Categoria: Cinema

  • Crítica | Riocorrente

    Crítica | Riocorrente

    A cidade disforme de São Paulo é o quarto e onipresente personagem de Riocorrente. Representa um ambiente hostil acompanhando as desventuras de um triângulo amoroso na metrópole. A primeira obra ficcional de Paulo Sacramento, realizador do excelente documentário O Prisioneiro da Grade de Ferro, produz exageradas representações contemplativas em uma história que vai além do tradicional.

    Em cena, três pilares estão interligados por uma relação carnal de amor e ódio. Marcelo (Roberto Audio), colunista de um famoso jornal de grande circulação; Carlos (Lee Taylor), lutando para sobreviver de maneira honesta sem recorrer ao crime; e o elemento que conecta ambos de maneira oculta: a relação com Renata (Simone Iliescu), uma mulher que se sente confortável na relação dupla, sem preocupação monogâmica. A narrativa apresenta personagens em condições diferentes, como uma análise sociológica das disparidades encontradas na cidade. Marcelo representa o homem bem-sucedido, morador de um modesto apartamento, e Carlos, o sobrevivente diário da agressividade das ruas.

    Acompanhando Carlos, há uma criança chamada Exu (Vinícius dos Anjos). Sua história não é revelada, mas é inferido que o garoto órfão é tutelado informalmente por Carlos. O menino transita descalço pela cidade, caracterizando o exemplo mais evidente do simbolismo da produção. Presente em poucos momentos, mas em diversos locais, Exu é como uma divindade observadora de um universo caduco. Uma criança que deveria ser inocente, mas que conheceu o lado brutal da vida.

    As cenas contemplativas apontam a cidade como uma personagem maldita. E, de maneira tímida, insere-se na trama um elemento fantástico que se amplia até o final da produção. A realidade da capital paulista abre espaço para cenas que projetam o sentimento das personagens. Marcelo, em uma madrugada vazia, permanece parado em um semáforo que nunca abre, um alerta de estagnação direcionado a si mesmo. A cabeça de Carlos entra em combustão, como se este fosse um homem raivoso vivendo um momento que não considera adequado. Representado em uma cena, há também um cartaz onde o rio Tietê aparece em chamas. Todas são personagens símbolo de uma cidade que não parece progredir. Papéis simbolísticos que se traduzem em cenas poéticas de reflexão às vezes exagerada, como aquela em que Exu encontra um Leão engaiolado. Uma metáfora de um animal selvagem preso e que parece desnecessária diante da conduta da personagem e do roteiro.

    A estética escolhida por Sacramento é um experimentalismo cênico situado entre o realismo e o fantástico, resultando em uma história lenta e metafórica, que depende de parte do público compreender as suposições que deseja em seu roteiro. Fosse uma trama mais realista, que expusesse os conflitos das personagens, talvez alcançasse um significado maior. Sendo um objeto simbólico, a obra permanece inacabada, e cada espectador deve interpretar Riocorrente para si, à procura da total compreensão narrativa.

  • Crítica | Maze Runner: Correr ou Morrer

    Crítica | Maze Runner: Correr ou Morrer

    Na última década, o cinema sofreu uma explosão de adaptações de sagas literárias contemporâneas voltadas ao público jovem. Podemos dizer que o ponto de partida se deu com a saga do bruxo Harry Potter, com sete livros protagonizados pelo personagem e suas oito bem-sucedidas adaptações. Devido a esse sucesso, pudemos ver na tela grande outros livros se transformando em grandes produções cinematográficas, como As Crônicas de Nárnia, Eu Sou o Número 4, A Hospedeira, Percy Jackson, Instrumentos Mortais, Divergente e os sucessos Crepúsculo e Jogos Vorazes.

    Ainda é difícil saber qual rumo tomará a saga The Maze Runner escrita por James Dashner, mas o primeiro filme, Maze Runner: Correr ou Morrer, dá indícios de que poderá se tornar uma franquia bem-sucedida, e esse sucesso, pelo menos em relação ao primeiro filme, que é um bom thriller voltado ao suspense, pode se dar, inclusive, por seus aspectos técnicos, haja vista que o custo da produção, estimado em 34 milhões de dólares, foi facilmente coberto, arrecadando mundialmente até o mês de novembro de 2014 mais de 300 milhões de dólares. Ademais, o filme foi rodado em menos de um mês, usando praticamente apenas três locações.

    A primeira cena já causa uma boa impressão, quando o jovem Thomas (Dylan O’Brien) acorda dentro de um elevador de carga bastante barulhento e levemente assustador. Thomas percebe que divide o espaço com alguns mantimentos e um porco. Ao chegar ao seu destino, outros jovens o retiram do elevador e o colocam dentro de uma espécie de prisão. Vale destacar que Thomas perdeu a memória e não se lembra sequer de seu nome. Minutos depois, é solto pelo líder do local, Alby (Aml Ameen), que explica, juntamente com Newt (Thomas Brodie-Sangster), que todos ali estão presos dentro de um enorme labirinto há anos e que por isso convivem de forma pacífica, cada um com suas responsabilidades. Assim, a sociedade, toda composta por adolescentes do sexo masculino, que vivem dentro do labirinto, é bem dividida entre agricultores, marceneiros, cozinheiros etc.

    Thomas percebe que, além destes prestadores de serviços, há também alguns garotos que todos os dias se enfiam dentro do labirinto buscando uma saída. Estes são os corredores. Todo dia, pela manhã, um grande portal se abre e só se fecha durante a noite, sendo que aqueles que não voltam não sobrevivem a uma única noite dentro do labirinto. Segundo Alby, criaturas conhecidas como Verdugos saem durante a noite para patrulhar a região.

    As coisas começam a mudar com a chegada de Thomas, o protagonista da trama que está desesperado para sair de lá. Os Verdugos passaram a sair durante a tarde, o que leva Gally (Will Poulter), um dos conformados a viver ali para o resto da vida, a crer que Thomas é o culpado por tudo de ruim que começou a acontecer na vila. A situação piora com a chegada de uma jovem chamada Teresa (Kaya Scodelario), a primeira mulher em toda a história da vila e que carrega um bilhete dizendo que ela será a última pessoa a ser enviada ao lugar.

    A película dirigida pelo estreante Wes Ball (bastante experiente em departamentos de arte) convence no que diz respeito às cenas de suspense, e isso com certeza é mérito do diretor e dos roteiristas Noah Oppenheim, Grant Pierce Myers e T.S. Nowlin, que souberam aplicar momentos de tensão na medida certa, sem soar forçada. E esse é o ponto chave do filme, que acaba por deixar aquele que desconhece os livros ansioso sobre o que vai acontecer após o final do terceiro ato. As cenas de ação, aliadas à correria por dentro do labirinto, também não deixam a desejar, prendendo a respiração do espectador em um momento ou outro.

    Com isso, o filme consegue se sobressair num formato que, hoje em dia, já está bastante desgastado pelas franquias Jogos Mortais, Jogos Vorazes e o filme O Segredo da Cabana. Isso foi o suficiente pra garantir, pelo menos, mais um filme: a adaptação do segundo livro intitulado Maze Runner: Prova de Fogo. A nova produção já está sendo filmada e sua estreia é prevista para o segundo semestre de 2015.

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    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | Mil Vezes Boa Noite

    Crítica | Mil Vezes Boa Noite

    Se toda atuação de Juliette Binoche fosse levada tão a sério como cada uma merece ser, ela seria a vencedora unânime em todas as premiações, ano após ano, filme após filme – vide Camille Claudel 1915, onde fez a grande atuação feminina de 2013. Aqui, é novamente uma lutadora sem armadura, Rebecca, que agora deve escolher, por imposição de ideais familiares, entre a família ou o campo de batalha. Sua guerra é a fotografia, sua guerra e seu bálsamo para algo extra-habitat caseiro que lá ela jamais consegue saciar – uma sede que não termina na presença das filhas, sequer na do marido, ambos dependentes de seu amor. O coração da fotógrafa depende do mundo, do mar, do fogo, dos quatro elementos, como nos é indicado desde a primeira cena: a impiedosa explosão em uma van no Oriente Médio.

    O fogo da chacina coletiva, o ar entrecortado pela fumaça, a terra rebuscada ao redor e a água salgada que verte dos olhos da mãe, que lá é apenas uma fotógrafa que encontra sua paz em qualquer condição, ou situação, que demande registro por seus olhos, vulgo câmera. Nessa analogia respeitável – e quase óbvia – do cineasta com a paixão pelo Cinema, Mil Vezes Boa Noite torna respeitável esconder dilemas políticos dignos de registro por trás da serena história principal. O filme é uma árvore frondosa que, fotografada às 17 horas, faz com que conseguimos enxergar as raízes e, a partir de cada um de nós, deduzir muito ou pouco da copa e seus frutos ainda banhados ao sol. Sim, é um filme que brinca com nossa lucidez, sobre o que podemos sentir, e o que não devemos sentir vergonha de não poder. Mas o que uma águia prefere: ficar sentada em segurança num poleiro ou se arriscar nas tempestades onde nasceu para estar?

    O dever chama, e o filme brinca de forma natural, e por vezes graciosa, com o livre-arbítrio da protagonista, pois tal qual a mulher homônima do clássico de Hitchcock, Rebecca busca sua identidade no que repousa além do que os olhos podem ver. Por mais irônico que isso seja, num filme em que a foto e o diegético são o eixo principal de uma narrativa de encontros e despedidas entre personagens que passam pela vida de Rebecca feito bolhas na espuma do mar – captadas para sempre mas que nunca voltam em seguida. O preço da liberdade surge e geme pedindo estrada, pedindo futuro quando ela, espécie de alterego da cineasta Agnès Varda, mostra fotos obituárias, lindas e trágicas a sua filha, tiradas pela mãe no Congo, em um dos flashbacks que o filme nos apresenta através da imagem estática, mas tremida e profunda nos closes em Binoche, extraordinária atriz, com sua ansiedade pela batalha em cada momento, em todo suspiro, em cada vacilo. É duro criar o próprio céu para voar, toda águia sabe disso.

    Não há espaço, felizmente, a algum humor ou suspense involuntário no filme, posto que é bem colocado e conduzido em seu gênero dramático por excelência. Um retrato humano sem máscaras ou photoshop aos fatos e emoções transpostas com elegância e delicadeza, tampouco variações de moldura devido às visões semelhantes que todo espectador pode ter da história – mas engana-se quem chamar o filme de previsível, essa pode ser a última coisa que Mil Vezes Boa Noite é, afinal. Típico pequeno filme atemporal, de impressões além-tela, alheio a efeitos de percepções imediatas.

    Nas entrelinhas, sobretudo, há, até certo ponto, até quando interessa de haver, um gostoso e indolor tom ingênuo e emocional que sugere a ideia de equilíbrio entre o que é particular e o ofício de Rebecca, como se o diretor Erik Poppe expressasse sua posição quanto à situação dela muito antes do clímax de seu melhor filme até agora. Filme maduro, de ritmo certinho e quase documental para nos informar sobre tudo da melhor e de mais simples forma possível, que não subestima seu poder, jamais, e o usa com uma sempre bem-vinda sabedoria artística à tona naquilo de sólido e consistente que habita os méritos de belos filmes como esse. Esses que nunca lotam salas de cinema populares, mas que abusam das fronteiras da arte enquanto analista da vida real.

