito facilmente. Mas, como é um filme destinado a crianças, não dá para reclamar muito disso. Outro ponto negativo é que o protagonista fica devendo em matéria de carisma. Ágil, poderoso e com seu visual de personagem de anime, Jack Frost deve agradar crianças e pré-adolescentes, mas é inegavelmente insosso se comparado ao bom e velho Shrek ou ao Kung Fu Panda.

    Visualmente, o filme tem a competência habitual da Dreamworks, ainda que não traga nada inovador ou surpreendente. Também competente é a dublagem brasileira, nada devendo ao original (que conta com vozes famosas como Alec Baldwin, Hugh Jackman, Jude Law, entre outros). No fim das contas, A Origem dos Guardiões é uma boa recomendação até para quem não é particularmente fã de animações – caso deste que vos escreve.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Jack Reacher: Um Tiro

    Crítica | Jack Reacher: Um Tiro

    jack reacher - o ultimo tiro - poster brasileiro

    O escritor britânico Lee Child conseguiu uma interessante façanha ao compor Jack Reacher, personagem principal de uma série de livros de sucesso mundial. Suas características apontam para um típico herói de filmes de ação, em que músculos são mais importantes que um raciocínio lógico. Mas sua inteligência investigativa, próxima das narrativas de suspense, aprofunda a personagem.

    O romance Um Tiro foi a escolha certa para ser um cartão de visitas a quem desconhece a personagem. A história apresenta com precisão o protagonista, sendo um bom ponto de partida aos leitores. Na trama, um homem é preso após realizar um atentado que vitimou cinco pessoas. Alegando inocência, o atirador pede a presença do desconhecido Jack Reacher na cidade.

    Ciente das diferenças entre literatura e cinema, Christopher McQuarrie, que também dirige o longa, trabalha em um roteiro em que as primeiras cenas são realizadas sem nenhum diálogo, valendo-se apenas da trilha sonora e de sua potência dramática. Uma maneira eficiente de apresentar a parte inicial da narrativa sem precisar de muito tempo excessivo, focando mais tempo no que surge a partir da personagem central e nos desdobramentos de sua investigação.

    Tom Cruise funciona como Jack Reacher, sendo uma representação perfeita daquela vista nos romances de Child (embora antes de assistir a produção minha descrença era alta). Tem o rigor físico que compreende o uso da violência e a habilidade investigativa e dedutiva de um bom investigador analítico. Além de ser excelente na execução de cenas de ação, feitas, normalmente, sem uso de dublês.

    Consciente dos clichês que se repetem no gênero, a produção é capaz de colocar em cena um personagem que situa-se a frente do previsível, desmascarando a saída mais fácil, ao mesmo tempo que consegue sustentar a progressão do suspense.

    Cabe mencionar que Um Tiro foi o primeiro romance que li de Child, deixando-me impressionado com sua narrativa popular e bem articulada. O que me motivou a escrever um artigo sobre esta interessante personagem que é Jack Reacher.

  • Crítica | O Resgate

    Crítica | O Resgate

    o-resgate - poster

    A cada filme que estrela, Nicolas Cage dá passos para se tornar uma espécie de mito contemporâneo. Mesmo em uma época em que grandes atores não têm mais o prestígio de outrora e não cativam tanto público para suas produções, Cage continua realizando filme após filme e tendo um grande público, sendo alvo de montagens virtuais e, o mais estranho, figurando na capa de um livro de biologia de um país europeu com uma imagem retirada de Arizona Nunca Mais.

    Houve um momento em que sua carreira era respeitada. Além do Oscar em 1996, por Despedida em Las Vegas, tornou-se um astro de ação com diversas boas produções presentes no coletivo popular e sempre reprisadas na televisão aberta. Até quando resolveu esquecer o talento e qualquer método de interpretação possível.

    Ainda assim é personagem central em muitas produções. De dez anos para cá, estrelou vinte e quatro produções – a maioria repetindo os mesmos papéis, sendo O Senhor das Armas e O Sol de Cada Manhã os últimos vestígios de seu talento.

    Retomando a parceria com Simon West, que o dirigiu em Con Air – A Rota da Fuga, O Resgate é um tradicional filme de um bandido arrependido que, após a prisão, tenta fazer as pazes com a família, normalmente formada por mãe e uma filha adolescente que não gosta do pai. A reviravolta acontece quando um dos homens de seu bando sequestra a garota, exigindo sua parte do último assalto, que resultou na prisão da personagem.

