Categoria: Cinema

  • Crítica | Destino Futebol: O Inferno dos Rangers

    Crítica | Destino Futebol: O Inferno dos Rangers

    Rangers Football Club

    A série Destino Futebol, da ESPN Originals analisa figuras da bola, e o episódio em questão é o naufrágio do Rangers Football Club, o time mais tradicional da Escócia. O documentário, de 30 minutos de duração, se inicia mostrando torcedores, famosos e anônimos, louvando a tradição do time, declarando sua paixão e fanatismo, valorizando a enormidade do clube dentro do seu próprio país. O clube ganhou 54 taças da Scottish League Championships contra 44 do maior rival, Celtic F. C., mas sofreu uma derrocada enorme nos últimos anos.

    Em 2012, descobriu-se uma dívida de 134 milhões de libras, sendo 93 milhões somente de impostos. Os credores exigiam que sanassem os débitos, e tudo, estádio, jogadores, patrimônios do clube, estava à venda. Em pouquíssimo tempo, 28 jogadores foram vendidos de uma só vez. Craig Whyte, antigo cartola, era apontado como o responsável pelo não pagamento dos impostos. Em 2012, o clube enfim falira e todos os envolvidos com a história do time são mostrados desolados; de funcionário a ídolos, os apaixonados pela camisa azul e branca mergulharam num estado depressivo enorme.

    O futuro era nebuloso, e, por pouco, as portas do clube não fecharam, graças a Charles Green. O ex-jogador e empresário foi contatado por antigos membros do clube e, motivado por estes, comprou as ações do time, que estava em baixa, encabeçou um novo projeto, que tinha o intuito de reerguer o clube do zero, com nova administração de negócio, novo nome e postura desportiva completamente diferente. O Rangers foi excluído da Liga Escocesa e deveria solicitar autorização para se inscrever de novo na federação, o que simplesmente não ocorreu, sequer era permitida a contratação de novos jogadores.

    Houve uma votação com os sócios do time e 78% decidiram por uma decisão pouco ortodoxa: jogar a 4ª divisão da Liga, a fim de limpar o nome do clube endividado e para que não o acusassem de qualquer pecado moral. O novo time para a Division 3 foi montado a 3 dias do início do campeonato. Com todas as dificuldades, com  jogo mais “físico” se comparado ao das divisões anteriores, o Rangers vai se reerguendo, com um esquete mais modesto, mas muito mais identificado com o clube.

    A Scottish League Championships ficou sem o clássico de Glasgow. Até mesmo a torcida do Celtic lamentava, com o tempo, o fim da rivalidade no campeonato, apesar do discurso inicial de alguns alviverdes escoceses. O destaque do documentarista é a fidelidade do torcedor, que, mesmo após a descida ao inferno, permaneceu fiel, acompanhando o clube na dura subida ao campo, sem atalhos. Quando há jogos no Ibrox Stadium, o torcedor retorna seu orgulho. A 4ª divisão se disfarça de primeira, a média de torcida representa o orgulho dos adeptos às cores, com uma média de 49.000 pagantes, superior a do Celtic. “A Razão do clube existir são as pessoas, por isso o clube nunca morre” – o narrador, João Castello Branco, afirma que o reerguer é complicado e o mais difícil é o 1° passo, mas o Rangers finalmente está no caminho certo.

    A retomada é levada por pessoas identificadas com o clube, mas que não abrem mão do profissionalismo em suas gestões. O treinador do time é Ally McCoist, maior artilheiro da história do Rangers; dentro de campo, o comando é do capitão Lee Mcculoch, que já defendeu as cores da seleção 18 vezes. Os relatos de alguns torcedores também são muitíssimo emocionantes, seja da responsável pelo museu do Rangers,  ou de Alex Hamilton que, ao ter sua perna amputada, só se preocupava em quantos jogos do time perderia.

    O relato é interessante, principalmente devido aos acontecimentos recentes no Brasil, e reacende a discussão sobre a moral dentro e fora dos gramados, relativa à disputa desportiva justa e, claro, é um exemplo de como uma torcida não abandona o seu time e luta bravamente para reconquistar seu destaque de forma limpa e justa. 

    O Rangers venceu a Division 3 e atualmente lidera a Scottish League One (equivalente à série C). Seu elenco conta com o artilheiro irlandês Jon Daly e o zagueiro brasileiro Edmilson Cribari, (com boas passagens por Empoli, Lazio, além de ter jogado no Cruzeiro de Belo Horizonte), e prossegue em ascensão no intuito de limpar o próprio nome, com uma torcida apaixonada e sem medo de perder sua grandiosidade ao disputar as divisões inferiores.

    O documentário ainda está na programação do ESPN (veja horários) e ainda conta com um artigo e video do jornalista Mauro Cezar Pereira destacando o filme.

  • Crítica | Muito Barulho Por Nada

    Crítica | Muito Barulho Por Nada

    Much Ado Whedon

    Shakespeare talvez seja um dos autores mais adaptados pelo cinema. Em versões de época ou modernizadas, fiéis aos diálogos ou adaptadas, de menor e maior sucesso, há centenas de filmes baseados em peças shakespearianas, muitas vezes, diversas versões para a mesma peça. Ainda assim, soou surpreendente quando Joss Whedon, recém-saído das filmagens de Os Vingadores, anunciou sua própria versão de Muito Barulho Por Nada.

    O filme foi feito em doze dias de  pausa nas filmagens da franquia. Whedon ainda tinha direito aos equipamentos, embora a equipe estivesse de folga e, portanto, juntou alguns amigos em sua casa na Califórnia e filmou com orçamento mínimo a comédia clássica. Em algumas entrevistas, ele afirmou que foi uma brincadeira de amigos, algo como dar uma festa muito elaborada, e a sensação do filme é exatamente essa.

    Muito Barulho Por Nada é, como a maior parte das comédias de Shakespeare, menos conhecida que suas tragédias. A história se passa em Messina e apresenta dois casais de amantes, um que terá que superar as armações de um vilão invejoso, e outro que, sem querer, descobrirá que não despreza tanto assim o amor. A trama dupla é cheia de tiradas verbais, trocadilhos, disfarces e armações e Whedon capta maravilhosamente seu espírito.

    A mistura de cenário contemporâneo com diálogos do século XVI é delicada: há adaptações de Shakespeare que soam artificiais, deslocadas, estranhas. Mas aqui, a casa com ares de terraço italiano e a visível despretensão dos atores faz com que o filme ganhe ares de se passar fora de qualquer tempo e espaço, a história torna-se uma fábula, algo como uma parábola sobre amores e amantes. Esse ar de descompromisso e a preocupação zero com o realismo da coisa dão charme e colocam Muito Barulho Por Nada em algum lugar entre o cinema e o teatro filmado.

    A peça se passa toda no castelo de Leonato, com personagens entrando e saindo ou passeando pelos jardins e Whedon não tenta complicar a cenografia. Os atores se deslocam em uma casa de decoração limpa, sofisticada, mas sem grandes adornos. Isso contribui para a atmosfera de sonho e permite que a ação se concentre e o espectador tenha mais facilidade em acompanhar a trama intrincada e os ricos diálogos. A complexidade da prosa e a rapidez das falas, aliás, são um dos poucos problemas do filme: o texto em inglês é original (apenas uma alteração foi feita, para retirar uma fala anti-semita) e as legendas acompanham a tradução em português da obra. No entanto, os atores falam rápido, sobretudo nos momentos em que Beatrice e Benedick (um dos casais de protagonistas) trocam insultos irônicos e às vezes torna-se difícil acompanhar.

    Ainda assim, a ironia do texto e o ar espirituoso dos atores faz com que a comédia funcione. Os diálogos entre Beatrice e Benedick são deliciosos, trocas divertidas e bem humoradas de falas inspiradas onde pode se ver claramente que os dois atores se divertem tanto, ou mais do que a plateia. E o charme de Muito Barulho Por Nada é bem esse: um filme em que todo mundo parece se divertir.

    Mais do que a ironia, o diretor respeita as “incorreções” do texto: há sempre uma taça de vinho na mão de um personagem e closes na bela Beatrice engolindo a sua de uma vez só. Honrando um texto que deveria ser bastante escandaloso para sua época, o diretor não se priva de sequências bastante sensuais e constrói uma tensão quase palpável entre seus protagonistas.

    A impressão geral (e a verdade, provavelmente) é que Joss Whedon fez um filme para si mesmo e seus amigos, juntou-os em casa e arranjou uma desculpa para beber vinho (muito vinho é consumido pelos personagens ao longo do filme), dar festas e recitar o dramaturgo inglês. A fotografia em preto e branco dá uma cara minimalista ao que poderia ser mínimo e a acidez do texto é honrada pelas atuações excelentes. É um filme divertido, leve, lindo e delicioso, ao final a vontade é implorar para que Whedon dê mais festas e adapte mais peças de Shakespeare.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Irresistível Paixão

    Crítica | Irresistível Paixão

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    Um multi-astro é aquele que, em determinado momento, resolve tentar outros movimentos para sua carreira e abrir novas oportunidades. Sempre que um cantor intenta estrelar um filme, a recepção é receosa, principalmente porque, boa parte dos críticos, torce para que o filme se torne um fracasso.

    A cantora Jennifer Lopez é uma daquelas que não desistiu e, ainda hoje, participa de algumas produções. Sua base são filmes românticos cheios de açúcar, mas já se arriscou no terror, dramas densos e protagonizou, ao lado de Ben Affleck, um dos maiores fracassos de bilheteria de todos os tempos. Diante dessa pequena carreira, que muitos poderiam denegrir como duvidosa, somente Steve Soderbergh seria capaz de reuni-la com um eterno galã para apresentar uma história marginal sobre o amor.

    Baseado na obra de Elmore Leonard – prolífico escritor policial, com filmes e séries adaptadas – a história promove o acaso e encontro entre um bandido em fuga e uma agente penitenciária que estava no local. A narrativa de Irresistível Paixão – realizada antes do hype em cima de Soderbergh – dialoga bem com um estilo alternativo de cinema sem perder a narrativa sem floreios de Leonard. George Clooney está perfeito como George Clooney, o sexy ladrão sem escrúpulos que não resiste à agente penitenciária Karen Sisco, em uma trama que, ao colocar personagens em lado opostos da lei, exemplifica que é possível encontrar o amor em qualquer lugar.