  • Crítica | Uma Longa Viagem (2011)

    Crítica | Uma Longa Viagem (2011)

    O grito de liberdade se confunde com as fotos de família, saudosos retratos de tempos bem mais simples que aqueles em ebulição em meio aos anos 60. Foi a preocupação do clã que levou os responsáveis pelo jovem (de nome incógnito no começo da fita) a enviar o caçula para uma viagem a Londres, com a intenção de livrar o rapaz de se infiltrar nos grupos revolucionários, já que a sua irmã, Lúcia Murat, estava presa. A mulher encarcerada cresceria, se tornaria cineasta e faria do assunto de sua especialidade – a Ditadura Militar no Brasil – o pano de fundo para contar sua história.

    O jovem, vivido por Caio Blat, relembra em suas cartas o motivo de estar nesse exílio, conduzido de modo eufemístico, em que os diplomas que conseguiria em solo britânico de nada valeriam para si, nem mesmo na condução de uma nova profissão. Os depoimentos do “próprio” revelam suas amizades na Inglaterra, russos infiltrados naquela sociedade capitalista e que foram deportados para “jogar futebol com os gatos”. Ele prossegue fazendo uso contínuo de drogas, já que em solo brasileiro não tinha acesso a elas.

    A exposição da intimidade dos irmãos é corajosa e muito sensível. O irmão narra suas vivências em Cannes, no festival da Palma de Oro, que serve de pano de fundo para Murat contar sua experiência libertadora com o cinema e como sua carreira a ajudou a superar seus traumas. É somente neste momento que a narradora e realizadora pronuncia o nome de seu irmão que vivia em outra paisagem: Heitor.

    O documentário dá lugar ao drama em diversos momentos da exibição, convivendo na mesma tela as duas abordagens de modo amalgamado. Entre a busca de novas bad trips e de mais dinheiro para investir em haxixe, são feitas viagens para lugares ermos nos quais se louva especialmente o subdesenvolvimento do Afeganistão e Paquistão, onde a não chegada da civilização moderna contrasta com a realidade da Inglaterra e do Brasil. A estadia dos meninos era quase todo na rua, onde dormiam com homens santos, cercados de animais silvestres, pavões, macacos e outros animais silvestres, claro, tudo regado aos entorpecentes que eles tanto buscavam e que deixaram sequelas, fruto daquela porralouquice.

    A figura de Heitor é assustadoramente carismática e aclamada, já que sua vida foi talhada pelas vivências transgressoras e das desventuras além oceano Atlântico, ao redor de um globo explorado de modo dionisíaco, metade Gonzo metade Kerouac, sem qualquer compromisso com a normalidade ou com o método apolíneo de viver.

    As distâncias longitudinais e o torpor que Heitor tinha com seu amado haxixe não o livraram de ter notícias dos seus familiares e entes queridos. Por quase não ter uma estalagem fixa, complicava-se a situação de conseguir receber as correspondências de seus pais e irmãos. As cartas que recebia dos seus queridos demonstram o quão importante é aquele meio de comunicação, tanto para a vida comum de Heitor quanto para a narrativa da fita, uma vez que é através delas que se contam e se narram as múltiplas tramas poéticas da história.

    A volúpia por estar entorpecido começou pelo ócio, pela vontade de ocupar seu tempo e pela ausência de trabalho, mas talvez seja explicado, na vida de Heitor, pela saudade que tinha dos seus. Certamente, havia em seu comportamento uma vontade de transgredir, o que faz teorizar que o viés revolucionário estivesse impresso no DNA daquela geração familiar. No entanto, a internação tornou-se inevitável.

    A magreza de Caio Blat nos últimos momentos em tela emula a fragilidade corporal de Heitor naqueles tempos. Em 1978, ele seria capturado na Índia, na embaixada brasileira, fora de controle. Heitor teve a sorte de quem iria até lá (sua mãe) para buscá-lo, ao contrário dos muitos outros que cercavam a embaixada norte-americana à espera de certa compaixão da civilização ocidental não tão pobre ou paupérrima como a que ele estava.

    O cuidado da diretora em não subestimar a sociedade indiana – ou qualquer outra das que foram mostradas em tela – é atroz, já que a injustiça com tais povos denegriria seu emocionado relato e a história de seus parentes. Uma Longa Viagem é mais uma mostra da total maturidade de Lúcia Murat enquanto cineasta e contadora de histórias e que reporta múltiplas realidades.

  • Crítica | A Rede Social

    Crítica | A Rede Social

    A Rede Social 3

    Maior fenômeno da internet dos últimos anos, o Facebook sempre esteve envolto em controvérsias desde sua criação pelo estudante de Harvard Mark Zuckerberg em 2003. Atualmente, devido à dinâmica e velocidade da informação, entender a complexidade das relações que fazem algo tão grande existir, assim como as mudanças que tais eventos causam na sociedade, nunca é fácil. O Facebook caracteriza-se por essas mudanças. Alterou, junto com outras empresas, a dinâmica do empresariado jovem americano, além de ter mudado para sempre o comportamento e as formas de relacionamento de toda uma geração. É dentro do contexto de criação do Facebook que foi publicado, em 2009, o livro Bilionários por Acaso, escrito por Bem Mezrich, contando uma versão sobre o surgimento da rede social e as brigas judiciais pelos seus direitos criativos. O livro teve a consulta de Eduardo Saverin, o que impactará o resultado final do filme. Em 2010, o conhecido roteirista Aaron Sorkin e o diretor David Fincher adaptam o livro para o cinema, dando origem ao filme A Rede Social.

    O filme começa contando a história do jovem e complicado estudante Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em Harvard, com um diálogo – típico das produções de Aaron Sorkin, rápido e difícil de acompanhar – com sua namorada Erica Albright (Rooney Mara). Após ser insensível e condescendente de uma forma quase brutal com ela, o namoro termina, e, com raiva, Mark retorna a seu dormitório e resolve criar, com a ajuda dos colegas de quarto Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e Dustin Moskowitz (Joseph Mazzello), um site com um catálogo de fotos de garotas, também estudantes de Harvard, em que as pessoas poderiam entrar e dar notas a elas. Tudo isso era feito enquanto Mark escrevia a respeito em seu blog, detalhando o processo de hackeamento dos bancos de dados das páginas das fraternidades em busca das fotos. A quantidade de acessos derruba a rede de Harvard e trará consequências para o estudante.

    Após enfrentar os problemas, Mark tem contato com os irmãos gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (Armie Hammer), este que dá a ele a ideia de criar uma rede exclusiva para alunos de Harvard. Após aceitar a proposta, Mark desaparece por semanas até o seu site thefacebook.com estar no ar, o que enfurece os irmãos. Os acessos ao site se expandem exponencialmente em várias universidades americanas, até chamar a atenção do jovem e excêntrico empreendedor Sean Parker (Justin Timberlake), criador do polêmico Napster alguns anos antes. Parker fornece a Mark uma visão nova e diferente sobre a modernidade dos negócios e das possibilidades a respeito do Facebook, causando tantos problemas entre ele e Saverin que acabarão indo para a Justiça.

    A estrutura do filme alterna momentos do passado dos jovens e momentos nos quais estão se enfrentando nos tribunais americanos a respeito dos direitos de criação do Facebook. Em um primeiro momento, essa alternância causa uma certa confusão e estranheza no espectador, mas após alguns minutos a estrutura é reconhecida e tudo fica mais claro, favorecendo o desenvolvimento da história.

    Apesar de os diálogos de Aaron Sorkin por vezes se atrapalharem na história por conta de sua rapidez e da quantidade de termos, piadas e referências, é interessante ver sua proposta de, em momento algum, rebaixar esses diálogos para um público geralmente tão acostumado a receber tudo mastigado das produções cinematográficas. O exercício de tentar acompanhar os diálogos e compreendê-los em sua totalidade é desafiador e instigante.

    A direção de David Fincher, com sua capacidade técnica recorrente, fornece uma recriação daquele momento único na história de maneira pujante. Utilizando o frio e a escuridão do inverno de Massachusetts, o (auto?) isolamento social de Mark é sempre reforçado em sua postura corporal e posicionamento da câmera. As cores escuras, azuladas e em tons pastéis também compõem o cenário rico e ao mesmo tempo frio e distante da juventude atual, onde todos estão sempre juntos, conectados, mas afastados.

    Toda essa composição das cenas é novamente auxiliada pela fantástica trilha sonora da já conhecida dupla Trent Reznor e Atticus Ross. Os músicos, que já trabalharam com Fincher em outros projetos, atingem seu nível máximo de qualidade ao inserir em cada momento os elementos certos, ajudando a compor o tom das sequências e das atuações, ajustando-os em um encaixe perfeito com a narrativa. Ela funciona tão bem que vale a pena ouvi-la separadamente.

    Jesse Eisenberg consegue compor um Mark Zuckerberg que vai além da semelhança física. Traço marcante de suas atuações, a fala rápida e a postura de “nerd” ajudam o espectador a acreditar. a todo o instante, que aquele é o criador do Facebook. Sua falta de empatia e emoção ao lidar com amigos e pessoas que eram tão queridas vão transformando-o, pouco a pouco, em um vilão semitrágico, pois sua postura moral e seus valores estão todos inseridos nas regras de utilização da rede social: ao mesmo tempo que fotos e vídeos de violência, e páginas que propagam discursos de ódio contra minorias são permitidos, fotos expondo minimamente o corpo feminino são logo retiradas do ar, assim como conteúdos políticos que possam se opor ao establishment. Todas essas características de sua personalidade estão claras na composição de seu personagem, assim como sua arrogância e falta de conhecimento e prática em lidar com a diversidade de pensamento e de pessoas.

    Portanto, o maior mérito de A Rede Social não é a discussão judicial sobre quem teve a ideia de criar o Facebook, ou mesmo que fim levou tudo isso. Esse tema é usado como pano de fundo para se discutirem as relações humanas em épocas em que a humanidade, e seu contato real, parece ter cada vez menos valor frente a um mundo dominado pelo mercado dos valores simbólicos, no qual é mais importante parecer do que ser. É mais importante mostrar o que está se fazendo do que realmente aproveitar o momento, alterando até mesmo todo o significado da experiência humana.

    Dentro deste contexto, acompanhar a degeneração do relacionamento de Mark com todos os que o cercam é sintomático, pois vemos que alguém sem muitas noções de relacionamento com outras pessoas foi capaz de criar uma rede que une milhões de pessoas ao redor do mundo, de várias línguas e culturas. A prova definitiva de que o relacionamento virtual é um simulacro nem sempre confiável a respeito de nossa humanidade. A análise do comportamento humano é interessante, e a visão de Fincher e Sorkin sobre esse caso tão emblemático da humanidade nos auxilia não só a compreendermos um pouco mais a época e as pessoas que nela vivem, mas também ajuda a nos entendermos. Talvez um pouco mais do que gostaríamos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    A já estabelecida franquia de Hollywood (e com uma legião de fãs) Jogos Vorazes retorna em 2014 aos cinemas do mundo com a primeira parte da adaptação do terceiro livro da série, usando uma tática atualmente cada vez mais comum da indústria, que é a de aproveitar-se de filões lucrativos por mais tempo em detrimento dos elementos criativos da história.

    Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 mantém os protagonistas de Jogos Vorazes e Jogos Vorazes: Em Chamas e dá continuidade a suas histórias. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) luta consigo mesma para conseguir superar os problemas emocionais decorrentes de tamanha pressão pelas escolhas da personagem, e também incumbidas a ela após ter sido salva pelos rebeldes. O amigo de seu distrito natal, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth), volta a ter participação ativa ao se juntar à rebelião do Distrito 13. Peeta Mellark (Josh Hutcherson) está nas mãos da Capital. Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) e Haymitch Abernathy (Woody Harrelson), junto com Effie Trinket (Elizabeth Banks), agora abandonaram completamente a vida na Capital e se dedicam exclusivamente à rebelião do Distrito 13, comandada pela Presidente Alma Coin (Julianne Moore).

