Categoria: Cinema

  • Crítica | Para Roma com Amor

    Crítica | Para Roma com Amor

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    Woody Allen é um cineasta de fórmulas: sua filmografia consiste em algumas histórias contadas repetidas vezes de forma mais ou menos parecida.  Porém o diretor é tão dono de seu estilo que é capaz de injetar frescor na obra e manter o interesse em filmes que apresentam pouca coisa de novidade.

    Mas, se o talento de Woody Allen é ser Woody Allen, seus filmes não são tão bons quando ele tenta ser outro diretor. Ainda que esse diretor seja Federico Fellini.

    Para Woody Allen (como para mim e, imagino, para a maior parte daqueles que já ficaram atrás de uma câmera de cinema), Roma é de Fellini, e ele enche seu filme de referências e homenagens ao diretor italiano: o núcleo do casal em lua-de-mel é adaptado de Abismo de um Sonho, o surrealismo da história de Leopoldo ou do “cantor de chuveiro” são absolutamente fellinianos.

    Mas de todas essas histórias a mais interessante é que tem menos Fellini e mais Woody Allen. O personagem de Jesse Eisenberg é um dos muitos alter-egos do diretor, um daqueles personagens inseguros, neuróticos, intelectuais e desajustados que ele analisa tão bem, mas que nesse filme não ganha espaço para ser olhado de perto, justamente por conta dos múltiplos núcleos.

    O forte de Allen são seus personagens e a forma como ele destrincha suas inseguranças, medos e neuroses. A graça de seus filmes é a lupa colocada nas nossas relações, nas brigas e detalhes de cada personalidade. Assim, ao optar por contar várias histórias ao mesmo tempo o diretor perde aquilo que tem de melhor e constrói um filme bastante simpático e eficiente, mas que não tem o carisma de seus melhores momentos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Um Filme Sérvio

    Crítica | Um Filme Sérvio

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    A primeira coisa que deve ser dita sobre Um Filme Sérvio – Terror Sem Limites (A Serbian Film, 2010) é que todos os comentários que vocês já leram a respeito das atrocidades do longa não são exagerados. Fui assisti-lo por ser apaixonado por cinema –  portanto gosto de ver filmes de todos os gêneros possíveis -, mas pela primeira vez em muito tempo fiquei surpreso.

    Se O Albergue, A Centopeia Humana ou até Anticristo foram suficientes para te deixar mal por uma semana, com certeza Um Filme Sérvio não é para você. Como já diriam os antigos anciãos: “A ignorância é uma bênção”. Nesse caso, é mesmo!

    O filme conta a história de Milos (Srđan Todorović, nem tente pronunciar o nome desse cara), um ator pornô aposentado que vive com mulher e filho de maneira aparentemente pacata. Milos está frustrado com sua situação, já que sente um pouco de saudades do seu antigo emprego, até que uma antiga colega lhe oferece uma oportunidade: a chance de fazer um trabalho único para um misterioso diretor de filmes pornôs. Sem saber o que poderia acontecer dali para frente, Milos aceita a proposta. Assim que as filmagens começam, o protagonista percebe que havia adentrado um universo de obscuridade de que não gostaria de estar participando, mas do qual já era tarde demais para sair.

    Já vi filmes perturbadores na minha vida, e com certeza este ganha com mérito uma cadeira ao lado de Irreversível, Saló – 120 dias de Sodoma, Guinea Pig – O Experimento do Demônio, Holocausto Canibal e Eraserhead. Cada um deles mostra os recônditos da escuridão da alma humana – cada um à sua maneira, seja psicologicamente, com violência gráfica ou de ambas as formas. Temos a oportunidade de, mais uma vez, entrar num universo no qual a única sensação é a do vazio e desgosto em pensar nas atrocidades que existem por aí.

    Pedofilia, necrofilia, violência elevada ao extremo, estupro e outras barbáries compõem o quadro. Uma atrás da outra, sem pausas. Até a metade do filme ficamos na dúvida sobre o que pode acontecer. A partir do momento em que somos surpreendidos pela primeira vez com um ato sexual violento, pensamos que não pode piorar; mas é só no final que podemos voltar a respirar normalmente. É um filme que segura a tensão para além dos créditos.

    Em uma entrevista, o diretor Srdjan Spasojevic disse que Um Filme Sérvio nada mais é do que uma crítica política e uma metáfora para a situação da Sérvia: o país está em colapso, as estruturas públicas estão indo por água abaixo e a violência está atingindo níveis absurdos. Estas questões são representadas pelos problemas dos personagens, pela representação da indústria pornográfica no gênero snuff (filmes pornôs que envolvem fetichismo e crimes) como uma estrutura governamental desproporcional, e de toda a violência como uma alegoria à situação em que vivem.