    Com apenas noventa e seis minutos de duração, a motivação é muito clara. Um pai que fará de tudo para salvar a sua filha. O tempo relativamente curto em que se desenvolve a história é suficiente para ter agilidade e não pecar em apresentar reviravoltas desnecessárias. Mas outras tramas apresentaram a mesma história com mais vigor, como Busca Implacável.

    Em cena, Nicolas Cage está igual ao seu personagem em Motoqueiro Fantasma: Espírito da Vingança. Que, por sua vez, é igual ao de Reféns. Igual ao de Pacto Sobre Rodas. E assim segue. Repetindo o mesmo olhar meio agressivo, meio maluco, a voz descontrolada que sempre precisa se impor da maneira italiana: gesticulando ameaçadoramente.

    Em algum momento, o ator se perdeu. E hoje, ainda assim, continua produzindo filmes que devem ser vistos mesmo pelo riso involuntário. Pela sensação de ver em cena um ator que parece fingir não saber que tem descido uma triste ladeira sem fim.

    O mais impressionante dessa produção é saber que, no mesmo ano, o diretor West realizaria com Stallone Os Mercenários 2. Verificando sua filmografia percebe-se que o filme com Sly foi um dos poucos acertos entre diversos fracassos.

  • Crítica | Rurouni Kenshin: O Filme

    Crítica | Rurouni Kenshin: O Filme

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    Adaptações são um perigo. Nos últimos anos pudemos presenciar vários projetos para cinema que foram trazidos a nós como adaptações de livros e histórias em quadrinhos. Alguns foram grandes acertos e outros fracassos completos. Quando foi anunciado que um filme em live action de Rurouni Kenshin (mais conhecido no Brasil como Samurai X), mangá criado por Nobuhiro Watsuki, estava sendo produzidos e dirigido por Keishi Ohtomo, os sentimentos se dividiram. O meu particularmente esperou pelo pior, porém fui surpreendido.

    Rurouni Kenshin é ambientado em um Japão após a vinda da Era Meiji e conta a história de Kenshin Himura, um samurai que vaga pelo Japão ajudando pessoas e, ao mesmo tempo, tentando lidar com os fantasmas de seu passado, em que era um famoso e temido retalhador conhecido como Battousai.

    Este filme, especificamente, abarca os dois primeiros arcos do mangá/anime, que seria Kenshin tendo que enfrentar o excêntrico traficante de ópio Kanryuu Takeda e o assassino Jin-E, com algumas modificações. Esse é o primeiro ponto que vale a pena ressaltar do filme: como toda adaptação que se preze, uma série de mudanças na forma como se constrói a narrativa é realizada. A dificuldade de ultrapassar a barreira da adaptação foi vencida perfeitamente pelo roteirista Kiyomi Fujii, o qual produziu um roteiro coerente e crível, mesclando dois arcos que englobam uma quantidade considerável de plots em um único filme e excluindo momentos superficiais da história original. Todos os elementos principais e importantes estão lá.

    A escolha dos atores foi outro acerto. Takeru Sato interpretou perfeitamente Kenshin Himura. Desde o lado calmo e sereno de Kenshin, quanto a raiva incontrolável de Battousai (a dualidade do personagem) foram inseridas de maneira muito satisfatória em sua atuação. Munetaka Aoki interpretando Sanosuke Sagara não fez feio também. Seu personagem em diversas cenas rouba a atenção por seu modo de agir, que acaba provocando vários momentos cômicos. O elenco no geral foi muito bem escalado, respeitando fielmente as características físicas dos personagens na história em quadrinhos.

    A fotografia e as ambientações foram um diferencial que elevou ainda mais a boa execução do filme. Somos levados a um antigo Japão feudal meticulosamente reconstruído. O tom amarelado nas cenas comuns ajudam a contribuir com a beleza do filme, assim como as cenas em tom azulado e cinza conseguem mesclar bem com a atmosfera de terror e violência nas cenas em que Kenshin incorpora o retalhador que tanto almeja deixar para trás.