    O filme se inicia logo após os eventos finais do anterior, quando Katniss é resgatada da arena dos Jogos, onde estava pela segunda vez. Após atirar a flecha em claro desafio contra a Capital, várias insurreições em diversos Distritos começam a surgir, sendo severamente reprimidos pelo presidente Snow (Donald Sutherland). A rebelião quer usar Katniss como símbolo para aumentar a adesão de pessoas ao exército rebelde e fortalecer a luta enquanto ela ainda existe. Enquanto isso, a Capital luta para apagar os focos de revoltas e manter seu poder intocado.

    A dinâmica entre os distritos e a Capital então sofre uma alteração significativa, pois não são meramente espectadores passando a ter algum grau de protagonismo em suas vidas, seja para decidir aderir à luta ou ignorá-la. Porém, o que falta dentro dessa dinâmica é justamente caracterizar melhor quem são estes distritos e as pessoas que os compõem e por que elas haveriam de largar suas vidas para aderir a uma rebelião, ou mesmo como essa rebelião se configurou em cada distrito e com cada líder local. Já que houve a opção pela divisão em dois filmes, havia espaço para problematizar ao menos um pouco desta história. Ao focar somente os protagonistas, a “revolução” parece não ter corpo o suficiente, sendo movida apenas por meio de escritórios.

    As referências a eventos ocorridos na história da humanidade, em especial às revoluções de esquerda, são também muito claras. Desde trabalhadores braçais pobres com roupas sujas andando em fila e forçados a trabalhar, mas que se revoltam contra o “sistema”, até os dirigentes revolucionários frios e calculistas, que fazem tudo pelo bem do povo sem consultá-lo. O uso dessas imagens torna a compreensão do espectador clara de que se trata de uma luta do bem contra o mal, dos explorados contra exploradores, uma reprodução essencialmente fiel do conceito de “luta de classes” de Karl Marx, mas, assim como os filmes anteriores, sem a profundidade mínima para entender de onde vêm aquela revolta e os recursos humanos e materiais para mantê-la contra uma Capital tão poderosa.

    É clara também a referência aos pobres daqueles distritos, onde alguns são mostrados parecendo-se com escravos negros do sul dos EUA, enquanto outros, em um hospital visitado por Katniss, assemelham-se a pessoas inseridas em contextos de países da África enfrentando crises humanitárias. É literalmente jogado na cara do espectador médio o imaginário clássico da pobreza, sem muita problematização.

    Um dos eventos chave do filme, a explosão de uma usina hidrelétrica que abastece a Capital, sofre justamente essa falta de embasamento. Como os rebeldes chegaram ali? Uma usina estaria tão insegura? Como conseguiram os explosivos? Quem os montou? Quem treinou esses trabalhadores pobres e super explorados em táticas de guerrilha? Não sabemos. E fica por isso mesmo.

    Porém, o principal defeito do filme é o excesso de espaço que a fragilidade emocional de Katniss toma em tela. A cada momento, nos deparamos com algum evento em que ela muda de ideia sobre participar da revolução, e essa repetição se torna cansativa. Essa constante alternância entre a personagem forte, líder de uma revolução, e uma jovem confusa teria seu propósito caso fosse direcionada a algo específico, e não acontecendo a cada hora.

    Com tantos problemas, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 talvez não conseguiria empolgar, porém acerta em muitos pontos. Ele consegue lidar bem com as cenas de ação e as transições entre as histórias, que em momento algum ficam confusas. A tensão das cenas finais é bem construída, assim como as surpresas de roteiro ali encaixadas. A constante utilização dos meios de comunicação como propaganda em um contexto de guerra é muito bem explorada, no sentido de mostrar como as ideias das pessoas podem ser manipuladas de acordo com o conjunto correto de sons e imagens, levando-as a acreditar em A ou B.

    A semelhança com os reality shows dos primeiros filmes dessa vez é afastada, dando lugar a um estilo utilizado em coberturas jornalísticas de frontes de guerra, que se iniciaram no Vietnã, mas que se tornaram, hoje em dia, muito comuns. Assim, cotidianamente o mundo “desenvolvido”, enquanto está jantando e vendo televisão, assiste a pessoas se matando nos locais mais remotos do planeta, sem o menor problema.

    O principal defeito do filme reside justamente na escolha de dividi-lo em duas partes, em que ao mesmo tempo que se esticam cenas desnecessárias, encerram-se, no final do filme, situações de forma abrupta, contando com a promessa de que espectador vá ver a última parte daqui a um ano. Nos resta esperar que o desfecho da história seja um pouco mais honesto consigo mesmo em relação às expectativas criadas, mas – principalmente – com o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Quarto do Pânico

    Crítica | O Quarto do Pânico

    O início da década de 2000 não foi muito generoso com alguns dos maiores cineastas da modernidade. Os irmãos Coen patinavam com produções como O Amor Custa Caro e Matadores de Velhinhas; Terrence Malick trazia o bom, mas cansativo, O Novo Mundo; Martin Scorsese sofria com duras críticas ao filmes Gangues de Nova York e O Aviador, dentre outros exemplos. Nesse contexto, David Fincher não conseguiu escapar da curva com seu quinto filme como diretor: O Quarto do Pânico.

    O filme abre-se de maneira bem interessante, com tomadas externas de pontos específicos de Nova York, enquanto os seus componentes, como os prédios e seus vidros espelhados, se misturam, refletem e interagem com as letras dos créditos, causando um belo efeito visual. Após termos contato com toda a amplitude da cidade, o foco se volta aos personagens principais, Meg Altman (Jodie Foster) e Sarah Altman (Kristen Stewart), que visitam uma bela e enorme casa, incomum em Manhattan.

    Por estar se divorciando do rico marido, Meg procura uma nova casa para ela e sua filha, e dinheiro não é problema. Porém, a casa pertencia a um investidor paranoico que construiu em seu lar uma verdadeira fortaleza para resistir a tudo, especialmente invasores, transformando seu quarto em um “quarto do pânico” revestido de aço, concreto e com linha telefônica separada, sistema interno de TV, além de um estoque de água e outros itens de sobrevivência. Ao adentrar o quarto fechado, Meg se vê sofrendo os sintomas da claustrofobia, que estranhamente irá passar conforme o filme avança. Mas, mesmo assim, fecha o negócio e se muda para a casa.

    Na noite da mudança, três homens invadem a casa para roubar o cofre que se encontra justamente dentro do quarto secreto. Títulos ao portador que valiam milhões. Os invasores Burnham (Forest Whitaker), Raoul (Dwight Yoakam) e Junior (Jared Leto) não sabiam que teriam moradores na casa porque Junior se confunde com as datas: por meio de uma desculpa muito preguiçosa do filme de tornar tudo um simples “acaso”, Junior acha que 14 dias são três semanas, acreditando que só seriam contados os dias úteis. Raoul, o desconhecido que Junior traz sem avisá-lo do assalto, já se mostra desde o início portador de uma estranha e violenta personalidade, que assusta o pacato Burnham, funcionário de uma empresa em que trabalha instalando equipamentos de segurança, como os do quarto da casa.

    Os três decidem realizar o trabalho mesmo assim, mas ao descobrir que existem invasores no domicílio, Meg e Sarah se escondem no quarto do pânico, e aí que começam os problemas para ambos os grupos. A tensão é bem estabelecida e mantida durante o segundo ato, pois se dentro do quarto mãe e filha estão seguras, não houve tempo de ligarem todos os equipamentos de segurança, como o telefone, além de Sarah ser diabética e não ter levado sua injeção de insulina.

    Enquanto Junior e Raoul tentam de forma brutal achar um jeito de entrar no quarto, Bunham tenta tirar de lá as duas moradoras de várias formas, uma engenhosidade dos personagens, especialmente de Meg, que soa um pouco estranha, como se qualquer cidadão normal pudesse tê-la, ainda mais sob tamanho stress.

    A relação entre os próprios bandidos começa a mudar quando suas divergências sobre os métodos de como lidar com a situação começam a ir por caminhos muito diferentes. Bunham não quer machucar ninguém, e Raoul não se importa com isso, tanto que Junior é morto por este, agravando a tensão entre ambos.

    Após Meg conseguir fazer um contato mínimo com seu ex-marido, este aparece e é usado como refém pelos bandidos, o que força Meg a sair novamente do quarto. Porém, Sarah lá permanece e Meg consegue jogar para ela o estojo com a insulina.

    Bunham abre o cofre e pega os papéis, que eram muito mais valiosos do que pensavam. Mas Raoul, fazendo o claro clichê papel do bandido mau, tenta matar Meg, e Bunham acaba salvando-a, fazendo o papel do bandido bom, e é preso por isso. As sequências finais, com imenso potencial, acabam se perdendo em meio a tantas reviravoltas que abusam de clichês.

    Esse emaranhado de acontecimentos no terceiro ato são um exemplo claro do principal problema do filme. Apesar de ficarmos tensos ao acompanhar o desenrolar da trama, ela não tem uma base para se sustentar e não consegue cativar profundamente o espectador, já que trabalha sempre em cima de superficialidades. O filme se torna esquecível a partir do momento que acaba

    O Quarto do Pânico tem vários elementos que funcionam bem. A casa escura, grande e solitária, totalmente vigiada, ajuda a contar a história através de suas câmeras. Porém, o que acaba prejudicando a obra é justamente o fato da trama não ter muitos atrativos além do quarto e como várias coincidências são necessárias para se estabelecerem as tensões que a fazem andar. Dentro daquele universo, fica difícil saber se haveria algo mais a ser feito, mas o fato é que a produção falha em pisar fora do lugar comum das obras do gênero, tornando sua experiência quase que descartável após assisti-la, algo que deixa muito a desejar frente a uma filmografia tão grande e importante quanto a de Fincher. Felizmente, os outros filmes compensam.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Boa Sorte

    Crítica | Boa Sorte

    Utilizando o cenário de um manicômio, que simboliza o quão errático anda o mundo, Boa  Sorte, da diretora publicitária Carolina Jabor, conta a história de um jovem chamado João (João Pedro Zappa), cujo vício em remédios tarja preta unido a refrigerantes de laranja o faz ter um desempenho completamente aquém do esperado para um juvenil. Sua expectativa é encurtada, e sua existência parece não ter muito sentido, até que é levado a uma casa de repouso, onde conhece pessoas que compartilham de misérias parecidas com as suas.

    O que deveria ser uma casa de reabilitação para vencer a depressão, ansiedade e o transtorno de stress pós-traumático acaba tornando-se um lugar de descobertas, onde ele encontra pares que fariam seu tempo render mais, além de conseguir dar uma boa razão para sua existência. A principal responsável por isto seria Judite, interpretada por uma inspirada Deborah Secco, uma mulher lindíssima, soropositiva, com os dias contados, que tem em comum com ele o vício em remédios para ansiedade, além de outros tantos pecados de dependência, cuja culpa inexiste graças a sua condição especial.

    Aos poucos a dupla se reúne, encontrando um no outro o ideal para uma parceria, construindo uma estreita relação de interdependência, pautada inicialmente no sexo, evoluindo aos poucos, até que a intimidade deixa de ser puramente carnal e torna-se sentimental. Toda a construção do sentimento é feita de modo muito natural, tão bem urdido que até as inconveniências típicas de seus distúrbios parecem ajuda-los a ficar cada vez mais próximos.