    A estranheza é um dos elementos centrais da história. O amor que surge de um lugar estranho e que, mesmo assim, produz encantamento por sua condução, pelo acaso bem inserido na história. Os diálogos merecem um destaque à parte, explicitando o estilo de produção que, além das imagens, pede pela atenção das palavras. São doses de ironia bem calculadas, declarações de amor em poucas palavras. Dando-nos uma breve dimensão de como o autor Leonard trabalha suas personagens e situações.

    Soderbergh utiliza-se do corte de cenas e dos espaçamentos temporais para dar maior agilidade a trama, que não tem medo de utilizar os datados efeitos de imagem congelada para destacar situações de limite. Caminhando do passado ao presente, explicando a motivação das personagens e aprofundando as relações.

    Desenvolvendo-se em um ambiente possivelmente hostil, entre diálogos ferinos e uma edição veloz, uma história de amor que beira a marginalidade pelas personagens nada elevadas mas que, como a maioria das histórias de amor, tem seu charme.

  • Crítica | Jogos Vorazes: Em Chamas

    Crítica | Jogos Vorazes: Em Chamas

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    Após o enorme sucesso do primeiro filme da franquia Jogos Vorazes, de 2012, temos em 2013 a sequência que dá continuidade à história de Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e o planeta Terra em um futuro distópico. Após vencerem a edição anterior desafiando as regras do jogo, Katniss e Peeta Mellark (Josh Hutcherson) tentam viver o dia a dia conciliando a fama recém adquirida (e as vantagens dentro da sociedade que ela trouxe) e o incômodo de estarem servindo à propagação de um modelo de sociedade que consideram injusto.

    Não é segredo que a franquia Jogos Vorazes é um misturado de influências ocidentais e orientais, que passam desde a sociedade do espetáculo e seus reality shows até os gladiadores romanos, assim como influências da cultura pop como Battle Royale e Fahrenheit 451. Também não é segredo que o livro é mais um dos tantos voltados para o público infantojuvenil, “voraz” consumidor do gênero desde que Harry Potter criou esse filão e Crepúsculo consolidou. Porém, o que difere Jogos Vorazes dos dois anteriores é justamente a profundidade da história e o contexto político e social ali inseridos, que podem levar o jovem de hoje a questionar algumas das estruturas existentes na sociedade moderna.

    Voltando ao filme, os administradores da Capital (talvez uma relação com “O” capital) percebem o potencial revolucionário de Katniss e tentam eliminá-la de forma a não deixar que ela vire um ícone, pois revoltas começam a se espalhar, gerando uma inquietação de que os Jogos deveriam servir para camuflar, bem ao estilo “pão e circo” romano, função que a TV realiza atualmente. A protagonista, que não percebe o que se passa a seu redor, tenta ao máximo proteger sua família fazendo o que a Capital demanda, servindo de vitrine e posando frente a plateias famintas e sujas que agora não mais aplaudem esse espetáculo vazio, e quando não mais compra essa fantasia, tem como troco a repressão, em guardas cujas roupas remetem também aos Stormtroopers do Império de Star Wars. Ou seja, a alusão é clara: Ou você se submete, ou será punido.

     Após uma tentativa de acabar com o ícone dos revoltosos, a Capital subverte as regras e manda diversos vencedores para uma edição especial dos Jogos onde tentam matá-la. Porém, a conspiração contra a sociedade de Panem já é tão grande (um dos pontos fracos do filme, por justamente parecer que é fácil montar uma revolução e se infiltrar nos altos quadros governamentais em uma sociedade totalitária) que os Jogos são interrompidos para se começar efetivamente a luta contra esse modelo de sociedade.

    Flertando com conceitos históricos sedutores, como “revolução” e a clássica luta do oprimido x opressor ao molde “Davi e Golias”, Jogos Vorazes recicla de maneira inteligente e compreensível a velha luta pela liberdade e pelo pão dos trabalhadores contra um sistema violento. Porém, ao tratar tudo isso de maneira romântica e um tanto quanto apolítica, o filme perde em mostrar justamente ao seu público a importância do debate político para se construir alternativas ao modelo de sociedade vigente, e que nada vem de uma nave salvadora com revolucionários já prontos, e sim que eles são construídos no dia a dia, aproveitando oportunidades que aparecem. Nesse aspecto, falta uma construção maior do personagem Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), não necessariamente de sua construção intelectual, mas de como ele chegou tão perto do poder, conseguindo enganar tanta gente por tanto tempo.

    Porém, um dos pontos fortes do filme, além do contexto político, é também ter como protagonista forte uma mulher que não depende de nenhum homem para salvá-la, e que faz seu próprio destino. Também coloca Peeta como um homem coadjuvante e inverte papéis clássicos de gêneros ao colocá-lo como filho do padeiro que faz docinhos, evidenciando esse preconceito em um diálogo de Katniss com o presidente, que experimenta um desses doces e pergunta se foi sua mãe quem fez, quando na verdade foi Peeta. Como a questão de gênero é um tabu grande inclusive dentro da esquerda revolucionária clássica, Jogos Vorazes contribui com a desmistificação e quebra de valores preestabelecidos dos gêneros dentro dos filmes de Hollywood, ao contrário do que faz, por exemplo, a saga “Crepúsculo”, em que a protagonista tem como maior problema existencial a quem será submissa, e não garantir o sustento da família. Da mesma forma, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth) não é o salvador, apesar de fazer o tipo. Também foi interessante a escolha de Jeffrey Wright como Beetee, ou seja, um ator negro interpretando um gênio, fugindo totalmente dos clássicos estereótipos do cinema, tanto que alguns fãs da franquia chegaram a chiar, já que, nos livros, Beetee, ao contrário de Rue, não é descrito como negro. Ou seja, aquele racismo velado do público dito “nerd”, branco, de classe média aparece, o que pode suscitar debates interessantes.

    Como mostra a bilheteria e os livros vendidos, Jogos Vorazes é um sucesso dentre um público por vezes considerado alienado e que dispensa assuntos ditos “sérios”. Vivemos em uma época em que até mesmo esses assuntos precisam ser introduzidos aos jovens na forma de um sucesso de Hollywood, em vez de um livro velho e chato de Lênin que nunca abririam. Isso por si só mostra a dificuldade de se romper com essas barreiras em uma sociedade “livre” como a nossa, quanto mais na retratada no filme. Porém, a franquia talvez sirva como pontapé inicial para muitos jovens terem seu contato, da forma que conseguimos hoje, com algo além da massificação alienante da mídia e da indústria cultural.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Os Suspeitos

    Crítica | Os Suspeitos

    Prisoners 2013

    O canadense Denis Villeneuve tem uma carreira curta, porém proeminente, como realizador de filmes. Seus trabalhos já são muito bem quistos pela crítica e pelo público – especialmente depois de Incêndios (Incendies), que foi indicado pela academia como melhor filme de língua estrangeira em 2011. Esta sua primeira direção de um filme estadunidense e com um grande orçamento, a fita Prisoners (que deveria ter a sua tradução literal para o título do filme), é um suspense milimetricamente planejado e realizado com um esmero pouco visto no cinema atual.

    O primeiro mérito da produção é a autonomia com que Villeneuve leva o seu filme, conseguindo ultrapassar os limites que muitos diretores estrangeiros não conseguem, que é o de rodar exatamente o que se quer sem interferências externas. Os Suspeitos é uma película implacável, violenta e visceral, que não tem dó do seu expectador, esmiuçando os problemas de seus personagens sem piedade e apelando para uma questão de empatia universal: a relação de paternidade e o cuidado com os filhos.

    Hugh Jackman interpreta Keller Dover, um pai atencioso que tem sua filha raptada logo nos primeiros momentos de tela. A menina é levada junto com uma amiga, e o drama das duas famílias é explicitado em cena. Cada um dos membros dos clãs reage de uma forma, uns de forma passiva, outros inconformados. Keller se desespera, é sempre o mais propenso a agir, muito movido por uma auto-culpa por não ter conseguido impedir o sequestro , que se agrava com as constantes acusações de seu filho mais velho (Dylan Minnette). Dover se desentende com o responsável pelas investigações, Detetive Loki, interpretado por Jake Gyllenhaal, achando que ele não está se esmerando o suficiente e decide tomar uma atitude drástica com relação a um dos suspeitos e então o filme se divide em duas frentes, a demonstração das ações de Keller e a investigação do policial.

    Quando Loki vai atrás de pistas, as janelas pelas quais as imagens passam estão empoeiradas, numa óbvia alusão a completa falta de clareza nas investigações que move. O argumento é repetido com a neblina que sempre envolve o personagem, o detetive tem boas intenções mas esbarra em seus próprios defeitos, especialmente sua falta de perícia em dar andamento a procura por indícios do cativeiro das crianças. O agente da lei reclama o tempo inteiro por não ter boas condições de trabalho, principalmente no que tange a vigilância a Alex (Paul Dano), um dos suspeitos – seu superior justifica o erro apontando a falta de verba para o corpo policial, onde o roteiro evidencia as dificuldades que o sistema impõe em relação ao cumprimento do trabalho do servidor público. Mesmo que sua competência nas investigações seja discutível, Loki mostra uma paciência de Jó e não responde aos impropérios do pai inconsolado – as cenas entre Jackman e Jake Gyllenhaal são sempre muito boas, os atores possuem uma química incrível e ambos apresentam representações memoráveis e críveis no que tange os seus desempenhos dramatúrgicos.

    Nas cenas em que tem de aguardar as ações policiais, Keller usa um capuz que cobre o seu rosto, remetendo a vergonha e a dúvida sobre seus atos, se eles são corretos ou não, não tanto pelo maniqueísmo ou a briga certo/errado, mas sim pela obtenção de resultados, praticamente nula mesmo após tantas medidas extremas tomadas por ele. O alcoolismo retorna a sua vida, o personagem busca desesperadamente a coragem para prosseguir em sua busca. Sua atitude é extrema e culpável, se levado em conta o ideal moral e ético de comportamento humano, mas é plenamente cabível diante do desespero de não ter sua filha em seus braços, o sentimento paterno extrapola até o contrato social.