    O pouco uso de CG e efeitos especiais – estes apenas para inserir sangue e conferir efeitos de agilidade em algumas cenas de luta – corrobora o cuidado com que o filme foi desenvolvido. A trilha sonora espetacular e as cenas de luta muito bem coreografadas e empolgantes ajudam mais ainda ao fazer com que Rurouni Kenshin não seja apenas uma excelente adaptação, mas também um excelente filme de samurai, agradando até mesmo quem ainda não é fã de Kenshin, Kaoru, Sanosuke e todos os demais personagens que fazem essa história ser uma das mais cultuadas por todo o mundo.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Jovens Adultos

    Crítica | Jovens Adultos

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    A comprovação do talento de Jason Reitman, ou uma fortuita sorte, se deve ao fato de que seus três primeiros filmes – únicos, até então – são excelentes longas metragens. Histórias que mesmo em retratos diferentes equilibravam-se no drama cotidiano.

    Em seu quarto filme da carreira, Jovens Adultos, Reitman retrata a problemática de adultos que, mesmo em uma idade madura, não saíram da fase adolescente. Seja pela negação de responsabilidades ou pela incapacidade de assumir sua maturidade.

    Mavis Gary é uma escritora de uma série de livros para adolescentes frustrada com sua própria vida. Ao receber um convite em comemoração ao nascimento do filho de um ex-namorado, decide retornar a cidade onde foi criada com o intuito de tentar reconquistar seu grande amor do colegial.

    Reitman sempre dedicou seu olhar a personagens imperfeitas de alguma maneira. O vendedor de cigarros que não se importa com as perdas humanas de seu trabalho, a adolescente que engravida sem a verdadeira percepção do fato, o homem que se sente confortável somente em aviões. Dentro das personagens aquebrantadas trazia a tona um elemento humano primordial que identificava o público.

    A concepção infantil de Mavis chega a afastar de assustadora. Retira um elemento carismático de personagens anteriores pois explicita a frivolidade. Causa desconforto e não gera uma reflexão mais profunda como, até então, trabalhava o diretor, pois não há razão para o vazio da personagem além da negação de seu próprio fracasso.

    Ao retornar a um instante anterior de sua própria vida, a escritora aos poucos percebe sua anacronia. Mas a composição de tal sentimento soa tão em descompasso que sua história chega ao fim sem identificar de fato sua mensagem. Se é que há uma.

    Talvez desejando que dentro e fora de sua história existisse um vazio, a roteirista Diablo Cody – em seu quarto roteiro de longa metragem – tenha falhado na mensagem. A sensação é de que o material bruto continha uma história com mais força daquela que foi contada. Mas que não deixa de destacar o talento que, além de Reitman, a roteirista tem em explorar singularidades que abalam a todos.

  • Crítica | O Impossível

    Crítica | O Impossível

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    Ler que um filme é baseado em fatos reais em sua introdução sempre é um diferencial para o espectador na forma como ele enxerga a história ao longo da projeção. O Impossível, dirigido por Juan Antonio Bayona, vai contar o drama do casal espanhol María Belón e Enríque Alvarez – que no filme são interpretados como um casal inglês – que sobreviveram, junto de seus três filhos pequenos, ao tsunami que devastou a Ásia em 26 de dezembro de 2004.

    Filmes que contam histórias de catástrofe geralmente seguem um padrão de quererem explorar as calamidades em si. O diferencial de “O Impossível” é tratar mais proximamente das consequências do tsunami e, principalmente, das emoções passadas pelas vítimas. Isso por si só traz uma carga dramática mais expressiva à narrativa – e em nenhum momento de maneira forçada -, tendo em vista que o espectador vai basicamente acompanhar os protagonistas a superar seus limites físicos e emocionais, buscando pelos seus entes queridos e por salvação em meio ao caos e a destruição deixada pela natureza. Ao longo da trama somos apresentados a dramas de personagens secundários, que ajudam a imergir ainda mais o sentimento deixado pela catástrofe.

    Ewan McGregor e Naomi Watts são os grandes destaques do filme, interpretando o casal protagonista. Ambos demonstram uma atuação excelente ao passar a intensidade dos sentimentos vividos pelos personagens no contexto. O Impossível se demonstra um excelente drama e que garante emocionar a maior parte do público.

    Texto de  autoria Pedro Lobato.

  • Crítica | Batman: Ano Um

    Crítica | Batman: Ano Um

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    A DC Animated Universe tem realizado um bom trabalho em animações direcionadas para o home vídeo. Realizam com consciência as adaptações de suas tramas e sempre optam por histórias fechadas que funcionem de maneira a entregar um bom filme sem que o espectador tenha que ser leitor das revistas em quadrinhos.