    A aflição da alma é o principal fator que os une. A invisibilidade, indiferença e irrelevância que sofriam por parte dos que os cercavam fazem dos dois solitários de mundos distantes em uma junção de caráter irretocável, até na disparidade da compleição física de ambos.

    O rosto cadavérico de Judite contrasta com o belo e curvilíneo corpo, como se morte e sensualidade convivessem sobre o mesmo invólucro, como sinais evidentes da insanidade que habita sua mente e que se reflete em seu exterior, acrescentando uma camada a mais de fascínio à sua bela intérprete.

    O sanatório vira o lar da afeição, evoluindo até do quadro puramente amoroso para resultar em estima, onde os incompreendidos podem viver suas vidas em moderada paz, tecendo planos para sua existência fora daquelas paredes que os encerram, ao menos para o rapaz que não está em fase terminal. A relação de Judite e João chega a um estágio onde a sujeira e vergonha pensada por um bem maior predomina, rompendo com a dependência que ocorria, quebrando os laços de semelhança entre o modo como um homem e seu animal de estimação se tratam. A servidão incondicional é demolida pela mulher, que não quer assistir o seu improvável príncipe encantado sucumbir ao esperar por um futuro que não virá. Ela o libera, para que viva sua vida, algo miserável, claro, especialmente se comparado ao que sentia quando estava com ela, mas algo comum e ordinário, semelhante ao que Judite sempre sonhou para si, mas que jamais conseguiu alcançar sozinho. Tal subtexto faz de Boa Sorte algo um pouco mais inteligente do que as contumazes histórias de amor do cinema comercial.

  • Crítica | Zodíaco

    Crítica | Zodíaco

    Zodiaco - poster

    Assassinos seriais na história dos EUA existem aos montes. Cada um mais complexo do que o outro. O século XX, por ter sido o século da massificação (inclusive da mídia), trouxe para a população a espetacularização de eventos que antes eram confinados a círculos restritos. Se antes uma série de assassinatos em uma comunidade rural (como retratado no excelente A Fita Branca) ficava restrita a ela, no país da classe média e da informação, a produção de notícias e a reprodução de assassinos, que tinham vontade de aparecer e passar uma mensagem, também cresceram exponencialmente. Junto a esses casos, cresceram também os filmes do gênero, que tentavam reconstruir o passo a passo da investigação policial no percalço do assassino, às vezes tentando compreender o que havia por trás de pessoas tão perturbadas a ponto de cometerem tais atos.

    Dentro desse contexto, um dos casos mais curiosos foi do assassino que se auto intitulou “Zodíaco” e que cometeu seus crimes nos EUA entre as décadas de 60 e 70. O que torna seu caso tão emblemático é, além do assassino usar códigos publicados em jornais para chamar a atenção e ver se alguém conseguiria capturá-lo através deles, o fato de ele nunca ter sido pego. Dentro desse frenesi de teorias a respeito de quem fora esse assassino e as razões por trás de seus atos, David Fincher adaptou o livro de Robert Graysmith, cartunista, jornalista e escritor que investigou a fundo o caso e que no filme é interpretado por Jake Gyllenhaal. Também no  San Francisco Chronicle trabalhou com Graysmith o jornalista Paul Avery (Robert Downey Jr.). No comando da investigação policial estavam os policiais locais David Toschi (Mark Ruffalo) e William Armstrong (Anthony Edwards), que são chamados após um assassinato de um taxista, mas cujas evidências apontam para algo mais complexo do que parece.

    Com aproximadamente três horas de duração, Zodíaco consegue entreter o espectador, que é preso nessa cadeia de acontecimentos e descobertas que vão se desdobrando, ao mesmo tempo que contradições aparecem, criando-se dúvidas enquanto surgem certezas. A história possui três atos distintos, onde os dois primeiros focalizam a evolução de Zodíaco como assassino e instigando as autoridades a investigá-lo, à medida que a dupla de policiais Toschi e Armstrong segue em sua busca, lidando com toda a dificuldade do sistema legal para isso. O terceiro ato volta-se para a jornada pessoal de Graysmith e sua obsessão em descobrir a identidade do assassino, o que terá um alto custo em sua vida pessoal.

    Robert Graysmith é um tímido e introvertido cartunista do San Francisco Chronicle e que adora quebra-cabeças. Quando as primeiras cartas de Zodíaco são recebidas pelos principais jornais da Califórnia, ele tenta compreender as pistas e o fenômeno por trás do assassino, mas é tratado com desdém por seus colegas. A novidade e complexidade do caso são tantas que os órgãos policiais, a imprensa e grande parte da sociedade não conseguem compreender o que está acontecendo, o que irá contribuir para o assassino permanecer solto por todo este tempo. A falta de diálogo entre as divisões, a intensa burocracia e a guerra de egos são fatores determinantes dentro da investigação e acabam por todo o instante a atrapalhá-la.

    Após, atrair a curiosidade de Avery, Graysmith começa a investigar, em companhia dele, algumas das pistas deixadas pelo assassino, tentando encontrar um padrão e, assim, tornar mais fácil sua identificação. Porém, nada se encaixa. Suas vítimas mudam, assim como a hora, o dia e o tipo dos assassinatos cometidos, para o desespero do metódico desenhista. Tamanha dificuldade acabará por levar Avery à exaustão mental, e, após ser ameaçado de morte por Zodíaco, o personagem acaba por se retrair completamente da sociedade, tornando-se jornalista de publicações pequenas.

    Passam-se anos e a dupla de policiais, Toschi e Armstrong, também toma rumos diferentes. Enquanto Toschi permanece obcecado com o caso e sofrendo pressões internas, Armstrong decide deixar tudo de lado e pede transferência para executar trabalhos internos, para a decepção do parceiro. Passada quase uma década após o aparecimento de Zodíaco, Toschi e Graysmith se unem extraoficialmente para tentar aparar arestas e dar um fechamento à investigação de forma definitiva, causando a quase completa exaustão mental de ambos, especialmente de Graysmith.

    Apesar de o final do filme não se resolver por completo, ao deixar o espectador com a mesma sensação que o público tivera ao acompanhar o caso (já que ele nunca foi resolvido), toda a trajetória de investigação é feita de forma meticulosa, característica marcante do cinema de Fincher. A reconstituição material da época, desde os carros, as posições dos corpos, os penteados e roupas das vítimas, as notícias de jornal e TV, além de todo o frenesi causado por Zodíaco na época, contribuem para dar ao filme uma aura quase documental, a ponto de fazer com que o espectador se sinta na pele de Graysmith, querendo saber cada vez mais sobre Zodíaco. Após ver o filme, uma busca no Google pela história do assassino e dos personagens se torna irresistível. Também se torna quase que necessário assistir à obra mais de uma vez, pois, a cada revisão, conseguimos perceber uma nova camada dentro daquele mundo e da investigação. Sentimo-nos mais próximos de saber a verdade, lado a lado dos personagens e suas teorias.

    Mais do que um filme sobre um serial-killer, Zodíaco mexe fundo no imaginário coletivo de uma humanidade que havia acabado de entrar em uma sociedade de consumo e informação de massa. A avalanche de assassinos seriais que os EUA enfrentariam nesse período não é mera coincidência, pois todos nós somos atraídos pelo que há de mais sombrio na nossa natureza. O comportamento coletivo em cima desse fenômeno raramente é racional; a mídia o usou largamente e ainda o usa para lucrar em cima de acontecimentos como esses. A sociedade dos EUA, com sua obsessão por armas, violência e a retidão moral, consegue produzir fenômenos únicos que suscitam diversas análises e entendimentos. O serial-killer se torna, então, um desses fenômenos dentro da cultura pop. Filmes como Zodíaco, ao invés de sensacionalizar o evento, nos ajudam a compreendê-lo de maneira sóbria e séria. Em uma época de tamanha passionalidade, tais obras são sempre bem-vindas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Setenta

    Crítica | Setenta

    Emilia Silveira é a responsável pela curadoria das entrevistas que permeiam o filme Setenta. O início, com a câmera junto ao carro pelas estradas da praiana cidade carioca, tenta remeter à simplicidade da vida cotidiana, ainda que os dias nos anos 1970 não fossem “normais”. A perseguição aos homens era um massacre, próximo de um comportamento padrão daqueles que faziam política e que impediam qualquer outro que não fosse conveniente fazê-lo pensar.

    O roteiro de Sandra Moreyra retrata o modus operandi dos 70 presos políticos que seriam exilados no Chile em troca da vida do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher. Os que estavam encarcerados eram encarados como guerrilheiros, apesar da maioria dos manifestantes sequer saber atirar, isso se estes estivessem armados.

    Alguns dos presos políticos também são mostrados no documentário lançado na época, e filmado no Chile, Brasil: Um Relato de Tortura. A maioria dos quase idosos militantes tem de segurar as lágrimas ao escavar os momentos emocionais pelos quais passou. O compartilhar dos ideais prossegue na vida da maioria deles, mas a dor da lembrança inevitavelmente faz relembrá-la. Famílias eram separadas, humilhações impingidas tanto fisicamente, pela tortura, como também por meio do emocional dos manifestantes e dos seus companheiros. A distância entre os encarcerados e suas famílias é escrutinada no documentário, assim como é detalhado o cerco aos subversivos.

    O nível de pessoalidade é grande não só pelos testemunhos, mas pela movimentação da câmera que mostra os exilados na intimidade de seus lares, no lugar e país onde muitos achavam que não voltariam a pisar. A correria dos que planejavam as ações ofensivas visava contra-atacar todo o desrespeito que sofriam os que se opunham ao regime. Apesar da multiplicidade de ideais dos que estavam ao lado oposto dos poderosos, a truculência com que eram tratados era o ponto em comum.

    O argumento básico da luta dos entrevistados era pela liberdade. O esforço da maioria era realizado para atingir este ideal, dedicando-se cem por cento de suas vidas à briga pela livre expressão de pensamento, por vezes até deixando, pela falta de tempo, de cuidar dos familiares e daqueles que os cercavam, especialmente em tempos em que a clandestinidade era algo comum ao cotidiano dos militantes.

    A baixa bilheteria do filme, quando em cartaz, é um mistério, pois, apesar de tratar de um assunto antigo, tem em seu caráter uma estética moderna, aprofundando o tema que documentários já haviam iniciado, mostrando os ecos de um tempo opressor, elemento que evidencia o quanto o país deixou de evoluir e se deseducou graças a isso. Setenta vale ser visto especialmente pelo resgate de histórias que convenientemente são esquecidas, quando deveriam ser frequentemente marteladas na mente dos brasileiros para que os erros pretéritos não mais nos assombrem.

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  • Crítica | Se Eu Ficar

    Crítica | Se Eu Ficar

    Nos últimos anos, leitores jovens encontraram uma trilha direta para a literatura graças à popularidade de obras como Harry Potter e derivados, lançados em anos seguintes, além de outras vertentes recentes de dramas urbanos e juvenis, como a obra de John Green, considerado o mais novo tesouro contemporâneo. O sucesso de Gayle Forman vem parcialmente ligado a estas narrativas e ao sucesso do young adult como gênero. O adolescente, como personagem narrador dialogando com um público primariamente desta faixa etária, tem demonstrado rentabilidade como um novo caminho a ser desvendado por editoras e, mais importante do que o sucesso financeiro, tem produzido novos leitores.