    Nas últimas cenas, após a descoberta do real vilão, Loki, após mais um erro de julgamento, e tentando não cometer mais equívocos, tenta levar a menina até o hospital a fim de retirar o veneno que lhe foi imposto. Graças a um ferimento na cabeça, o sangue escorre até os seus olhos, explicitando as feridas naturais que o impedem de enxergar a estrada a sua frente, e que mais tarde, o impede também de notar o paradeiro de Keller Dover, onde o papel de suposto foragido se inverte. O roteiro de Aaron Guzikowski é pródigo em usar os clichês do gênero de suspense de forma auspiciosa e muito competente, que junto à direção de Denis Villeneuve, faz desse Os Suspeitos um dos melhores filmes de 2013.

  • Crítica | Capitão Phillips

    Crítica | Capitão Phillips

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    Apesar de uma extensa carreira repleta de sucessos de crítica e bilheteria, o diretor britânico Paul Greengrass ainda não emplacou no imaginário popular e na indústria como um dos “grandes”, ao menos alguém que mereça mais reconhecimento do que a frase “do mesmo diretor de O Ultimato Bourne no cartaz seria capaz de trazer. E algumas possíveis explicações para esse fato estão em seu último longa, Capitão Phillips.

    A história, baseada em acontecimentos reais no mar da Somália em 2009, se passa em torno do capitão Richard Phillips (Tom Hanks), que comanda um cargueiro em mais uma de suas viagens rotineiras. O problema surge quando o risco de ataque de piratas somalis se torna real, e quando eles conseguem tomar o cargueiro, Phillips e sua tripulação precisarão resistir e tentar sobreviver de qualquer forma.

    Ao mostrar o gigantismo do comércio intercontinental através do tamanho do navio, da organização do sistema capitalista e suas relações de trabalho no cargueiro controlado por Phillips, que cobra sua tripulação o tempo exato de voltar ao trabalho após os 15 minutos de pausa, ao mesmo tempo em que mostra os piratas somalis sofrendo a mesma pressão, mas com a vida em risco além do emprego, com destaque para Muse (Barkhad Abdi), Greengrass estabelece uma dinâmica simples que evita o maniqueísmo padrão sempre que filmes envolvem África e africanos em sua história.

    Conseguimos entender o árduo cotidiano dos piratas somalis, que não estão lá porque simplesmente gostam de ser somalis. Eles são obrigados por quem controla a região, e precisam dar a maior parte de seus ganhos com a pirataria aos chefes. Ao mesmo tempo em que querem desesperadamente sair dessa vida e se integrarem ao sistema capitalista mundial, que tanto explorou a África e agora a abandona à própria sorte. Ao evitar a excessiva dramatização desse aspecto, e mostrá-lo de forma simples e crua, conseguimos ter um mínimo de empatia com os somalis, mostrando que é uma situação que vai além do simples “mocinho x bandido”, apesar de, ironicamente, o pirata Muse sobreviver e ser condenado a 30 anos de prisão nos EUA, sendo mais um negro a lotar as prisões daquele país.

    Como poucos no cinema mundial atualmente, Greengrass consegue estabelecer e capturar uma crescente tensão de acordo com o desenrolar dos eventos, desde a captura do navio pelos piratas até o sequestro de Phillips no bote salva-vidas e a subsequente e desproporcional reação do governo americano, empregando toda sua força militar contra meia dúzia de piratas magérrimos contra os super treinados “marines”. Lembrando seu debut para a indústria com “Domingo Sangrento”, a direção de Greengrass mantém a atenção e deixa o espectador em um estado constante de nervosismo e apreensão, mesmo sabendo que o capitão será resgatado no final. Nenhuma cena é exagerada ou fora de tom, e ação constante faz as mais de duas horas de projeção passarem em uma rapidez impressionante, tornando ainda mais agradável a experiência.

    A atuação de Tom Hanks, com destaque para a emocionante cena final (que provavelmente garantirá ao ator mais uma indicação ao Oscar), merece um destaque a parte. Fugindo do estereótipo clássico do “bom rapaz”, Hanks também incorpora mental e fisicamente o capitão, nos fazendo esquecer por alguns momentos que ali está um dos maiores atores de Hollywood. Também merece destaque por sua estreia em atuação o ator somali Barkhad Abdi, também garante uma enorme credibilidade a atuação ao seu porte físico e postura corporal, impassível, frio e calculista na hora de avaliar cada situação e tomar decisões. Tanto é que já existem rumores de uma possível indicação ao Oscar para ele.

    Com seus acertos na narrativa e na filmagem, Greengrass mostra que é um dos maiores diretores da atualidade, e que merece mais atenção e espaço da indústria e do público, que geralmente consome seus filmes (especialmente os dois últimos da trilogia Bourne), mas que não liga o produto ao seu nome, como geralmente acontece com gigantes como Spielberg ou mesmo atores, como Tom Hanks. Greengrass é respeitado dentre os círculos de atores e diretores comprometidos em realizar uma produção de qualidade, mas para alguém de seu talento, mereceria mais. Capitão Phillips é mais uma prova disso, pois entrega um excelente filme sobre uma história relativamente simples, mas que poderia sofrer um destino cruel nas mãos de alguém menos capacitado.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Sobrenatural: Capítulo 2

    Crítica | Sobrenatural: Capítulo 2

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    O cinema de Terror sofre de um mal enorme, praticamente desde que foi inventado – vide os filmes de monstros da Universal – quando um filme é sucesso de público e/ou de crítica, praticamente exige-se que se torne uma franquia. O resultado quase sempre é aquém do esperado e a fórmula é cada vez mais desgastada, mas alguns poucos espécimes sobrevivem a este estigma, e o capítulo segundo de Sobrenatural é um bom exemplo.

    Mais uma vez capitaneado pelo excelente realizador malásio James Wan, a fita repete o que deu certo no original: câmera passeando por lugares ermos e escuros, casas produzindo sons de ranger por quase todos os cômodos, sustos mil com figuras vestidas a caráter, origem do mal ligada a um mundo paralelo, mas se permite modificar o foco. É natural que em uma sequência de um horror movie mude-se um pouco da fórmula apresentada no primeiro, mas o êxito quase nunca é alcançado, visto que o roteiro dessas produções é quase sempre muito fraco. O efeito surpresa já foi perdido com o episódio original e é necessário mexer na fórmula. O mérito por não ter ocorrido com Insidious 2 um desastre comum aos seus primos pobres, é manutenção da boa equipe criativa, especialmente do roteirista Leigh Whannell, que já havia trabalhado com Wan em Gritos Mortais, Jogos Mortais, Sentença de Morte e Doggie Heaven. O roteiro apresenta pouquíssimas falhas, e justifica cada uma das pirotecnias visuais do diretor.

    A ousadia em trocar a abordagem da figura amedrontadora foi uma das melhores escolhas de Wan e Whannell, pois reprisar os clichês do primeiro seria um suicídio para a obra, e repetiria o erro de franquias das quais os dois já participaram, vide a bagunça que se tornou Saw. Mais surpreendente é a competência com que ambos conseguiram executar tais modificações, enquanto Sobrenatural é um filme sobre paranormalidade e traumas infantis, mas focado em assombrações, o capítulo 2 mantém o esqueleto da história e acrescenta o fator serial killer, numa invenção que claramente não estava pensada na ideia primordial, mas que é equilibrada o suficiente para não soar falsa. Encaixa de forma perfeita.

    A câmera é pródiga em aumentar o escopo do suspense, cada movimentação sua é milimetricamente pensada. Os closes e os detalhes são pontuais e junto a trilha sonora, ajudam o público a imergir dentro da temível história. O aprofundamento na psique do assassino é muito bem urdida, sua abordagem vai além dos ambientes esfumaçados e classificações clichês ligadas a abusos na infância – tais coisas até são mostradas, mas em momento algum o vilão é retratado como uma vítima inocente de maus tratos e não responsável por seus atos. O mashup com o primeiro capítulo explica bem muitos dos sustos oriundos dele, mas não trata o expectador como imbecil, ao mesmo tempo que não fica inexplicado para quem não assistiu o original.

    A carreira de James Wan é bastante relevante, por ter em si uma quantidade substancial de filmes, 7 até agora, sem que nenhuma destas películas sejam execráveis como um todo. Sua pouca idade faz acreditar que ainda terá muitas oportunidades de surpreender o público e crítica, com boas peças de terror e horror. Em cada filme que produz ele parece evoluir em algum aspecto distinto, até mesmo na condução dos atores, em especial Patrick Wilson, que em Sobrenatural ainda não se destacava muito da mediocridade, em Invocação do Mal melhora um pouco, fazendo um personagem austero e neste, desempenha de forma espetacular duas personalidades muito distintas, oras vestindo o arquétipo do herói, oras fazendo um dos guardiões de limiar, e ambos de forma muito competente, sua evolução dramatúrgica caminha junto com a evolução de James Wan a frente das câmeras. Sobrenatural: Capítulo 2 é assustador, aterrorizante e amedrontador, mas além disso, possui uma boa história e que faz dele um dos melhores filmes de horror da década atual.

  • Crítica | Halloween: A Noite do Terror

    Crítica | Halloween: A Noite do Terror

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    O clássico de John Carpenter começa com a câmera emulando os olhos do monstro, como em Jaws de Spielberg, mostrando a criatura carrasca punindo os lascivos. Mesmo com o assassinato sendo retratado, a lente é recatada e não acusa o golpe fatal no prólogo, para só depois revelar o assassino, o inocente Michael Myers, ainda infante.