    Recentemente, a editora tem investido em histórias clássicas, definidoras dentro do universo da personagem. A ideia é positiva, porém um tanto perigosa. Conhecemos tais histórias clássicas pela composição de narrativa e desenho. Uma adaptação pode ser um risco se muda os traços da história ou tenta amenizar o texto original.

    Em Batman: Ano Um os traços de David Mazzucchelli e cores de Richmond Lewis são emulados para que a adaptação tenha semelhanças com a versão original. A composição escura e um tanto assustadora se perde por causa da formatação. Há cenas retiradas com perfeição do gibi, outras estilizadas em exagero, resultando em um pequeno desequilíbrio.

    Mesmo com a pouca metragem, o ritmo não é tão frenético quanto no original, que abrange um longo espaço de tempo em cenas curtas, apresentando a evolução de Batman em sua jornada inicial de herói e Gordon reconhecendo a corrupção de Gotham. A tentativa de não perder o formato criado por Frank Miller retira a pouca liberdade que a animação poderia ter, escondendo tanto o herói que a história mais parece apenas o ano um de Gordon, e não o ínicio da longeva parceria dos amigos.

    A transposição da história para as telas, como aconteceu com o também clássico O Cavaleiro das Trevas, tira parte de sua identidade e não consegue uma nova à altura. Os desenhos bem compostos, com estilo cinematográfico, são bonitos por si, mas parecem destoar do elemento original e não apresentar uma das melhores histórias do morcego à altura.

    Ouça nosso podcast sobre Batman: Ano Um.

  • Crítica | A Viagem

    Crítica | A Viagem

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    Após atravessarmos as quase infinitas e desnecessárias três horas de A Viagem — o título original é Cloud Atlas. Vai entender esses tradutores brasileiros… —, chegamos ao fim da jornada com um sorriso no rosto. Primeiro pelo alívio de o filme ter terminado. Depois, por realmente termos achado muito engraçado tudo aquilo que os irmãos Wachowski (Matrix) e Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra) pretendiam nos apresentar como um estudo de grande profundidade filosófica.

    Pelo menos em tese, ‘A Viagem’ seria uma investigação sobre como os atos de cada pessoa influenciam a vida dos outros, seja no passado, presente ou futuro. Isso é mostrado ao público por meio de seis histórias interligadas que se passam entre 1849 a 2114.

    O conceito era interessante. Pena que ficaram só na intenção.

    A produção passa boa parte do tempo tentando embasar suas teorias em frases vazias, mas pretensamente cheias de sabedoria. Quer um exemplo? Veja: “Não importa se nascemos num tanque ou num útero: somos todos puro-sangue”. Quer outro? Segura aí: “Meu tio era cientista, mas ele acreditava que o amor era real”. E por aí vai…

    O filme é registrado numa escala que tem o mesmo tamanho de sua pretensão. Tudo parece grandioso, maior que vida, colossal. Tudo é feito para iludir os olhos do espectador. Não caia nessa: ‘A Viagem’ tem tanto conteúdo quanto uma casa vazia e, ao fim de sua exibição, sentimos na boca aquele gosto amargo de auto-ajuda.

    As caracterizações feitas em Tom Hanks, Halle Berry e Hugh Grant deveriam acentuar os aspectos dramáticos dos personagens. Porém, a maquiagem têm efeito contrário e deixa todos com visuais risíveis. Poucas coisas são mais desastrosas para uma obra que se pretende muito séria do que se transformar num espetáculo provocador de risos involuntários. Justamente o que acontece aqui.

    Único ponto positivo: o cuidado com a luz na fotografia concebida por Frank Griebe e John Toll.

    Importante: até agora, ‘A Viagem’ arrecadou apenas US$ 26 milhões dos US$ 100 milhões que custou. Logo, corre o sério risco de ser o maior desastre financeiro cinematográfico do ano. Uma espécie de John Carter de 2013.

    Sabemos o quanto Hollywood costuma ser implacável com pessoas envolvidas em projetos que resultam em tamanho prejuízo. Diante disso, é possível especular que o futuro da dupla que concebeu ‘Matrix’ seja um pouco mais complicado. Na melhor das hipóteses, a escala de produção diminuirá bastante e eles terão que topar orçamentos mais modestos.