    Quarta obra da autora e primeira lançada no país pela Novo Século, Se Eu Ficar transforma uma tragédia em momento metafísico de reflexão. Mia Hall é uma adolescente tradicional vivendo os mesmos anseios que seus colegas. Sente-se deslocada da sociedade e do seio familiar por considerar-se careta em relação aos pais, vindos de um passado badalado e roqueiro, e está indecisa entre permanecer na cidade devido a um amor ou seguir o sonho de maestra musical com uma bolsa na renomada Julliard. A vida entra em suspensão após um acidente quase fatal com sua família.

    A história transita entre o presente pós acidente com a garota em estado comatoso e lembranças recentes do passado. Mia vive uma experiência extra-corpo e acompanha as reações de familiares, amigos e do ex-namorado, ante a possibilidade de sua morte. O acidente se transforma em ponto metafórico de análise. Um momento figurativo em que a personagem, a partir das recordações e das reações de pessoas ao seu redor, decidirá entre a vida ou a morte. Chloë Grace Moretz faz um bom papel principal e, pela primeira vez em anos, foge de uma personagem excêntrica, como tem marcado sua carreira até então (Hitgirl, em Kick Ass e Kick Ass 2, a vampira de Deixe-me Entrar e Carrie – A Estranha).

    Voltado ao público juvenil, este extravagante recurso espiritual é um extremo para focalizar a lição básica sobre amadurecimento e as primeiras escolhas definitivas na vida de um ser humano. Se considerarmos que o young adult, como qualquer outro gênero de nichos específicos, repete naturalmente recursos narrativos, o elemento espiritual é um breve respiro inédito para a história. A reflexão é positiva e visa intensificar para o público alvo a percepção de uma mudança de comportamento, a transição ainda imatura, mas definitiva, que são a adolescência e o amadurecimento.

    Porém, a obra se aproxima mais de um romance adolescente do que uma história sobre o crescimento natural. Dentro desta percepção, temos personagens comportando-se como adolescentes típicos que tratam conflitos com um senso de tragédia exagerado, ainda incapazes de reconhecer caminhos e alternativas viáveis quando as intempéries da vida surgem no caminho. Este excesso de imaturidade – ou excesso dramático – pode não ser eficiente para o público geral em razão do didatismo exagerado desta história de amor.

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  • Crítica | Mega Shark vs. Mecha Shark

    Crítica | Mega Shark vs. Mecha Shark

    Mega Shark vs. Mecha Shark não guarda momentos para reflexão ou para contemplação bestificada dos fenômenos naturais, pois, aos três minutos de exibição, já demonstra a que veio, momento em que se mostra o derretimento de um iceberg imenso, o que destrói o Megalodon, peixe ruim que é levado pela costa do Cairo. No começo, há até uma citação a Charles Bukowski, claro, sumariamente ignorada pelos signos visuais que remetem ao Hawaii, mesmo que a embarcação – majoritariamente estadunidense – esteja na “África branca”, atacada pelo animal pré-histórico, que consegue lançar um pedaço da máquina de metal percorrer toda a extensão do país para decapitar a Esfinge de Gizé.

    No entanto, dessa vez a humanidade não está de bobeira, pois foi construída uma máquina de contra-ataque chamada Nero, um submarino em formato de tubarão e pilotado pela bela loira – dona de um belo par de mamas – Rosie Gray (Elisabeth Rohm). Num primeiro embate, a embarcação tem à sua frente uma enguia gigante que tenta esmagá-la, mas que esbarra na perícia da bela capitã e de seu imediato, o negro afetado Jack Turner (Christopher Judge ), que visita as instalações das altas rodas militares, com fileiras cheias de membros de alta patente e que guardam com afinco o segredo máximo das forças armadas: Mecha Shark, a definitiva arma contra a praga do Mega Tubarão.

    Dessa vez, a população mundial é focada e não mais ignorada pelo “massa véio” das outras fitas. Membros das embarcações que pereceram são entrevistados pelos jornalistas e lá registram toda a sua fúria com as figuras de autoridade que ignoraram a necessidade de manterem-se a salvo de um tubarão com crise de gigantismo, pois certamente isso é algo muito prioritário. Visando uma melhor análise do inimigo, até Emma MacNeil (Debbie Gibson), a primeira heroína da franquia, é reativada, ainda que sua maquiagem seja mais barata, deixando de esconder as rugas que os anos provocaram-lhe – considerando sua idade, 44 anos, tudo isto é absolutamente perdoável.

    No entanto, o fracasso acomete Rosie e seu amigos, pois, ao permanecer colado em Megalodon, Nero é danificada. O medo de perder o monstro de vista faz com que os superiores temam em esperar o concerto da máquina, mas os engenheiros, em tempo recorde, reparam o transporte. Depois de uma brava batalha, Rosie cai e quase morre nas profundezas marinhas, mas a inteligência artificial de Nero ajuda a loira a sobreviver, mesmo ela carregando lembranças más da morte de sua filha e de sua crise de alcoolismo.

    Por força das circunstâncias e para fazer do mundo um lugar melhor para se viver, Nero é posto para comandar Mecha Shark, cuja inteligência artificial comanda um robô ainda maior e mais poderoso. É como se, em tempos de crise, a Skynet se aliasse aos humanos para destruir um mal maior, pondo todo e qualquer Complexo de Frankenstein por terra, já que a maldade da natureza é muito maior que qualquer guerra entre criador e criatura. Esta premissa inteligentíssima é levada a sério e, claro, distorcida no decorrer da trama.

    Para aumentar o escopo de que a união faz a força, Rosie encontra Emma, num embate de gerações entre loiras protagonistas, que, juntas, buscam entender o modus operandi do tubarão do mal. Incrível como, após uma pane, o especialista Doutor Turner tenta resolver o problema do Mecha Shark batendo mais forte em seu teclado, como se estivesse espancando o PC.

    Após o ataque, o protocolo da máquina – que está em terra, onde milagrosamente funciona lá – vai para o vinagre. A única coisa capaz de pará-la é uma inocente criança, que toca o seu coração de lata por alguns instantes. Mas isso dura pouco, pois o robô devastador passeia livremente pelas ruas de Sydney, destruindo tudo o que vive, respira, que tenha asfalto ou concreto. Os bombeiros tentam aplacar a destruição, mas tudo parece em vão.

    Depois de uma enorme discussão filosófica, a genial Gemma dá a ideia de tentar embater os dois tubarões, uma vez que machos tendem a se temer mutuamente. O plano maravilhoso consiste em atrair Mecha para a água, onde automaticamente Mega o encontraria, para, enfim, ter a sua disputa justa. Baseando-se nisso, Rosie se embrenha em uma aventura de isca humana no interior da máquina malvada – em última análise, ela se entrega para sacrifício, como no paralelo bíblico de Isaque e Abraão, em que Deus pediu a vida do único filho de seu servo, pedido o qual seria atendido pelo temente homem de fé.

    No final, há de tudo, desde negros pilotando motocross – não que haja um motivo plausível para isso (até porque motivação não é o forte do roteiro) – chamando a atenção do robozão até um almirante louco, que aponta um revólver para um animal capaz de sobreviver até mesmo a um míssil nuclear. Mas um estratagema é desenvolvido por eles, instalando uma bomba no robô e destruindo (supostamente) o Mecha e o Megalodon, mas resgatando o pendrive que conteria Nero, seu amigo digital. Em uma análise mais profunda, a peça pode ser comparada a uma aliança, que reafirmaria o compromisso de Jack e Rosie ante o sagrado matrimônio e ante a natureza maravilhosa que produziu tanto, até esta aventura megalômana. O escopo de diversão é o mais presente de todos os filmes da série, tanto pela desfaçatez do roteiro quanto por todas as caracterizações toscas.

  • Crítica | Anjos Selvagens

    Crítica | Anjos Selvagens

    O início pacato, em meio a um jardim que encerra infantes em seu interior, e é deixado de lado por um garotinho, de aproximadamente três anos, que corta a calçada com seu velocípede, para dar de cara com o Heavenly Blues (Peter Fonda), que em sua Harley Davidson, representa um mundo mais errático, dionisíaco, selvagem e bandido. Sua postura, apesar de não ter nada aos olhos atuais que se assemelhasse a algo reprovável, transborda autossuficiência e a não necessidade de humildade ou submissão, algo que para os idos de 1966 não era bem visto pela sociedade conservadora.

    O couro sobre a camisa preta unido à cruz de cores escuras, remetendo ao nazismo, são os signos visuais que diferenciam os tais motoqueiros de tantos outros movimentos contraculturais, até por estar num viés completamente invertido do pensamento unificador dos hippies, dos panteras negras e de seus semelhantes. A rebeldia se imprime através do ideal emprestado dos arianos, que carrega alguns dos seus preconceitos, mas que obviamente são muito mais velados que o violento modus operandi do real moto-clube.

    As paragens onde os motoqueiros se instalam são ambientes abertos, cujo solo é arenoso e a vegetação é de savana, o palco perfeito para o uso indiscriminado do sexo, tanto como fonte de prazer e saciamento dos impulsos mais básicos, bem como desta liberdade como grito de revolta, para uma sociedade que insiste em não olhar para a sua juventude, ou o faz com absoluto desprezo. Até a alcunha de “Angels” é um eufemismo, remetendo aos pecados morais desses como a resposta justa ao exacerbado pensamento reacionário.

    A rebeldia dos mostrados em tela é praticamente só pautada no instinto e no impulso, sem refletir em momento algum nas possíveis consequências das suas atitudes. O grupo é formado majoritariamente por jovens, com seus cabelos ao vento, alguns até tentam sustentar uma barba para disfarçar um pouco da tenra idade. Seu comportamento seria um prato cheio para os defensores dos bons costumes, que tencionam causas como a diminuição da maioridade penal.

    Talvez o momento que produza maior possibilidade de reflexão, nos primeiros terços da fita, é o drama do personagem de Bruce Dern, Joe ‘Loser’ Kearns, que morre em pleno exercício dos movimentos do clube, pecado este que cobra uma alta dívida. No encerramento de seu cadáver, em meio ao velório, Heveanly assume seu lugar de mentor do grupo, e trava uma pequena discussão com o pregador daquele rito. O entrave ideológico não é profundo, obviamente, pois contém apenas clichês de ambos os lados, com o religioso reafirmando a tradição de família e propriedade, enquanto Blues destaca o quanto ele foi impedido por pares idênticos àquele que estava no púlpito de viver factualmente, uma vez que todos os seus direitos eram cerceados. Após isso, a arruaça toma conta do recinto, e os motociclistas quebram cada banco da igreja, num simbólico sepultamento da moral pregada pela doutrina religiosa fervorosa.

    A barbárie impingida por Blues, por vezes, passa dos limites, incluindo algumas (no plural mesmo) cenas onda a sugestão do estupro fica clara, em algumas até consumada, não havendo qualquer reprimenda por parte dos líderes do bando, ou sinal de arrependimento ou redenção. O protagonismo do filme de Roger Corman é exibido por personagens transgressores, mas que não o fazem por estarem preocupados com o social ou algo que o valha. Suas ações são exclusivas, egoístas, só podendo pensar o bem quando este inclui algum membro do moto-clube, algumas vezes, nem isto.

    O avatar da vilania paira por cima do comportamento de Blues, que pratica atos mais fascistas que os próprios Hells Angels originais, chegando ao final até com uma postura mais resignada, no sentido de ter seus últimos momentos em tela semelhantes ao de seu irmão desfalecido – no único momento onde se pode ser capturado um ato altruístico, e talvez até remorso. O roteiro de Charles B. Griffith, apesar de possuir um viés muito contestatório, não toma partido para o escrúpulo do americano médio, a despeito até de algumas atuações caricatas, até de Peter Fonda em alguns pontos. Mas ainda assim, Anjos Selvagens se destaca muito do moto exploitation comum aos anos sessenta e setenta.