    Jamie Lee Curtis, ainda com 20 anos, viria a inaugurar o estereótipo de scream queen, além de tornar a sua personagem, Laurie, a mais famosa personagem do tipo na história do cinema. A filha de Janeth Leigh ainda não estava no auge da beleza – especialmente ao que é visto em True Lies – mas compunha a vítima perfeita, escandalosa, veloz na corrida e claro, engenhosa na feitura de armas improvisadas e planos de fuga esdrúxulos. A fita tem um ar de artesanal, a começar pela trilha sonora e música, compostas pelo próprio realizador. A edição de som é primorosa e eleva a aura de suspense às alturas.

    Donald Pleasence seria figura carimbada na franquia. O seu detetive Loomis é apresentado como um sujeito paranoico. Pérolas como essas: “O Mal se foi!”; “Isso não é um homem”; “O mal chegou à sua cidadezinha” e “Olhos negros, olhos de puro mal”, saem a todo momento da boca do personagem e transformam a figura do doutor em motivo de chacota dado o pavor que o doente causa nele, além de tornar o médico numa figura tão ou mais depravado e desequilibrado quanto Myers. Loomis observou o crescimento do rapaz em um homem, por 15 anos acompanhou o seu caso e nada pôde fazer, pois nesse período o insano somente olhava para a parede até o famigerado dia da fuga. Mas o show de absurdos prossegue, a “máquina assassina” ao tentar atacar Laurie Stroode, capa o seu braço mesmo empunhando uma machete. O assassino é atrapalhado, característica pouco comum em slasher movies, e mais tarde abandonada nos filmes da franquia, mas homenageado por Wes Craven e Kevin Williamson no personagem Ghostface, vilão da quadrilogia Pânico.

    A semi-nudez parece ser um gatilho para a fúria assassina do infante assassino preso num gigantesco corpo de dois metros de altura. Myers funciona como um arauto da moral, se utilizando de sua máscara não nominada para manter o sigilo de sua identidade, como a justiça sem rosto distinguível, simbolizando os ecos do conservadorismo perdido em virtude do sexo livre, um paladino tão extremo e descompensado que confunde a proteção a estes valores com a punição para quem não os cumpre a risca, trazendo a morte àqueles que deturpam o conceito da moral e exterminando os sexualmente ativos.

    São mostrados apenas meia dezena de mortes no filme. As cenas de ação não causam muito impacto, até por ser bastante cruas, mas compensam em visceralidade e verossimilhança o que falta em grafismo nos assassinatos. O subgênero de terror slasher era algo ainda embrionário e as coincidências e furos de roteiro tornariam-se repetidas a exaustão nos filhotes bastardos de Halloween, não somente neste sub-tópico mas em inúmeros outros tipos de horror movies, especialmente as temáticas do assassino “imortal”, fuga do vilão e a permissividade da sobrevivência do monstro, jamais morto, mesmo quando se há oportunidade, claro que estes pontos foram distorcidos e apresentados de mil formas diferentes. Halloween de John Carpenter é um arrombo de suspense e tornou-se uma franquia muito lucrativa a despeito do interesse de seu realizador.

  • Crítica | Kick-Ass 2

    Crítica | Kick-Ass 2

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    Quando foi lançado em 2010, o primeiro Kick-Ass assumiu ares de um pequeno cult. Parodiando super-heróis com humor negro, visual e trilha sonora marcantes e a direção competente de Matthew Vaughn (responsável depois pelo ótimo X-Men: Primeira Classe), o filme surpreendeu e agradou aos desavisados. Mas pra quem havia lido a HQ de Mark Millar e John Romita Jr., o resultado foi até interessante, mas inegavelmente uma versão suavizada da escrotidão existente na mídia original. Dessa forma, se o segundo volume da saga nos quadrinhos já se mostrou repetitivo e menos inspirado, no cinema o prejuízo foi ainda mais evidente.

    Nesta nova aventura, Dave/Kick-Ass (Aaron Taylor-Johnson) junta-se a um grupo de vigilantes mascarados chamado Justiça Eterna, cujo líder é o ex-mafioso e hoje cristão Coronel Estrelas e Listras (Jim Carrey). Mindy/Hit-Girl (Chloe Grace Moretz) vive em conflito entre continuar o legado de seu falecido pai e trucidar marginais, ou respeitar o desejo de seu atual guardião e viver como uma adolescente normal. E o ex-Red Mist e agora MotherFucker (Christopher Mintz-Plasse) usa o dinheiro de sua família mafiosa pra formar uma equipe de supervilões e buscar vingança.

    Ainda que Dave e Mindy tenham algumas divertidas interações (como a garota deixando claro quem é o “Robin” da dupla), na maior parte da história os três protagonistas seguem em tramas paralelas, o que enfraquece a narrativa. Fica a impressão de ser um seriado de tv mal planejado, que não consegue juntar os personagens e investe em encheção de linguiça até o final da temporada. E por incrível que pareça, o vilão acaba sendo o mais interessante. Enquanto Kick-Ass e seus colegas oferecem um sonolento mais do mesmo e a Hit-Girl embarca num dispensável clichê teen/high school, os melhores momentos do filme são com o McLovin. De início ele paga para ter um treinamento ninja hardcore, se achando um Batman do mal (com direito a um “Alfred” vivido por John Leguizamo), mas naturalmente não aguenta o tranco, e resolve contratar outros para lutar por ele – afinal, o dinheiro é seu super-poder.

    Porém, a narrativa entrecortada não é o único, nem o principal, problema do filme. Com Vaughn apenas como produtor, a direção e o roteiro ficaram com o inexpressivo Jeff Wadlow. Ele se limita a emular, sem a mesma habilidade, o estilo do original, enquanto adapta com grande fidelidade a HQ Kick-Ass 2 (e usa também elementos da minissérie solo da Hit-Girl). E com isso, escancara as falhas de Millar. Além da perda do fator novidade, o escritor resolveu exagerar mais, tentando um tom mais grandioso. Tanto o quadrinho quanto o filme se perderam completamente, indecisos entre fazer piadas ou se levar a sério.

    O caso é que no gibi fica mais fácil ignorar isso e se divertir com os absurdos, pensando algo como “ah, é uma história de super-herói, que venham os clichês”. Mas no filme fica muito mais perceptível a ruptura com o conceito inicial de “realismo”. Ao tentar incluir momentos dramáticos, mortes, sofrimento, consequências para a vida pessoal de um mascarado, a violência deixa de ser engraçada e se torna incômoda. O humor não passa mais nem como negro/politicamente incorreto, fica apenas mal-colocado. Até é possível fazer graça com qualquer absurdo, desde que se mantenha o tom de zoeira constante. Aqui, a chave é desligada em algumas cenas, para tentar incluir um peso dramático, e quando é ligada de novo, a estranheza é chocante.

    Chega a ser irônico que a “culpa” maior de Kick-Ass 2 seja sua fidelidade ao material original. Pelo menos fica o exemplo de que na transposição de mídias, a adaptação precisa ser feita com mais cuidado.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Fome

    Crítica | Fome

    82 - Hunger

    Estreia do diretor britânico Steve McQueen, Hunger (Fome) se passa na prisão de  Maze, onde os prisioneiros condenados por participar de ações terroristas do IRA eram levados. A história se passa em torno de Bobby Sands, (Michael Fassbender) um combatente do exército republicano irlandês, que lidera um movimento a fim de conseguir o status de “prisioneiro político” ao invés de prisioneiro comum, o que o governo da então primeira-ministra Margaret Thatcher se recusa a fazer.

    Mais do que um filme político, Hunger evita todos os clichês e se foca somente nos detalhes e nas características comuns de cada um dos personagens do filme, sejam os detentos, sejam os guardas. Tentando ao máximo fugir da panfletagem, McQueen consegue desenvolver uma narrativa onde importa mais discutir as motivações por trás dos atos daqueles guerrilheiros do que qualquer outra coisa.

    Usando uma estética da violência para se estabelecer o padrão das relações naquele ambiente, o filme não poupa o espectador de uma brutalidade crua e fria, mas que provavelmente choca mais os habitantes de outro país do que do Brasil, onde já estamos habituados ao tratamento desumano de nossos presídios, o que desumaniza também a sociedade e seus agentes do micro-poder responsáveis pela manutenção deste ciclo. As sequências mostrando o cotidiano paranoico de um guarda da prisão ao olhar minunciosamente o carro e sua rua, procurando por ameaças antes de ir trabalhar, mostra como a violência infligida ao outro sempre acaba por violentar também seu executor. Outra sequência também de tirar o folego é quando o batalhão de choque é chamado para conter uma revolta dos prisioneiros. Extremamente bem filmada, a cena consegue passar um realismo e uma ferocidade raras no cinema.

    Porém, sabiamente, Hunger não se limita a somente mostrar a violência. Há outros condutores de relacionamento. Depois de estabelecida a dinâmica do presídio, McQueen se volta para estabelecer as motivações por trás dos guerrilheiros do IRA. Vindos de uma Belfast onde todos se conhecem e frequentaram as mesmas igrejas, escolas e lugares públicos, Sands encontra-se com um Padre, onde explica sua próxima ação a fim de minar a credibilidade dos britânicos: uma greve de fome iniciada em sequência, com intervalos de dias entre os prisioneiros, onde ficaria impossível monitorar todos. Em um belíssimo plano-sequência de 16 minutos, o Padre Dominic Moran (Liam Cunningham) tenta, em vão, convencer Sands da loucura que seria impor aos amigos e família tal sofrimento. Mas Sands, em uma argumentação extremamente convincente e elaborada, fruto de uma imensa reflexão e ideologia beirando o fanatismo, se mostra irredutível.

    O terceiro ato é a consumação da greve de fome, onde somos forçados a ver agora um ato de uma violência auto-infligida de Sands em si mesmo, onde ele mostra ao mesmo tempo que é dono de seu corpo, e o sofrimento físico causado pelos britânicos naquele período de encarceramento não representam nada. A entrega de Fassbender ao papel também merece destaque, já que o ator, que já era magro, precisou emagrecer ainda mais 16 quilos a fim de gravar as cenas finais, onde Sands agoniza. Ele morre, junto de outros companheiros. O governo britânico não dá o status de prisioneiros políticos ao grupo, mas concede outras melhorias a fim de acabar com a greve e a pressão internacional. Se ao menos Sands não consegue seu objetivo principal, consegue, ao doar sua vida a uma causa, transformar seu corpo e sofrimento em panfleto político e expor ao mundo o que estavam passando, expondo também o autoritarismo dos anos Thatcher.