    A única certeza que temos até o momento é que o filme é a maior piada involuntária dos últimos tempos.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Demolidor

    Crítica | Demolidor

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    Nos primeiros minutos de um documentário, que acompanha o primeiro disco desta versão de diretor, um dos editores faz comentários a respeito de sua metragem. Diz que para o lançamento do filme a opção foi reduzir um pouco da ideia original, deixando-o mais ágil e com mais cenas de ação, diferentemente da ideia do diretor, Mark Steve Johnson, que procurava algo mais denso e fluido, com momentos para explicações e um pouco menos de ação.

    Este pequeno trecho simboliza a diferença entre um editor pago para realizar um filme blockbuster sem se importar com sua qualidade e outros que tentam, mesmo em filmes neste formato, manter uma base narrativa.

    Demolidor foi a primeira adaptação de quadrinhos a ser um sub-produto dos sucessos anteriores. Pouco dinheiro foi investido no projeto, cuja missão primordial era um arrecadamento médio. Sem mais ganas, o resultado desse pensamento se tornou nada promissor. O descompasso é tão claro que o fraco diretor lançou sua própria edição do filme, com minutos a mais, tentando melhorar a fraca história e recuperar um pouco de sua imagem perante os fãs de quadrinhos.

    Mesmo trabalhando com um material bruto inexpressivo, seu trabalho tem um ganho positivo em relação ao original, mas nada excepcional. Os erros desenvolvidos na trama estão concentrados em sua estrutura. Nenhuma edição poderia salvá-la.

    A começar pela obtusa escolha do elenco — como colocar o gordinho Ben Aflleck para fazer o ágil Demolidor quando, por ator cogitado na época, Matt Damon seria mais indicado para o papel até fisicamente. Sem deixar de lado excessos de liberdade poética, transformando o rei do crime em negro e o Mercenário, grande vilão do Homem Sem Medo, em um patético personagem nas mãos de Colin Farrell, que despontou em um filme de Joel Schumacher e, depois de entregar mais uma atuação competente, vem desapontando desde então.

    Com um pouco mais de duas horas de duração, a nova edição deixa a trama mais explicada, tentando se aprofundar no drama de Matt Murdock. Mas a falta de credibilidade que Affleck passa, de um cego canastrão, não dá espaço para que se compreenda seu heroísmo.

    É lamentável que um personagem tão excelente como Demolidor tenha sido o escolhido para ser o primeiro filme B de quadrinhos, elemento parecido com o que aconteceria com o Quarteto Fantástico mas, dessa vez, voltado ao entretenimento familiar.

    Murdock é o herói que possui uma das carreiras mais estáveis nos quadrinhos, com sagas memoráveis, além de ser carismático. Nas telas virou uma mistura insossa de senso comum e de atores mal selecionados, que culminam na Electra Natchios de Jennifer Garner.

    Ouça nosso podcast sobre Ben Affleck.

  • Crítica | Atração Perigosa

    Crítica | Atração Perigosa

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    Depois de surpreender o público com uma boa direção em Medo da Verdade, Ben Affleck dá sequência a sua nova carreira sem se desapegar de uma história policial. Atração Perigosa comprova que Affleck não teve sorte de principiante e, ao contrário de sua naufragada carreira como ator, apresenta domínio ao narrar uma história.

    Baseada no romance Prince Of Thieves, de Chuck Hogan, a trama se passa em Boston, no bairro de Charlestown — alardeado no início do filme como um local conhecido pelo alto índice de assaltos a banco, um ambiente em que pais passam seus ensinamentos aos filhos como uma tradição.

    Doug MacRay (Affleck) é o mentor de um grupo de ladrões que, mesmo em um assalto bem sucedido, decide levar uma refém como segurança. Encarregado de resolver a situação, Doug se aproxima da moça à procura de um novo rumo para sua vida.

    A tensão se produz tanto dentro do próprio grupo, com MacRay desconfortável ao executar um novo golpe que colocaria o grupo em desnecessário destaque em investigações policiais, como na relação que estabelece com a vítima Claire, que acreditar viver um relacionamento saudável.

    Além da direção bem executada também nas cenas de ação, a fotografia de Robert Elswit destaca a crueza do ambiente de uma cidade que não parece encontrar espaços para a ternura e para novas oportunidades de mudança de vida. Porém, a temática de ladrão arrependido que busca mudar de vida não é nova.

    Com a receptividade positiva do filme, Affleck reconquistou parte do carisma perante ao seu público e planeja realizar uma continuação desta trama que, mesmo com algumas qualidades evidentes, me deixa com a sensação de que poderia ser melhor. Ainda que não consiga explicar a razão.

    Ouça nosso podcast sobre Ben Affleck.