  • Crítica | 12 de Junho de 93: O Dia da Paixão Palmeirense

    Crítica | 12 de Junho de 93: O Dia da Paixão Palmeirense

    O filme de Jaime Queiroz e Mauro Beting resgata as tristes memórias dos torcedores palestrinos, que amargaram uma seca de quase dezessete anos sem títulos, quebrada finalmente em 1993 através de uma geração de jogadores fenomenais. O gol de Evair liberou um grito há muito enterrado na garganta: a vontade de gritar “campeão” que teimava em não sair da boca de nenhum dos alviverdes paulistas.

    Os depoimentos de torcedores ilustres revelam a ânsia dos fanáticos pela Sociedade Esportiva Palmeiras, que teve após a geração de Ademir da Guia um período de entressafra. O desmonte ocorrido após o ano de 1975 foi o prenúncio da tragédia, com as transferências internacionais de Leivinha e Luís Pereira, com poucos remanescentes, tendo Ademir e Jorge Mendonça como os principais nomes. Uma lesão faria Da Guia não ser mais o mesmo. Mal fisicamente, ele não conseguiria repetir os momentos de sucesso, sendo o Paulista de 1976 o último dos títulos por muito tempo.

    Declarações do próprio Beting e de outros jornalistas, como Roberto Avallone, Paulo Vinícius Coelho (PVC) e de outras pessoas ilustres, como Paulo Nobre (atual presidente do clube), e membros das comissões técnicas, além de antigos jogadores, afirmam e reafirmam todo o sofrimento que fora aquela seca. Dentre os momentos mais melancólicos estavam a disputa contra o Corinthians, na semi-final do Paulistão de 83, o dito jogo mais roubado da história, e, claro, a final de 1986, completando uma década de jejum vencido pelo XV de Novembro de Jaú.

    Pelos idos de 1991, a história começaria a ser mudada. Evair seria contratado, com o medo de ser este um jogador bichado. O atacante foi afastado por deficiência técnica, mais retornaria um tempo depois. Em 1993, viria a parceria com a Parmalat, considerada pelas narrações como a maior das parecerias esportivas da história brasileira, sob a tutela de José Carlos Brunoro. Com a contratação de grandes jogadores, como Mazinho, Edilson, Roberto Carlos, Antonio Carlos Zago, Edmundo Zinho, o elenco passaria a enriquecer-se, tendo na chegada de Vanderlei Luxemburgo um divisor de águas, já que o promissor e moderno técnico deixou reinar a democracia pelos quatro cantos do Parque Antártica.

    A história trataria de mostrar que a parceria com a Parmalat não seria um mar de rosas, mas o viés do filme era muito mais de memória afetiva que de discussão econômica, ou algo que o valesse. O caráter era de absoluta festa, até aplacarem nos torcedores dos tempos atuais as sensações de vergonha ocorridas pelo revés atual, do rebaixamento à série B, duplamente repetido.

    O choro de Edmundo ao ouvir a torcida gritando “Au, au, au, Edmundo é Animal!” faz relembrar os tempos áureos do auge de sua carreira e a forma com que foi abraçado por uma torcida de um estado e cidade que o adotou como se fosse um conterrâneo. O amor do atacante seria provado em outros momentos de sua carreira, até renasceria no Palestra, após os anos 2000.

    A provocação de Viola, no primeiro jogo da decisão de 1993 ecoava pela lembrança dos torcedores, jogadores e comissão técnica. A angústia causada por aquele simples gesto de imitação de um porco, após o gol, marcou a alma do palmeirense: Era como mexer com a família, como ofender de modo pessoal e íntimo. A decisão de Luxemburgo e Brunoro foi de isolar o grupo em Atibaia, para isolar o grupo dos dezesseis anos de fila, tentando eximi-los de qualquer culpa ou pressão externa.

    O revide começaria com uma união muito estreita, encabeçada pelo treinador – segundo o próprio craque do time, Edmundo – passando confiança aos seus legionários, inserindo uma pilha enorme neles, elevando seu nível de concentração como se estivessem indo à guerra, sendo o estádio o grande campo de batalha, e, como leões famintos, entrariam no gramado. Evair diria que, de um jeito ou de outro, eles sairiam do Morumbi carregados.

    O modo como Evair e Brunoro descrevem a finalíssima é muito emocionado: percebe-se um embargo na voz, mesmo passadas duas décadas do ocorrido. O gol de Zinho foi uma catarse, como se a zona entre o possível e o impossível fosse transposta. A emoção era tamanha que os arquibaldos mal acreditavam.

    A expulsão do corintiano Henrique pioraria a situação e aumentaria as especulações em torno do “esquema Parmalat”, que seria para a manipulação do resultado, supostamente pela compra do árbitro José Aparecido, muito por conta do placar elástico que somente evidenciava a diferença da qualidade dos dois elencos.

    Os versos do batedor de pênalti pareciam ser corridos a partir de 1976 para somente converterem-se em gol em 1993. Emocionado, Evair retira o peso das costas, de si e de toda a massa verde. O grande símbolo daquela época, saindo da mediocridade para finalmente ser reconhecido como um dos melhores centroavantes da história do futebol nacional. A sensação era a de que nenhum título superaria aquela festa, com a maldição encerrada contra o seu principal rival.

    As últimas cenas mostram a reunião em 2011 do time campeão, encerrada com uma partida que tencionava repetir os momentos emocionantes daquele jogo, com um saudosismo que tomou cada um dos integrantes daquele mágico time, que mudou o astral e o destino de 16 milhões de pessoas. A verve de toda a torcida e dos apaixonados pelo Palmeiras é registrado de modo emotivo e comovente.

  • Crítica | Um Toque de Pecado

    Crítica | Um Toque de Pecado

    Profecia: Um Toque de Pecado é o que o cinema brasileiro (mais óbvio que o grego) e o grego (mais cínico que o brasileiro) já querem ser, e serão, num futuro harmônico ainda inatingível. Violento, questionador, equilibrado, realista, surreal, crítico e irônico. O vencedor do prêmio de Melhor Roteiro em Cannes 2013 é o relato antagônico da consciência humana do século XXI, dividida, fragmentada, globalizada, cansada e atormentada, senão, por si mesma, pelo mundo complexo que criamos e que, é claro, não sabemos como mediar. Daí a mediação de Jia Zhang, cineasta chinês que dirige o filme com a precisão de desenhar uma tatuagem na espinha dorsal de um rei, cheio de simbologias e expoentes de uma única imagem, conectados por um caráter de identificação universal, manchados ora de vermelho-sangue, ora de matizes neutras, como só o nosso mundo pode criar, acima das barbáries de qualquer outro ficcional. É o cinema europeu de Luis Buñuel, antes comportado e certinho, agora em nível irreversível de causas e consequências. Bem-vindo ao mundo real deste grande filme, onde a ficção só existe se for ainda mais inacreditável.

    De dinastias honoráveis engolidas por um capitalismo predatório, a China atual inspira o desencanto, o ateísmo diante de tudo e de todos em relação a um sistema que não consegue mais se sustentar no lombo de seus cidadãos constantemente desesperados, e quem mora lá sente isso na pele, no cotidiano implacável de um país fechado e sedento por oposições, cheio de radicalismo. Entre os limites do necessário e da referência, da coincidência existencial de outro grande filme asiático – Cães Errantes –,  Pecado sustenta-se na corda-bamba deste radicalismo sociopolítico, sob uma máscara apenas social, mas que esconde, máscara debaixo de máscara, a urgência e o grito público de cidadãos à beira do precipício – uma das quatro histórias deixa isso mais do que claro.

    Lembra-se de Onde os Fracos Não Têm Vez? Aqui nem o mais forte, nem mesmo o malandro. Então, quem? O que se deve ser para sobreviver num mundo onde tomates na estrada valem mais do que a vida de qualquer um, quando se há mais fome que vida por aí? Pecado extrai o que há de imparcial no certo e errado, ao invés de quaisquer indenizações acerca de bem e mal. Deve ser feito o que deve ser feito; ‘‘go big, or go home”, já diz o ditado americano. É ideia de Walter Salles com roteiro de Iñarritu filmado por Tarantino, mas com um peso e uma relevância ainda não conquistados por nenhum dos três ocidentais, a bem da verdade.

    Longos planos-sequência, extremamente convidativos à hipnose. Um bom widescreen muito mais bonito, enquanto profundamente significativo, do que os quadros recentes do exagerado O Grande Mestre; situações inspiradas que Zhang Jia constrói e desconstrói com mão leve e muitas vezes de forma documental; um fôlego linear e a autoconfiança à toda prova do cineasta. Tudo isso quase chega a justificar, quando sob a sintonia do produto final, a ambição sob a qual o filme se apresenta de forma tão contemporânea. Quase, pois se retrai e analisa mais do que explode em suas ações, na maior parte do tempo, guardando o melhor de suas histórias para o clímax de cada uma, que, se não compensa a espera pelo impacto de um Cinema prestes a explodir a qualquer segundo, nos satisfaz com resoluções sem conclusões, de campo aberto a interpretações de cunho o mais variado possível.

    A narrativa em blocos eleva as histórias, unidas ou em unidade, ao atestado oblíquo de representações fiéis à realidade dos fatos, mas livres enquanto Cinema. O melhor exemplo é o terceiro conto, sobre a dificuldade em se preservarem a feminilidade e integridade pessoal em meio a conflitos de interesses, filmados aqui na luz e na sombra dos tormentos sociais dos excluídos, nas metrópoles imprevisíveis, onde o medo e a violência são a lei. Quando uma cobra cruza o caminho de Xiao Yu (a espetacular e pouco conhecida Zhao Tao, esposa de Zhang e melhor atuação e personagem do filme), não temos dúvida de que, para ela, algo pior está por vir.

    Um Toque de Pecado é isso (e será muito mais ao longo dos anos, ao longo de outras críticas): o grito de alguém que vê demais e pode fazer de menos. Retrato nacional e universal ao mesmo tempo, extra-diegético e tridimensional em tudo que expõe e calcula, com cuidado e muita ambição e vaidade; pecados homéricos de um cineasta orgulhoso por sua habilidade natural.

  • Crítica | Castanha

    Crítica | Castanha

    Despertando uma narrativa que desdenha da linearidade, mas que necessita dela para ser compreendida, Castanha conta um epitáfio, exibindo a história do clã que dá nome ao filme sob a ótica de um tripé: Através da matriarca, seu neto e de um dos filhos. O espécime mais contemplado pela câmera de Davi Pretto é João Castanha, um já combalido showman que se apresenta na noite gay, mas que durante o dia faz ás vezes de filho exemplar, cuidadoso com a casa e com sua mãe.

    O viés escolhido pelo guião é de extensa depressão e decadência, independente do objeto analisado. Enquanto a já idosa Celina visita seus ex-amores, em condições mais insalubres que as suas, ainda convive com o vício de Marcelo (Gabriel Nunes) em crack, que consome o dinheiro e as forças da idosa, fazendo com que ela sinta-se eternamente cansada, o que interfere na vida e saúde de Castanha também.

    Na cena de prólogo há uma referência do que será mostrado em tela, com um homem nu, ensanguentado, que corre pelas ruas gaúchas como se fosse perseguido por um rolo compressor, prestes a ser esmagado pela modernidade e pela urbanização, contando os maus de tempos mais frios e secos como opressores da alma humana, convenientemente interrompendo a intimidade inerente as relações pessoais.