    Hunger se mostra então um filme sobre violência, das mais diversas formas, usadas pelos mais diversos pretextos, e como ela pode ser usada como forma de discurso. O principal mérito do filme, no entanto, é não se deixar cair em melodramas, ao executar com perfeição as cenas dramáticas com uma tonalidade séria, sem músicas que forcem o choro, que tentem exagerar ou mesmo diminuir o nosso sofrimento ao testemunhar tais atos. Dessa forma, é um filme corajoso, frio, e que nos tira do nosso lugar comum com uma brutalidade necessária para nos chacoalhar nesses tempos tão cínicos e insensíveis a dor do outro e a dor altruísta.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

    Ouça nosso podcast sobre Steve McQueen.

  • Crítica | Fuga de Nova York

    Crítica | Fuga de Nova York

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    Fuga Para Nova York é um dos melhores filmes de John Carpenter e sempre lembrado na lista de grandes produções da década de oitenta. Misturando ação com ficção científica, a trama situa-se em 1998, em um futuro em que a ilha de Manhattan tornou-se uma gigantesca prisão que o governo monitora pelo exterior. Devido a um atentado contra o avião do presidente dos Estados Unidos, o veículo faz pouso forçado dentro da prisão e precisa ser resgatado a todo custo. Snake Plisken, um famoso bandido local, é obrigado a realizar o salvamento.

    Kurt Russell já havia trabalhado com Carpenter anteriormente e realizam mais uma parceria bem sucedida. A criação do anti herói de poucas palavras tornou-se icônica pela cara mal encarada e o tapa olho característico. Mesmo silencioso a maior parte do tempo, é um personagem com presença cênica e  carrega em si a simbologia de um nome feito nas ruas, a partir da tatuagem de cobra que tem na barriga, garantido seu perfil brucutu. O típico anti-herói que não se transforma durante a jornada. Mesmo tendo estrelado apenas dois filmes, foi marcante o suficiente para sempre estar na memória de cinéfilos e de listas sobre heróis de ação.

    Ao assistir está produção antiga, nota-se as sequências de ação bem diferentes das vistas hoje. Ainda não havia apreço por cenas de lutas coreografadas como balé, nem utilização de cortes rápidos. A produção tem somente um conciso polo de ação – o resgate do presidente – e nesta situação que se desenvolve pequenos conflitos e embates que surgem no caminho desta missão.

    A ambientação de Nova York suja e desolada, como uma prisão-esgoto para os bandidos, é bem retratada e demonstra o talento que John Carpenter possui para produzir boas histórias no universo da ficção científica (recuso-me a utilizar a expressão futuro distópico, tão em voga no momento). Embora ainda vivo, parece aposentado. Seu último filme, Fantasmas de Marte, foi lançado em 2001 e foi um fracasso retumbante de público. Fazendo jus a um filme bobo que aproveitou o hype da exploração de nosso planeta vizinho para uma história de antiga civilização que assombra a população terrestre do local.

  • Crítica | O Último Exorcismo

    Crítica | O Último Exorcismo

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    Logo na primeira cena o cinegrafista é enquadrado no espelho, que já caracteriza o filme em primeira pessoa no formato de mockumentary, estilo muito em voga e utilizado a exaustão nos últimos, The Last Exorcism é de 2011, muito após Bruxa de Blair, Cloverfield e Rec. O personagem central é Cotton Marcus (Patrick Fabian), jocoso, um showman do “credo cristão” que não tem vergonha de se valer da ignorância de seus fiéis. Apesar disso, no início, ele não deixa claro se seu caráter é de charlatanice pura ou mesclada com um pouco de fé em Deus. Ele declara que não acredita em demônios, mas quando faz os exorcismos ele tem de fingir acreditar.

    A fé do protagonista é abalada devido a doença do seu filho, mas a manteve minimamente acesa pelo menino ter sobrevivido. Após algum tempo, através de notícias em jornais, descobriu sobre um caso de exorcismo em que um rapaz autista morrera, e Cotton decide fazer uma cruzada contra a escola de Exorcismo que o Vaticano abrira, através do documentário que estivera gravando.

    A “vítima” é mostrada como uma menina criada em um lar cristão fundamentalista, mas ainda assim, é atormentada pelo diabo – ao menos é o que acredita o seu pai. Nell, interpretada por Ashley Bell, torna toda a feitura do filme em algo relevante, aliás as atuações são pontuais em quase todos os casos, especialmente com Louis Herthum, Patrick Fabian e Calebe Landry Jones.

    Lá pelos 27/28 minutos o reverendo é mostrado montando suas arapucas de exorcismo, como cordões invisíveis, sons emulando Satanás em aparelhos de mp4. A “pilantragem” é muito semelhante a de muitos iguais brasileiros, que se utilizam da ignorância alheia e alta superstição para encher seus bolsos de dinheiro.

    Os relatos dos cidadãos comuns prestam um serviço de verossimilhança à obra, mas já foram usados tantas vezes que torna-se um recurso exaustivo. Daniel Stamm dirige seu segundo longa-metragem e até consegue prender a atenção de espectador, mesmo que seu horror movie não contenha muitos sustos.

    No segundo ato as coisas mudam, e Nell passa a dar indícios de medo, aparentemente ligada à figura paterna. O patriarca diz achar que as ações são demoníacas, mas o testemunho do irmão e do pastor local fazem levar a possibilidade para uma criação de métodos medievais, agressivos e violentos, o que causaria na menina problemas de ordem psiquiátricas, que se agravam com a descoberta de sua gravidez, especialmente com a possibilidade de incesto.

    Na última meia hora o ritmo acelera drasticamente, o que torna a trama ainda mais interessante. O conjunto de possibilidades apresenta hipóteses interessantes, que remetem até à perda da inocência, mas que se provam como falácias puras e simples. O plot twist à la Bebê de Rosemary é legal, mas falta a si a ambiguidade do clássico de Polanski. O Último Exorcismo, em última análise, é uma exploração competente do tema, mesmo sem recorrer a todos os clichês do gênero filme de exorcismo, apelando para as repetições típicas dos mocumentários.

  • Crítica | Blue Jasmine

    Crítica | Blue Jasmine

    Blue Jasmine

    Woody Allen, é um cineasta prolífico e obsessivo. São quase 50 filmes, muitos deles apresentando de alguma forma os mesmos temas, os mesmos personagens e as mesmas narrativas. Nas mãos de Allen isso não é um problema, sua obsessão genuína e seu humor fazem com que voltemos ao cinema para ver exatamente isso, Woody Allen sendo Woody Allen.

    Blue Jasmine é ao mesmo tempo algo novo na filmografia do diretor e algo profundamente clássico. É novo porque nunca ele havia se debruçado tanto sobre uma figura feminina, mesmo em Annie Hall, ela aparece pela perspectiva de Alvy, e em Vicky Cristina Barcelona a tríade de mulheres fragmenta a atenção. Aqui não, o filme é todo de Jasmine, é seu rosto que ocupa a tela em super-closes, é sua neurose e seus traumas que conduzem a narrativa, nós só sabemos o que ela está disposta a admitir.

    Também é novidade que Woody Allen dê tanta liberdade criativa a um ator. Na maioria de seus filmes, o intérprete acaba parecendo o próprio Allen (o caso mais notável deve ser Owen Wilson em Meia Noite em Paris), ou ao menos incorporando trejeitos e entonações típicas de seus filmes. Mas a Jasmine de Cate Blanchett é uma criação dela, sua postura, voz e jeito, são todos dela, ainda que a personagem seja uma clássica neurótica de Woody Allen.

    E é por isso que o filme é também clássico. Jasmine é uma personagem típica do diretor: neurótica, verborrágica, esnobe e, ainda assim, inexplicavelmente cativante. O ambiente que ela circula também é familiar, especialmente nos filmes dos últimos anos: a classe alta urbana, culta, cheia de jantares, ingressos para a ópera e obras de arte na sala de casa.

    Blue Jasmine é o resultado de dois esforços criativos, onde Allen entra com seu estilo habitual e Cate Blanchett injeta novidade e um outro ponto de vista, criando uma mulher que é sobretudo real. A atuação dela é antológica, o estado emocional e as oscilações da protagonista se refletem em sua postura, sua voz, até a aparência de seu rosto. Blanchett sempre foi uma ótima atriz e esse é sem dúvidas um de seus melhores trabalhos.

    Há um outro mérito em Blue Jasmine: Woody Allen erra menos que de costume ao tratar de classes menos favorecidas. O esnobismo do autor vem a seu favor quando olha para seu próprio meio, mas derrapa em todos os filmes em que ele tenta falar de classes baixas (à exceção, talvez, de O Sonho de Cassandra). Aqui, embora a irmã da protagonista e seus namorados não sejam exatamente bem construídos, eles são um pouco mais agradáveis e menos estereotipados que os personagens de, por exemplo, Os Trapaceiros.

    Filmado em São Francisco, o filme não chega a fazer da cidade a sua protagonista, o que é um respiro depois de infinitos filmes em que o cenário teve papel mais significativo do que os personagens em cena. Talvez por estar de volta ao seu país, Woody Allen se sinta a vontade para voltar para dentro de casa e para dentro de personagens neuróticos e obcecados, menos planos abertos, mais super-closes. Jasmine talvez cruze um pouco mais a linha da loucura do que a média dos personagens do cineasta. Allen também volta ao tema da sorte: é um acaso que a leva a recaída, é por um acaso que não tem saída.

    Blue Jasmine é exatamente isso: um filme de Woody Allen que soa como um filme de Woody Allen. Falta a parcela de genialidade de obras como Annie Hall e Manhattan, mas não importa, é ainda assim um filme bastante bom.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | O Colecionador de Ossos

    Crítica | O Colecionador de Ossos

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    Não há mediano no universo de filmes policiais. Ou a trama sustenta-se e consagra-se ou vira história mal contada com elementos de investigação. Atualmente, o cinema preocupa-se muito mais em criar uma atmosfera violenta, pelo choque que causa no público, do que conduzir uma boa investigação, coerente e instigante, mesmo que isso seja sinônimo de uma história mais tradicional.

    O Colecionador de Ossos tornou-se um defensor de um estilo não mais em voga, preocupado em justificar a função de cada assassinato no enredo e nunca tirar de cena um dos elementos primordiais da narrativa de investigação: o detetive. Baseada na obra de Jeffery Deaver, a trama desenvolve a dinâmica de dois policiais díspares que, devido à importância do caso, são obrigados a trabalhar juntos.

    A formulação da parceria entre as personagens é composta de maneira não usual. Promove um brilhante detetive forense, incapacitado por um acidente, e uma novata descontente com o departamento em que trabalha. Juntos, a unidade que a dupla produz se torna eficaz, utilizando a experiência de um homem preso a uma cama e um precoce instinto forense de uma policial novata, ainda não acostumada com a brutalidade dos crimes.

    A interpretação de Denzel Washington impressiona pela limitação da personagem. O ator consegue, utilizando apenas o rosto e o tom da voz, expressar a amargura de um homem limitado fisicamente, ciente de que seu quadro clínico não será melhor, e o brilhantismo de um detetive dedicado, em anos de profissão, a estudar e compreender a difícil ciência forense, tornando-se uma referência no assunto e com vários livros publicados. Enquanto Angelina Jolie, ainda não glamourizada pela beleza ímpar, entrega eficiência entre certa beleza ordinária de uma policial bem composta, com personalidade forte, fundamentando credibilidade à trama.

    O sucesso do filme se deu, em boa parte, pelo fato do público acompanhar com os detetives a evolução das mortes e a investigação do caso. Abstendo-se de revelações surpreendentes ou reviravoltas no roteiro como gancho. Preocupando-se em manter a coerência da história para que ela potencialize o suspense da investigação e a eventual revelação dos culpados.

    Estranhamente, nunca houve uma continuação, embora os romances de Deaver deem sequência à parceria das personagens. O livro que originou esta produção foi o primeiro a apresentá-las e, também com estrutura tradicional, apresenta com excelência seu crime e seus desenlaces, sendo uma recomendação a quem gosta do gênero ou se interessou pelas personagens.

  • Crítica | O Cão dos Baskervilles (1939)

    Crítica | O Cão dos Baskervilles (1939)

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    Dirigido por Sidney Lanfield, o Cão dos Baskerville é a primeira fita em que Basil Rathbone encarna o detetive Sherlock Holmes. Os cenários belíssimos, a neblina, os cortes secos, a fotografia e figurinos lembram muito as películas da Universal com temáticas de monstros, das quais o próprio Rathbone participou anteriormente – como o Filho de Frankenstein, lançado no mesmo ano, em 1939.

    O drama começa em Dartmoor, mostrando Charles Baskerville (Ian MacLaren) morrendo. Sherlock não demora a aparecer, aos 4 minutos sua silhueta é mostrada, mas só depois o seu rosto, numa tentativa da câmera de já instaurar uma aura mitológica no personagem. A diferença entre as duas locações é notória, enquanto a escuridão predomina no quintal da Mansão dos Baskerville, o apartamento 221b é um ambiente iluminadíssimo, sem espaço para ambiguidades e enfatizando, claro, os dons de clarividência de seu ilustre locatário.

    A justaposição das cenas em flashback da lenda, lida direto do manuscrito pelo Doutor Mortimer (Lionel Atwill), é um artifício interessante, mas ao ouvir a anedota – bastante amenizada comparada ao conteúdo do livro – Holmes não dá muita importância, tomando o seu violino para tocar despreocupadamente. Seu interesse só retorna ao caso quando é citado novo herdeiro, Henry Baskerville (Richard Greene) então o detetive envia Watson (Nigel Bruce) para ir com eles a Dartmoor, enquanto Holmes se preparava ainda em Londres.

    Watson e Henry se mostram incrédulos em relação a lenda local, ainda que só sejam completamente descrentes superficialmente. As cartas do doutor, em seu conteúdo, mostram o quanto ele está reticente a possibilidade de uma criatura sobrenatural estar rondando o solar. A cena da médium chamando a memória do falecido Sir Charles pode ser encarada como uma referência a obsessão ao espiritismo que assolou o autor Arthur Conan Doyle, e claro, sem a presença do astuto investigador para possivelmente desmentir a mulher ou evidenciar sua charlatanice.

    Mais tarde, com Sherlock já em Dartmoor acompanhado de Watson em uma perseguição, nota-se que a coloração de suas vestimentas, predominantemente cinzas, os fazem quase se camuflar naquele ambiente enevoado, o que se intensifica ainda mais com a filmagem rotoscópica em preto e branco. A revelação do vilão liberando a fera não é nem de longe tão urdida quanto no romance de Conan Doyle, ela é explicita demais, ignorando toda a sutileza e nuances do texto original, sobrando obviedade, apesar da prática ser comum nas obras cinematográficas dos anos 30.

    Talvez o maior problema da adaptação de Lanfield seja a personificação de Watson, um bufão atrapalhado e alívio cômico, pautando a atuação de Nigel Bruce no humor físico, muito diferente de sua contraparte literária, não tão genial quanto Holmes, mas ainda assim bastante inteligente e astuta. A obrigatoriedade de um romance, no caso entre Henry e Beryl Stapleton (Wendy Barrie) também tira o foco que deveria ser dado às investigações, o artifício era uma praxe na época, tanto que o primeiro nome nos créditos finais é o de Richard Green, só depois o de Basil Rathbone e em seguida Wendy Barrie.

    A conclusão é um pouco diferente do original, John Stapleton (Morton Lowry) tenta emboscar Holmes, e retorna à Casa dos Baskerville para terminar o serviço, lá a hipótese dele ser um descendente bastardo do Sir Hugo da lenda é tomada como fato, para que tudo fique mais claro para a audiência. A produção alcançou um sucesso suficiente para a feitura de uma continuação, ainda em 1939.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

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    A primeira coisa que chama atenção na carreira de Alfonso Cuarón é sua diversidade: constam em seu currículo de diretor um filme infantil, uma adaptação moderna de clássico da literatura, um indie filmado no México (seu país natal), um Harry Potter e duas ficções científicas. Embora competente em todos esses filmes, Cuarón nunca destacou-se como diretor, mesmo em E Sua Mãe Também, seu longa mais aclamado, os méritos pareciam ser do roteiro e das atuações, não exatamente do talento do cineasta para decupagens e cortes, e é por isso que a excelência técnica de Gravidade vem como uma surpresa que é quase um choque.

    O roteiro é quase nada: após um acidente com um satélite russo, dois astronautas se veem à deriva no espaço, mas, como Ridley Scott já ensinou, no espaço ninguém pode te ouvir gritar. A referência não é a toa, Alien é uma influência que transparece em Gravidade, a começar pela ideia de fazer no espaço um filme cujo foco não é exatamente o espaço. Alien era um filme de terror, Gravidade é um drama, o espaço é o cenário que permite a premissa narrativa, mas a tecnologia envolvida nunca é o ponto central da trama.

    O ponto central da trama de Cuarón é Ryan Stone e está aí o maior fraco do filme. A personagem não passa de um amontoado de clichês: cientista solitária, perdeu a filha pequena em um acidente estúpido pelo qual ela obviamente se culpa, está no espaço para fugir dos seus demônios terrestres. Clichês tornam-se clichês por um motivo bastante simples: eles funcionam. Mas nem sempre. Um dos fatores que sempre deixou Cuarón a alguns passos de ser um grande diretor é que, para alguém que parece gostar muito de clichês, ele não sabe usa-los a seu favor. O personagem de George Clooney também é um clichê, mas o ator consegue encarna-lo com leveza, humor e charme que o tornam uma caricatura plausível, alguém que talvez pudesse carregar um filme de 90 minutos nas costas. Mas Sandra Bullock não pode. Stone é má construída, mas poderia funcionar nas mãos de uma atriz mais competente. Bullock não é terrível, mas certamente não tem os recursos necessários para sustentar um filme em que ela é a única personagem em tela por 90% do tempo. Sua atuação é sem sal e morna, toda a dimensão de tensão e pavor colocados no filme nem passam por seu rosto.

    Se existe tensão, e existe muita, o mérito é todo do diretor. Cuarón constrói planos belíssimos, precisos e ao mesmo tempo inesperados, a insignificância do homem perto ao tamanho da Terra e, mais ainda, do universo se coloca como opressora e inescapável nos grandes planos abertos  de um céu repleto de estrelas. Gravidade demonstra por imagens o como somos realmente poeira de estrelas e assim transforma o objetivo de sua protagonista em uma missão impossível. Stone precisa vencer absolutamente todas as estatísticas, sua vida é uma chance em mil e a metáfora final, comparando a chegada da cientista a Terra com a existência da vida parece adequada.

    As metáforas de morte, renascimento e evolução estão presentes por todo o longa, mas funcionam como um guia de composição de imagens, um bônus do diretor. Está ali e é possível ver, mas também está ali uma história bem contada, um filme tenso e bem amarrado. Há um mérito enorme nessa escolha: uma ficção científica com metáforas existenciais, mas que não permite que essas metáforas roubem a cena é o que o próprio Scott deveria ter feito em Prometheus, mas não conseguiu. Porque Gravidade é essencialmente isso: um filme clássico que conta uma história, deixa o espectador tenso ou emocionado nas horas certas, obedece um arco determinado e tem um final feliz, reflete sobre questões mais profundas, mas não busca ser nenhum tipo de filme filosófico ou reflexivo. Gravidade está bem mais perto de Alien do que 2001: Uma Odisseia no Espaço ou Solaris.