    No entanto, as escolhas do roteiro arrotam um desnecessário arremedo linguístico, exibindo clichês típicos de filmes independentes que são notórios pelo formato pouco usual, mas que no caso de Castanha, escondem uma história que seria profunda, prometendo isto, mas que não cumpre esse papel mínimo. Nem a metalinguagem de misturar cenas ensaísticas e teatrais garantem maior subsistência, tampouco garantem algo além do ordinário.

    As cenas extensas buscam mergulhar na intimidade familiar, além de passear pelos corredores das atividades noturnas do personagem título, e no entanto também não acrescentam muito, nem mesmo ao exibir a fé em que João se agarra, mostrada em poucos e escassos momentos, uma representação da pouco esperança que o protagonista tem em qualquer mudança ou evolução de quadro. A inevitável velhice que o acomete faz lembrar a mediocridade a que está inexoravelmente preso, tendo somente em sua mãe – um ser simples e moralista – o porto seguro, um dos únicos momentos em que é livre de críticas e reprimendas. Tal é a influência da senhora em seu caráter, que mesmo com a vida que leva, Castanha guarda uma personalidade realista, repleta de julgamentos e preconceitos semelhante aos de cristãos fundamentalistas, até se culpando (em partes) pela trajetória trôpega sua e de seu problemático sobrinho.

    A contemplação do ócio e da morte lenta provoca enfado em Castanha, e também no público graças aos excessos narrativos, quase sempre vazios de conteúdo. A obsolescência e compleição física do personagem o faz sentir um homem morto, que esqueceram de enterrar; um dinossauro que vaga pela Terra sem encontrar seu lugar ou caminho, exercendo seus últimos dias desmedidamente, sem saber qual identidade tomar.

  • Do Terror aos Monstros: O Legado da Universal

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    Considerada a época mais favorável aos estúdios, a era de ouro dos anos 30 permitiu que uma grande quantidade de filmes de diversos temas fosse feita, como as aventuras de Errol Flynn, os filmes de máfia de James Cagney, os musicais de Deanna Derbin, os melodramas de Betty Davis e os filmes de monstros que a Universal produziu entre 1923, com O Corcunda de Notre Dame, e 1956, com À Caça do Monstro.

    Para se entender como atuavam os estúdios, é necessário compreender o período. Os primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial acabou fazendo com que a Europa voltasse a si para a sua reconstrução e deixasse de lado a hegemonia mundial de diversas indústrias. Esse vácuo foi rapidamente preenchido pelos americanos, que passaram a liderar vários segmentos desde então. Para também passar a liderar o cinema, tiveram que acelerar o processo de verticalização da indústria dos anos 10, em que a mesma empresa produzia, distribuía e exibia os seus filmes. Este processo, aliado à rápida industrialização do país e ao vácuo europeu, permitiu o alcance mundial do cinema norte-americano nos anos 20.

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    Com a liderança em mãos, e cada vez mais contando com diversos profissionais europeus, a era de ouro dos estúdios passou a acontecer a partir dos anos 30, indo até o final dos anos 40 quando a legislação antitruste foi colocada em prática. Nesse período, os estúdios passaram a fazer o que foi chamado de “Studio System”, passando a lançar as estrelas de cinema e apresentar regras de comportamento. Boris Karloff e Bela Lugosi, por exemplo, não eram contratados por filme, mas sim assalariados da Universal.

    invisible_ray_67Bela Lugosi e Boris Karloff em O Raio Invisível (1936), um dos vários filmes em que atuaram juntos.

    Em tempos difíceis como a grande depressão, pode-se associar os filmes da Universal com a época: os monstros dialogam com os fantasmas do desemprego e uma inflação instável. Não à toa, uma das maiores influências para os monstros da Universal foi o expressionismo alemão, que, além do fascismo, também teve relação forte com a economia.

    fvLittle Europe, a cidade cenográfica usada em diversos filmes

    Os filmes alemães, responsáveis pela construção da narrativa e de uma estética de terror própria, foram decisivos para ajudar os diretores do estúdio a popularizar o gênero, como com O Fantasma da Ópera (1925), Drácula (1931), Frankenstein (1931), A Múmia (1932), O Homem Invisível (1933), A Noiva de Frankenstein (1935), O Lobisomen (1941) e O Monstro da Lagoa Negra (1954).

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    Os filmes sem monstros e que são igualmente interessantes são O Gato e o Canário (1927), A Casa Sinistra (1932), O Gato Preto (1934), O Raio Invisível (1936) e Sexta-Feira 13 (1940). O Homem Que Ri (1928) não sei se pode ser considerado filme de terror, no entanto entra como um dos mais importantes do período para a Universal devido principalmente à atuação de Conreid Veidt.

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    O Fantasma da Ópera (1925) recria a história de Gaston Leroux, trazendo Lon Chaney como o compositor maluco e desfigurado que se apaixona pela cantora Christine Daae. Apesar da narrativa simples, a impressionante atuação de Chaney é o grande diferencial.

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    Drácula (1931) eternizou o húngaro Bela Lugosi como o vampiro da adaptação de uma peça baseada no livro de Bram Stocker. O roteiro do filme, no entanto, poderia ter sido mais bem trabalhado.

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    Frankenstein (1931) consegue ser elevado a outro nível devido à direção de James Whale. A atuação do inglês Boris Karloff como o monstro é tão importante quanto o roteiro, igualmente baseado em uma peça de teatro inspirada na peça de Mary Shelley.

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    A Múmia (1932) traz de volta Boris Karloff como o sacerdote Imhotep, que é ressuscitado através de um pergaminho e vai atrás de uma jovem que ele crê ser a reencarnação do seu amor. A recriação do passado egípcio é um dos pontos altos do filme.

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    Em O Homem Invisível (1933) temos James Whale novamente na direção e com roteiro adaptado diretamente do livro de H.G. Wells. Claude Rains encarna o homem que descobre a invisibilidade e se torna louco, cometendo diversos crimes.

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    A Noiva de Frankenstein (1935) talvez seja um dos melhores filmes de monstros na continuação do filme de 1931. O cientista-médico Frankenstein é assediado pelo Dr. Pretorius para criar uma noiva para a criatura, interpretada pela inglesa Elsa Lanchester.

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    O Lobisomem (1941) tem o melhor roteiro dentro dos filmes de monstros, o único original dentre os grandes. A atuação de Lon Chaney Jr., filho de Lon Chaney, como Lawrence Talbot e o Lobisomem está em sintonia com a bela história de um homem cético mordido por um lobo e se transformando na figura folclórica do lobisomem.

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    O Monstro da Lagoa Negra (1954) encerra os grandes filmes de monstros com uma equipe de cientistas americanos que visita a Amazônia e é assediads por uma criatura pré-histórica.

    frankenstein_meets_wolfmanExemplo de um dos vários crossovers entre os monstros: Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943) com Bela Lugosi como o monstro

    house_of_frankenstein_poster_06E o maior dos crossovers entre os monstros em A Casa de Frankenstein (1944)

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    | Edição em formato de Caixão

    Livro: Universal Studios Monsters: A Legacy of Horror

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | O Apocalipse

    Crítica | O Apocalipse

    Com base no Apocalipse de João, último livro da Bíblia Sagrada, a série Deixados Para Trás, de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, caracteriza-se por obras de temática religiosa abordando um futuro após o arrebatamento, evento em que os crédulos são salvos por Deus, e a Terra, sob o jugo do Diabo, passa por anos de tribulações. Atualmente, são dezesseis romances que compõem a saga, com direito a três prequels narrando momentos antes do Apocalipse.

    A trama de O Apocalipse é adaptação direta desta série. A temática cristã está presente logo nos primeiros minutos do longa-metragem, em que personagens são apresentados com um maniqueísmo didático evidenciando seus vícios. Há uma divisão implícita entre pecadores e aqueles que seguem a crença ao Senhor. Não há nenhuma intenção no roteiro de Paul Lalonde e John Patus – que tem no currículo outras obras cristãs, incluindo a versão de 2000 de Deixados Para Trás – em promover uma reflexão enquanto narra a história. A trama é voltada para o catequismo e utiliza a base bíblica como argumento ficcional.

    Há exagero na concepção das personagens, vistas somente como pecadores e não pecadores. Os primeiros são apresentados com vícios aparentes, como um apostador mal humorado, uma viciada em drogas e um dos arquétipos mais perigosos da produção, um muçulmano que, descrente na religião cristã, se torna por consequência parte dos pecadores. Em contraponto, os não pecadores são gentis e adoráveis e são representados por um agente da lei, crianças, entre outros breves personagens que aparentam pureza e realizam bons atos em cena. O didatismo é tão desmedido que não seria surpreendente se, em certos momentos, a imagem paralisasse e a palavra PECADOR surgisse na tela em letras garrafais.

    A ação centra-se em uma viagem aérea em que o adúltero e mau pai Rayford (Nicolas Cage) é o piloto da aeronave. O personagem evita passar o aniversário com a filha para viajar a Londres e ir com a amante a um concerto de rock. Quando acontece o arrebatamento e parte da população – e dos passageiros do avião – desaparecem, deixando somente as roupas como vestígio, uma série de dúvidas a respeito do desaparecimento das pessoas entra em cena. É o espaço para imaginarem terroristas, sequestradores e forçar situações dramáticas de desespero até, entre uma e outra tese, introduzirem e aceitarem o arrebatamento.

    Se o livro do Apocalipse revela que este momento é o princípio do fim, a profecia não anula uma possível coerência que o roteiro poderia ter. Não é porque parte da população mundial encontrou o reino dos céus que o mundo automaticamente cairá em um colapso que, em poucos minutos, destruirá cidades e satélites de comunicação. A produção incorre no mesmo erro de aventuras apocalípticas em geral, que nunca dão uma margem temporal suficiente para a destruição da sociedade. Em um tempo recorde, a humanidade se torna caótica e – mais um estereótipo – surgem ladrões, assaltantes e vilões em todo lugar.

    A motivação catequizadora da história não permite a profundidade das personagens, porque em matizes não há evidência explícita de preto ou branco. Assim, as personagens permanecem daltônicas para adequarem-se aos seus papéis de pecadores ou crentes. Um simplismo que não era necessário. O Cinema nos apresentou excelentes obras épicas que tinham como centro a mensagem cristã: O Rei dos Reis, O Manto Sagrado e diversas outras produções – como Ben Hur – que produziram belíssimas metáforas sobre religião e, acima de tudo, eram histórias ou parábolas bem realizadas, indo além de uma mera pregação da palavra.

    O filme talvez ganharia menos destaque não fosse Nicolas Cage no elenco. Porém, há anos sem entregar um bom filme ou uma interpretação principal bem feita, o ator tem seu mérito desgastado, e sua credibilidade popular não ajuda a produção. Infelizmente, Cage parece perdido e não se preocupa mais em voltar a uma carreira de sucesso em filmes populares de ação ou dramáticos. Talvez o público deva esquecê-lo e aceitar que o ator nunca retornará à boa forma e que ele manterá a interpretação canhestra vista em películas de execução duvidosa. Vê-lo como personagem central de uma história com boas intenções mas moralista até a medula nos traz a suposição de que este é um de seus piores filmes dentre seus piores filmes. Porém, tratando-se de Cage, nunca é demais pressupor a má qualidade.

    Apoiado em excesso na tradição cristã, O Apocalipse se mantém como um produto de um nicho específico, a ficção cristã, sem conseguir ser uma obra cujas palavra e narrativa são realizadas de maneira conjunta. Tratando-se de boas metáforas sobre a religião cristã, melhor revisitar um épico.