    Além de composições excelentes, Cuarón conduz seu público através do som, enfatizando o silêncio opressor do espaço. O uso do silêncio, e não da trilha, é o verdadeiro trabalho nesse filme e o principal responsável pela criação de atmosferas e sensações. Porque no final, Gravidade é isso: um filme de atmosferas e sensações. A tensão engendrada não vem por nós de roteiro, mas porque o espectador consegue imaginar a sensação terrível de se estar à deriva no espaço. Funcionaria melhor com uma personagem mais bem construída, em alguns momentos o filme me perdeu como espectadora simplesmente porque não me importava se Stone morresse de algum jeito terrivelmente dolorido no espaço, criar um personagem empático é essencial para a tensão.

    Gravidade prova que Alfonso Cuarón pode ser um grande diretor, a composição de planos do filme e o uso da linguagem é algo tão preciso que apenas Aleksander Sokurov faz algo comparável hoje em dia (mas em um “nicho” bem diferente do mercado). Contudo, como em todos os seus filmes, Cuarón fica um passo atrás de seu próprio potencial, uma escolha errada aquém de um filme perfeito.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Blood Money: Aborto Legalizado

    Crítica | Blood Money: Aborto Legalizado

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    Sinopse: Uma investigação sobre a indústria do aborto nos Estados Unidos, do ponto de vista dos ativistas contrários à prática, conhecidos como pró-vida. O documentário pretende mostrar que o aborto legalizado é sinônimo de assassinato de bebês, que as mulheres sofrem traumas irreparáveis com essa prática, e que a intenção por trás do aborto é apenas a ganância e a vontade de diminuir a quantidade de negros nos Estados Unidos, já que as mulheres negras representam a maioria dos abortos no país.

    De acordo com o diretor, o documentário Blood Money foi idealizado em 2004, no período das eleições presidenciais, ao perceber que o tema apenas virava assunto de debate nessa época com nítidas intenções eleitoreiras, sem acrescentar informação ou qualquer esclarecimento.

    David K. Kyle estreia na direção com este documentário – narrado por Alveda King, sobrinha de Martin Luther King Jr. – cuja sinopse dá a impressão de que se trata de uma denúncia referente à monetização do aborto nos Estados Unidos. Contudo, o roteiro alterna entre militância pró-vida e denúncia, sem muito cuidado na transição de um a outro, o que dá a impressão de que a montagem foi feita aleatoriamente. A sequência de depoimentos e apresentação dos fatos parece não seguir uma linha narrativa. Mesmo tratando-se de um documentário, as ideias poderiam estar melhor alinhavadas, de modo a apresentar o tema da maneira mais sucinta possível. O que, em vários momentos, não ocorre.

    É ponto pacífico que a melhor maneira de defender um ponto de vista não é mostrar apenas o seu lado da questão, mas sim mostrar os dois lados e, com argumentos, demonstrar que seu lado é o melhor. E o roteiro não faz isso. Todos os entrevistados compartilham do ponto de vista do diretor/roteirista. Qualquer espectador mais crítico com certeza fica à espera de depoimentos que façam o contraponto. E, na tentativa de aproximar o público do drama de algumas entrevistadas, o exagero nos closes é entediante – o excesso causa desconforto.

    Certamente, seria mais interessante ao público caso a parcela de denúncia do documentário tivesse sido investigada com maior profundidade. A exploração da indústria do aborto, a “criação” de clientes em potencial, a eugenia e o controle de natalidade, o ‘modus operandi’ das clínicas e afins são mostrados bem superficialmente. Enquanto que os depoimentos dos entrevistados que são nitidamente contra o aborto – muitos deles sem qualquer base científica ou jurídica – ocupam mais de 60% do tempo.

    Não cabe aqui discutir ser a favor ou contra as ideias apresentadas no documentário, mas vale frisar que o tom de “catequização” talvez seja um tiro no pé nas intenções do diretor de suscitar o debate sobre o assunto.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Alta Fidelidade

    Crítica | Alta Fidelidade

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    Baseado na obra de Nick Hornby, Alta Fidelidade é o 14° longa de Stephen Frears – de Coisas Belas e Sujas e Terra de Paixões. Traz em seu conteúdo uma comédia intimista, pessimista e até conformista, dependendo é claro dos olhos que a analisam. Mais do que isso, High Fidelity é um filme sobre como as escolhas da vida são feitas e sobre o que se deve insistir.

    John Cusack faz Rob Gordon, um rapaz já não tão jovem, com idade aproximada de três décadas, mas que guarda em seu estilo de vida algo de infanto-juvenil. Não é um loser completo por possuir uma loja de discos que mais se assemelha a um sebo nos moldes brasileiros, onde emprega dois desajustados que não saem de lá mesmo com os baixos salários que recebem, mas que ainda assim, se permitem acreditar que são melhores do que os clientes que por lá passam. Em uma fala, vinda de um amigo dos três, em que ele compra um disco raro e que o vendedor se recusara a vender para um cara “comum”, exemplifica bem essa máxima (que é também o resumo a auto-imagem que alguns blogs nerds brasileiros se encaixariam – entre eles, este Vortex Cultural):

    “- Por que o vendeu para mim e não para ele?
    – Você não é tonto, Louis.
    – Vocês são esnobes.
    – Não somos.
    – É sério. São totalmente elitistas. Julgam-se os eruditos, depreciados e desprezam as pessoas que sabem menos que vocês, que é todo mundo.
    – Sim.
    – É muito triste, só isso.”

    Rob tem uma estranha tara por querer ranquear tudo, passando todo o seu tempo junto a Barry – Jack Black – fazendo listas Top 5, de setlists, bons filmes ou momentos marcantes da vida. Tais ações lembram muito os maneirismos do comportamento obsessivo, a ânsia por qualificar a tudo e a todos é reflexo de outra máxima dos personagens, de que o que faz uma pessoa importante é o que o indivíduo gosta, não o que ele é. A declaração soa superficial, e é, segundo o protagonista, mas corresponde a realidade daqueles que são mostrados em tela, e é obviamente crível visto a ótima construção dos personagens.

    A estrutura narrativa que Frears escolheu não poderia ser melhor, a narração de Rob tratando de quase todos os assuntos diretamente com o público não soa estranho em momento algum, e deixa de ser estranha com poucos momentos de exibição. O modo como o conjunto de nerds é retratado é engraçado, pitoresco, mas não é super caricato. A falta de tato social dos personagens é mostrado de forma verossímil, e eles não precisam ser os estereótipos em todo o tempo, cada um deles é mostrado com nuances, complexidade e dimensionalidades múltiplas.

    As relações mostradas constituem um dos pontos fortes do roteiro, que contempla na relação de Rob e Laura – Iben Hjejle – uma linha guia, mas que ramifica por cada um dos namoros que ele teve durante sua vida. O resgate aos momentos anteriores de sua vida representam em alguns momentos nostalgia e em outros pontos de puro terror,  mas tem em comum a interessante tarefa de análise do caráter e do comportamento de Rob diante das tão temíveis relações amorosas, explicitando as inseguranças e os medos do sujeito medíocre diante do temível gigante chamado solidão – que se solidifica com a decisão dele de parar de pular de galho em galho. Gordon não termina o filme como um sujeito perfeito, mas demonstra que seu personagem evoluiu, e aprendeu que deve tentar se arriscar mais, ousar e tentar ser algo mais além do ordinário.

    Apesar da mensagem final ter um tom de auto-ajuda, a criatividade em como as coisas se desenrolam passam por cima de qualquer possibilidade de pieguismo barato, graças ao roteiro de Cusack, Steve Pink, Scott Roserberg e D V DeVincentis, além é claro, da portentosa lente de Stepher Frears, que soube condensar todo o humor cáustico e nonsense com toda a metalinguagem presente no script e tirando de seu elenco as melhores atuações possíveis.

  • Crítica | Serra Pelada

    Crítica | Serra Pelada

    80 - Serra Pelada

    Depois do fracasso de 12 Horas (Gone) em Hollywood, o cineasta Heitor Dhalia volta ao Brasil com o longa Serra Pelada, que conta a história, de dois amigos, situada dentre a loucura desencadeada pela descoberta de ouro no interior do Pará. No início da década de 1980, o complicado Juliano (Juliano Cazarré) e o professor Joaquim (Júlio Andrade) decidem sair de São Paulo e ir atrás da riqueza do ouro em Serra Pelada logo quando há a descoberta do metal na região, na tentativa de enriquecerem e mudarem de vida, mas logo verão que as condições para isso acontecer serão mais complicadas do que pensavam.

    Partindo de uma perspectiva intimista e situando dois personagens comuns em meio a uma história recente e de drama social do país, Dhalia se utiliza de toda a qualidade técnica que o cinema nacional agora dispõe, desde a captura de som, que chega a incomodar tamanho o volume do som ambiente, (como alguém engolindo um líquido, tão alto quanto a conversa no local) até a ambientação, o set, o figurino e a locação, passando um realismo que confere bastante credibilidade ao espectador. O uso da narração também é questionável, pois as informações apresentadas (como os nomes dados a cada etapa e responsável pela produção do ouro) poderiam ser inseridas no contexto de outra forma, menos direta. Porém, parece que a escola Tropa de Elite ainda é muito forte e deixou marcas nesse aspecto.

    Quanto às atuações, os maneirismos dos protagonistas são contidos e poucos estereótipos são usados, o que vale um ponto extra em se tratando em uma produção filmada na região norte. Com exceção dos homens feminizados e tratados como as mulheres do acampamento de forma muito simplista. A participação de Wagner Moura como um dono de “barrancos” de exploração de ouro também é interessante. Excelente ator que é, consegue garantir boas participações, mas às vezes exagera nos maneirismos na tentativa de caracterizar seu personagem, como em uma cena em que mastiga compulsivamente, com uma captação de som altíssima, prejudicando o entendimento de suas falas.

    Porém, o desenvolvimento da história e dos protagonistas, que no início é cativante, passa a ser cansativa pela excessiva vontade do diretor em nos mostrar cada detalhe de cada transição, deixando de lado a interpretação, em um vício muito comum do cinema nacional, que tem dificuldade em separar-se da narrativa novelesca da televisão. Com isso, as duas horas do filme soam desnecessárias, já que o segundo ato perde muito tempo em montar situações repetidas para estabelecer fatos que já soam claros ao espectador, o que prejudica a narrativa final e o desfecho.

    Também faltou uma caracterização maior do restante da população trabalhadora de Serra Pelada. Não os paulistas de classe média como os protagonistas, mas também o miserável, explorado que não consegue sucesso e não consegue enriquecer tão fácil como o filme pode deixar enganar. Faltou um espaço maior a esse cidadão comum, que é retratado de forma simplista, sob uma perspectiva do sudeste e do asfalto, que não entende o drama desse povo, que é mais do que um mero coadjuvante tendo destaque somente em cenas de brigas de bar.

    De maneira geral, Serra Pelada inicia bem, introduz personagens reais em uma situação real, mas foca demais em duas pessoas e suas tragédias pessoais, que pouco a pouco vão fazendo o tal realismo do filme se perder em meio a tantas reviravoltas que soam artificiais, enquanto a questão social do garimpo, focada timidamente no início, vai sendo deixada cada vez mais de lado. Apesar de uma iniciativa interessante, ainda falta maturidade ao cineasta em saber criar narrativas menos maniqueístas e com personagens mais profundos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Gravidade

    Crítica | Gravidade

    Gravidade - Pôster Teaser

    O novo filme do diretor mexicano Alfonso Cuarón já era considerado um dos melhores do ano  mesmo antes de ser lançado, e tamanha expectativa geralmente não dá bons resultados, ainda mais quando seu trabalho anterior, o excelente Children of Men (Filhos da Esperança) atingiu um sucesso enorme de crítica. Porém, ao contrário de outros diretores estrangeiros em Hollywood, Cuarón parece ter encontrado um equilíbrio essencial entre uma narrativa clássica, mas com uma técnica precisa, que fornece elementos, metáforas e que se comunica com praticamente todo tipo de público.

    A história do filme gira em torno dos astronautas Matt Kowalski (George Clooney) e Ryan Stone (Sandra Bullock). Ambos estão em uma missão de conserto ao telescópio Hubble quando são surpreendidos por uma chuva de destroços decorrente da destruição de um satélite por um míssil russo, que os joga no espaço, sem comunicação e auxílio da NASA. A partir de então, eles precisam encontrar um meio de sobreviver naquele ambiente.

    Com uma premissa interessante, e um trailer de tirar o folego (e que ganha pontos por não contar absolutamente nada da história), Gravidade atraiu um grande público aos cinemas do mundo, público este que geralmente não iria ver um filme com temática espacial. Por sua imensa qualidade técnica, tanto no manejo da câmera e no uso milimétrico de plano-sequencia quanto na intensidade e profundidade do som, Gravidade garante uma imersão completa na urgência e no perigo do espaço, que assusta qualquer pessoa com sua imensidão, vazio, frio e principalmente, sem oxigênio.

    Essa imersão é essencial justamente para acompanharmos o desenrolar dos eventos de Matt e Stone em busca da vitória contra cada uma das adversidades em seu caminho, que apesar de não serem totalmente verossímeis aos especialistas da área, garante um grau de realismo suficiente para o espectador confiar em tudo o que está vendo e acreditar que tudo realmente pudesse ser daquela forma. Só por causar debates nesse sentido, o filme já tem um imenso mérito.

    O longa oferece vários tipos de metáfora que flertam com o nascimento humano, a luta pela sobrevivência e principalmente a superação de dificuldades, de onde precisamos sair de uma zona de conforto aprisionante em busca de uma custosa, porém, engrandecedora liberdade. A cena final representa isso, ao se acostuma com a falta de gravidade, Stone se sente feliz ao não conseguir andar de primeira, e está grata por ter aquele peso da vida nas costas ao contrário da sufocante leveza do espaço.

    Porém, um ponto fraco do filme é justamente a falta de profundidade e a busca limitada de razões para seus signos. Se Gravidade está sendo tão comparado a obras clássicas como “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, deveria ter tamanho peso quanto Kubrick imprimiu em sua obra, que também está repleta de elementos técnicos aditivos a uma narrativa complexa, porém, bela, que foge do simples “entendimento” para a pura “interpretação”, que toda obra de arte deve ter, e nisso, Gravidade mira aquém do que poderia. Talvez pela época e pela fase atual da indústria do cinema, mas por toda sua qualidade, falta uma empatia maior pelos personagens, que por vezes são caricatos demais, como Matt, ou não muito convincentes de seu drama pessoal, como Stone.

    Difícil dizer se o filme irá sobreviver ao frenesi e entrará no hall de produções como 2001, Solaris ou Contato, porque o debate em torno destes vai além das qualidades técnicas, e sim das questões e aflições humanas ali retratadas. O que dá pra dizermos agora é que o público nunca se cansará de produções boas e de cineastas com algo a dizer, e sempre irá consumir produtos com qualidade. O sucesso de Gravidade prova isso. Que venham outros tão audaciosos quanto.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

    Crítica | Thor: O Mundo Sombrio

    Thor-2-Mundo-Sombrio

    O sinal de alerta diminuiu bastante, mas continua ligado. Após o repleto de equívocos Homem de Ferro 3, o Marvel Studios prossegue em sua chamada Fase 2 com Thor – O Mundo Sombrio. Esta segunda (Leia nossa crítica sobre o primeiro Thor) aventura solo (e terceira aparição, na cronologia peculiar do estúdio) do Deus do Trovão sabiamente dedica-se ao universo particular do personagem e consegue encontrar espaçao para, enfim, introduzir elementos para os próximos filmes. Porém, tropeça em alguns problemas desconfortavelmente semelhantes ao citado terceiro filme do Sr. Stark.

    A trama, surpresa nenhuma, situa-se logo após Os Vingadores. Vemos Loki em prisão perpétua, e a única que parece ainda se importar com ele é sua mãe adotiva Frigga. Thor está empenhando em batalhas pelos Noves Reinos, mergulhados num caos depois da destruição da Ponte do Arco-Íris, e não consegue deixar de pensar na Terra e/ou Jane Foster. A bela doutora, por sua vez, segue pesquisando fenômenos científicos enquanto suspira pelo loirão. E é ela, graças a um acidente do destino, que desencadeia a ameça da vez: derrotados há milhares de anos por Bor, avô de Thor, os elfos negros e seu líder Malekith retornam para devolver o universo às Trevas.

    O primeiro Thor sofre duras críticas – injustiçadas – que se concentram no tempo do filme passado na Terra. Em O Mundo Sombrio, esse tempo é reduzido, mas o problema é maior. Paradoxal? Nem tanto. Antes era uma história de origem, havia a necessidade de se criar uma ligação do herói com nosso mundo, até por conta de Os Vingadores. Agora, havia todo um background específico a ser trabalhado. E o filme começa muito bem, mostrando o ancestral Bor e os outros reinos além de Asgard e Midgard. Seguir nessa linha poderia render um plot muito mais interessante: ver Thor, Lady Sif e os Três Guerreiros empenhados nas tais batalhas para pacificar os mundos, em mais do que alguns flashes. Em vez disso, o argumento escolhido privilegia os coadjuvantes terrestres, cuja utilidade é enfatizar o aspecto humorístico.

    O erro não chega no nível catastrófico de Homem de Ferro 3, aqui o timing está mais acertado, recuperando o estilo consagrado da Marvel. O melhor momento do filme, inclusive, é uma piada sensacional com a aparição inesperada de outro vingador. Mas o longa acaba pecando pelo excesso, há mais gracinhas do que seria necessário. A personagem Darcy, apesar de Kat Dennings ser puro amor, irrita porque cada uma de suas frases é irônica/engraçadinha. Somando-se a ela, um inútil novo personagem (o estagiário) e o Dr Selvig transformado num maluco nudista, um humor óbvio e fácil demais.

    Em relação aos vilões, pode ser uma apontada uma certa preguiça em desenvolver algo mais criativo. Destruir o universo durante um alinhamento de planetas (rebatizado aqui como Convergência entre os Reinos) é clichê dos mais básicos. Pelo menos os elfos negros tem um visual interessante e trazem uma tecnologia que representa um desafio para Asgard. Aliás, a “tecnomagia” estabelecida no primeiro filme ganha mais espaço, vemos mais armas e naves que reforçam o teor fantástico que Thor permite que Universo Marvel comece a explorar.

    Enquanto isso, os personagens asgardianos infelizmente tem um papel bem mais discreto do que no primeiro filme. Hogun mal aparece, Fandrall e Volstagg pouco fazem e Sif é tremendamente desperdiçada. Heimdall, então, chega a ser patético lembrar da sua anunciada “maior participação” nessa sequência. Odin é mostrado ainda mais como um rei velho e cansado, ansioso por deixar o trono, e não como o poderoso Pai de Todos. Compreensível, para dar espaço para Thor ser não apenas o guerreiro, mas o herói que ele precisa ser. De positivo, o maior destaque dado para Frigga.

    Mas o dono do filme não poderia ser outro senão Loki. Tom Hiddleston incorporou tanto o personagem, que nem precisa se esforçar para ser o mais carismático. Ele passeia, flutua pelas cenas e se diverte ao trabalhar mais uma vez com a característica mais marcante do Deus da Trapaça: a ambiguidade. E pra não dizer que não falei dos protagonistas, Chris Hemsworth e Natalie Portman estão ok, nada demais. O romance recebe um enfoque que já era esperado, porém não incomoda, ao menos não em comparação com os reais defeitos da história.

    Não que Thor – O Mundo Sombrio seja um filme ruim. O problema em analisá-lo é que os pontos positivos são os mesmos de sempre: ótimo visual, ritmo equilibrado (na maior parte do tempo) entre tensão e humor, e boas cenas de ação. Como a expectativa era mais alta, pois a liberdade era maior por não existir a necessidade apresentar personagens/ambiente, os aspectos negativos acabam se sobressaindo. Em resumo, uma aventura divertida, mas esquecível, e um grande potencial sub-aproveitado. Agora é esperar pela incógnita total chamada Guardiões da Galáxia (atenção para a cena pós-créditos) e promissor (haters gonna hate) Capitão América – O Soldado Invernal. Sem esquecer da esperança maior que é Vingadores – A Era de Ultron.

    Texto de autoria de Jackson Good.