  • Crítica | Boyhood: Da Infância à Juventude

    Crítica | Boyhood: Da Infância à Juventude

    Crescer é uma das poucas experiências biológicas e cognitivas que une todos os seres vivos da Terra. Para os humanos, dentro de uma sociedade tão complexa, a tarefa é ainda mais complicada frente a tantos desafios que o mundo moderno impõe às crianças, por exemplo, em que cada uma vai reagir de forma própria a todos os estímulos, positivos e negativos, que recebe. Foi dentro dessa lógica que, 12 anos atrás, o cineasta Richard Linklater decidiu realizar um ousado projeto, o de filmar uma história sobre a vida de uma criança enquanto cresce até ela se tornar um adulto, mas utilizando com isso um ator só durante esse processo.

    Boyhood trata a vida de Mason (Ellar Coltrane), uma criança introspectiva que vive com sua Mãe (Patricia Arquette) e sua irmã Samantha (Lorelei Linklater), enquanto tem contatos esporádicos com o Pai (Ethan Hawke). Sua jornada pelo final da infância, adolescência e início da juventude nos será mostrada, assim como a de sua família e todas as situações que dali resultarão.

    Se o maior mérito desse novo e já cultuado filme de Linklater reside no conceito inovador por trás da filmagem, o mesmo não se pode dizer da história e dos personagens nela retratados. Ao focar Mason, a história tem problemas sérios de ritmo em razão de não conseguir imprimir na narrativa nenhum evento catalisador de mudanças na personalidade dele ou da família, ou mesmo o efeito disso em suas vidas. Apesar de passarem por várias dificuldades, como o convívio com novas famílias e padrastos com problemas de uso de álcool, nada parece afetar suas vidas de forma significativa.

    Mason é retratado com uma apatia irritante. A todo o instante, parece espectador do mundo para, de repente, já na juventude, saltar ao posto de filósofo do mundo contemporâneo. Por vários momentos, seus diálogos não representam nada. Há uma ocasião clara em que ele, adolescente, chega de uma festa e assume que fumou maconha e bebeu álcool com uma série de “sim” para a sua mãe, a qual aceita prontamente todas as respostas, e nada acontece. O mesmo quando ele está com uma turma de amigos discutindo mulheres, festas e bebidas como adolescentes comuns. Nenhuma pista estabelecida possui recompensa.

    Se Mason não garante emoção alguma, o mesmo não se pode dizer de sua família, em especial sua mãe, em bela interpretação de Arquette. Saindo da posição de mãe solteira com subemprego, a batalhadora que estuda e melhora de vida, suas más escolhas na vida pessoal contrastam com a ascensão na vida profissional, que garante uma melhoria de vida para ela e seus filhos (algo que o filme não explora em nada, como se o contexto social da família e do país não importassem). Com uma duração tão longa, de aproximadamente 2h45 minutos, tempo há de sobra para se desenvolver qualquer coisa que saísse da linha reta de emoções representada por Mason. Mas nada disso é feito, infelizmente.

    O pai de Mason, uma figura interessante, também é mal aproveitado. Apesar dos erros cometidos em sua vida, tenta dar o máximo de si ao educar os filhos, falando desde sobre o incômodo tema das relações sexuais na adolescência até conselhos sobre relacionamentos que não deram certo. Mas os diálogos não ajudam a tirar os personagens e suas relações do lugar comum e dos clichês do gênero.

    O que sobra em Boyhood são três horas de eventuais boas passagens e boas sequências de câmera, mas que não dizem a que veio. O hype em cima de sua produção parece explicar seu sucesso atual, e as relações ali representadas falam com os fãs de filmes indie e intimistas, os quais disfarçam a pobreza de seu discurso com momentos que simulam profundidade, mas que, na verdade, não representam nada. Caso houvesse ali uma escolha por um drama familiar clássico, mesmo que se às vezes derrapasse e fosse levado para o melodrama, ao menos teria sido uma escolha e haveria descarga de sentimentos com os quais poderíamos lidar. A obra infelizmente não é nem isso. São aproximadamente três horas de quase nada, mas muito bem disfarçadas.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Quase Dois Irmãos

    Crítica | Quase Dois Irmãos

    Tencionando revisitar um assunto que lhe é muito caro, Lúcia Murat usa seu Quase Dois Irmãos para contar uma história de colisão de universos que seriam normalmente muito distintos, mas que, em tempos atípicos como eram os anos 70 no Brasil, teriam mais capacidade de se conectar, além de causar uma interseção entre um e outro. Os dois distantes lugares são ligados pelo mesmo pecado, a marginalidade, enquanto um tem no crime o papel de ação, o outro tem no reclame político a sua infração.

    A história de Murat e Paulo Lins é contada em três períodos crônicos distintos, mas sempre focados em Miguel, um respeitável político branco e de aparência aristocrata (vivido no último momento por Werner Schunemann), e no poderoso traficante Jorginho (Antônio Pompêo). Os dois se conheciam desde a infância, mas, com o tempo, foram separados por seus destinos. O reencontro entre ambos ocorre nos anos 70, na prisão onde Miguel (Caco Ciocler) é confinado por suas ações enquanto militante político, a exemplo de todos os outros brancos encarcerados. Jorge (Flavio Bauraqui) é mais um dos muitos negros presos graças às violações comuns da lei.

    O paralelo utilizado no roteiro para unir os dois personagens tão distintos é a ode ao samba herdada dos pais, que tinham uma estreita relação no anos de 1950. No entanto, são poucas as semelhanças, especialmente quando se analisa o senador que Miguel se tornou e o destino final de Jorginho. A filha do parlamentar se envolve em alguns problemas na Justiça, sendo resgatada por seu pai. Os motivos destes problemas são mostrados aos poucos.

    Incrível como o suspense e a ansiedade permeiam os dois principais núcleos temporais da trama. As perseguições políticas próprias e a guerra de sucessão são assuntos em comum entre os dois momentos, seja no cárcere ou no tráfico dentro do morro. A mensagem que o argumento quer passar é que, apesar do tempo ter passado, mesmo com algumas mudanças e vitórias parciais, a desigualdade prossegue e as separações econômica e de raça ainda se mantêm presentes. O muro montado de modo instantâneo na prisão não separa somente os dois lados díspares entre os dois coletivos, mas também entre os dois irmãos.

    O discurso de Juliana (Maria Flor) acaba por se parecer demais com a fala do traficante, que acusa o importante cidadão de ser um exclusivista, preconceituoso e reacionário, o exato contrário dos valores que ele defendia no passado. Ao mesmo tempo em que o roteiro retorna no tempo, mostrando os ideais do revolucionário e preso sendo postos à frente até mesmo de seu próprio bem-estar, a bronca conservadora que ele dá em sua herdeira, por esta se envolver com um tratante narcótico e negro, é contrastante, ainda que o seu julgamento não seja de todo errado.

    O anúncio de Dona Helena (Marieta Severo), mãe de Miguel, afirmando que, aos poucos, os presos políticos estavam se tornando iguais aos militares, vai se tornando real. Lucia Murat consegue realizar um filme saudosista, que toca na questão da repressão da ditadura militar, e ainda capta os clichês de um favela movie, atualizando os temas de marginalidade e luta contra o sistema, mas sem ignorar os óbvios exageros de todas as partes dos ditos bandidos, pondo todos em nível de relevância e em pé de igualdade.

    A tônica emocional dita o samba em partido alto, no último ato, trágica e irônica, com um destino agridoce para os dois personagens ligados pelos laços de quase sangue, em uma relação quase familiar, e que, como em toda a fita, quase dá certo para os dois lados. O tom poético assinala a efemeridade da política, das relações e principalmente da vida, sem fechar todas as pontas que abre, não por desatenção do roteiro, mas por concentrar os personagens na perturbação dos sentidos e na dor envolvida por todos na intrincada trama.

  • Crítica | Gomorra

    Crítica | Gomorra

    Sem qualquer pudor. A violência real, imediata, crua, com assassinatos em lugares cotidianos e cometidos por um elenco sem atores profissionais. Emula realidade com a mesma crueza do livro de Roberto Saviano. No filme de Matteo Garrone, os criminosos são pessoas comuns, sem o glamour dos romances de Puzo, vestem-se como maltrapilhos, habitam casas ordinárias e amam o cinema, referenciando a todo momento Tony Montana, um dos papéis marginais mais conhecidos de Al Pacino, a despeito até de seu Michael Corleone. A identificação com o cubano é mais fácil, dadas as condições paupérrimas dos napolitanos.

    Mesmo com o caráter de improviso, a face da Camorra mostrada em tela tem a sua hierarquia, que tem de ser respeitada, mesmo pelos adeptos que habitam a ralé. A linha narrativa funciona como uma colcha de retalhos, com períodos em formatos de pseudo-esquetes que são coladas pela violência visceral da fita. Os dramas mostrados servem para compor um quadro depressivo, do quanto sofre a população com as ações do Sistema, que se sente dono de todo lugar onde pisam.

    Desde cedo as crianças e jovens são doutrinados na feitura de assassinatos e crimes. Os becos escuros não são imundos somente em seus concretos e tintas gastas, mas também em seus espíritos, sujos como as almas daqueles que amedrontam e extorquem os ordinários. As marcas de balas que ficaram nos coletes são marcas de guerra, fruto da síndrome da iniciação.

    Os tiros na região pantanosa, sem roupas, despidos quase como quando vieram ao mundo revela uma inserção de corpo e alma dentro do ideário do Sistema – nome dado pelos camorristas ao seus clãs e modo de governo. Os meninos quase sem pelos ou sinais de vida adulta já voltam suas forças para um destino preponderante e errático, cuja vida certamente será bem curta dada a alta taxa de mortalidade comum a essa parcela da população.

    Afora o elenco amador, há dois papéis preponderantes, que impõe respeito a fita mesmo com seus papéis secundários. O tecelão Pasquale, vivido por Salvatore Cantalupo mostra o deslumbramento que um civil tem em receber toda a atenção dada pelos mafiosos, além é claro das benéces do trabalho de alta rentabilidade, mas é pródigo em mostrar também o quão efêmera pode ser esta subida e como a queda é devastadora. Toni Servillo vive Franco, um executivo, um chefe comorrista bastante diferente do arquetipo honrdo do anti-herói Don Corleone de Brando. A tal honra mostrada no filme do Coppolla não é tão presente nesta versão moderna, sinal dos tempos, sinal de verossimilhança.

    A fórmula que mistura ficção de documentário, hoje absolutamente laureada e comum, não era tão corriqueira pelos idos de 2008. A realidade impressa, com os resquícios de western spaghetti, vista nos rostos suados dos personagens, emula também o cotidiano sincero das ruas napolitanas, onde a tragédia habita e vive lado a lado comm todos os fatos corriqueiros, habitando as mesmas terras do proletário e fazendo valer seu domínio sobre os que eles exploram.

    O resultado esmagador no destino de Pasquale é amedrontador, com a redução de sua auto-estima a zero, a despeito até do seu talento rarissimo. As humilhações que o conterrâneo sofre são muitas, variadas, onde o Sistema demonstra sem qualquer misericórdia quem manda, quem dá as cartas, quem rege os destinos e quem é o dono da vida, desde a dos camorristas até a alheia. Não há muita menção ao governo ou ao Estado, visto que o poder deste é mínimo perto do que faz valer a organização. Gomorra mostra uma realidade tão ímpar e digna de combate que se assemelha as piores imaginações sonhadas por romancistas, contistas e contadores de histórias, como um forte golpe na face da sociedade, que entre outras tantas hipocrisias, permite a livre ação dos homens denunciados por Roberto Saviano.