    A metáfora é um pouquinho exagerada, mas não deixa de ser uma crítica ao governo sérvio. Não sei se Spasojevic conseguiu o que queria, mas uma boa parte do mundo comentou o filme. O único problema é que essa crítica não é tão fácil de ser visualizada. A proposta do filme é atingir o extremo, e ele é bem sucedido nisso; as atuações, ambientações das filmagens e iluminação casam perfeitamente, criando uma forte angústia no espectador. A trilha sonora, composta essencialmente de batidas eletrônicas, é seca, fria e perturbadora. O filme inteiro é uma provocação aos nossos instintos.

    Como se não bastasse ser controverso, o longa criou ainda mais polêmica em diversos países onde seria exibido. No Brasil, o Ministério da Justiça classificou-o como não recomendado a menores de 18 anos, mas a avaliação demorou a ser alcançada. Um pedido da Procuradoria da República em Minas Gerais queria proibir a exibição (como aconteceu na Espanha e Reino Unido, por exemplo).

    É aqui que eu paro para fazer uma reflexão: tão repulsiva quanto as imagens do longa é a atitude de censura que vem tentando ser estabelecida para sua exibição no Brasil. Acredito veementemente que proibir nunca será a solução, principalmente porque estamos falando de um filme que certamente será baixado pela Internet pelos mais curiosos, sendo proibido ou não. Ser liberado e ter sua classificação etária reconhecida já é o suficiente para selecionar as pessoas que irão assisti-lo.

    Quando assisti Brüno, vi dezenas de pessoas se levantando no meio da sessão e indo embora. Deveria este ter a exibição proibida? É claro que não, já que isso é uma questão de escolha individual. O filme de Sacha Baron Cohen tinha classificação indicativa de 18 anos, e as pessoas estavam cientes do que poderiam ver quando fizessem a escolha de assisti-lo. Tenho certeza de que, apesar de repulsivo, muitas pessoas já tiveram a oportunidade de assistir a Um Filme Sérvio e o fizeram, em sua maioria, já sabendo o que poderiam esperar.

    Não acredito na censura – principalmente quando se trata de uma obra artística – pela simplória justificativa de que aquilo poderia afetar emocional e psicologicamente uma boa parte das pessoas que a ela teriam acesso. Isso vai contra a individualidade e a liberdade de cada pessoa.

    O filme consegue ser perturbador, doentio e chocante. A arte de fato pode ser levada ao extremo. Ela tem limites? Talvez não, e Um Filme Sérvio está aí para provar.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | O Espetacular Homem-Aranha

    Crítica | O Espetacular Homem-Aranha

    Fazendo uma analogia bem óbvia, assistir O Espetacular Homem-Aranha pode ser comparado facilmente à experiência de andar numa montanha russa. Não pelas grandes variações dentro da trama – uma vez que não há muitas, já que se trata de mais um filme de origem – mas muito mais pelos altos e baixos da qualidade do roteiro, com um equilíbrio assustador entre os dois lados. Primeiro, vamos aos melhores momentos.

    Logo de cara, é possível fazer uma afirmação: a escolha de Andrew Garfield para o papel de Peter Parker foi um acerto superlativo. Em sua interpretação, ele concede fragilidade e senso de humor em níveis bem mais profundos que Tobey Maguire, protagonista da trilogia anterior, que também já havia feito um bom trabalho. Os momentos nos quais são mostrados o peso da responsabilidade que acompanha os poderes recém-adquiridos são particulamente interessantes na interpretação de Garfield.

    Se por um lado as cenas de ação perderam o tom épico impressos pelo trabalho de direção de Sam Raimi nos três primeiros filmes – quem não se lembra do momento no qual Tobey Maguire para um trem usando o próprio corpo em Homem-Aranha 2? – , as mesmas agora são mais frenéticas e cortadas num ritmo mais acelerado.

    Isso não acontece por acaso. Como se sabe, esse novo filme mira num público bem mais jovem, menos interessado em planos longos e demorados e bem mais ávido por ação desenfreada.

    Sim, a ação está lá. Mas o diretor Mark Webb (500 Dias com Ela) não comete o erro de focar a história apenas nela, dando boa profundidade emocional a Peter Parker; seja por meio do enigma que envolve o desaparecimento de seus pais, seja na relação não necessariamente tranquila com seus tios Ben (Martin Sheen) e May (Sally Field), seja na dificuldade de aproximação com seu interesse romântico, Gwen Stacy (Emma Stone).

    Infelizmente o mesmo não acontece com a representação do doutor Curt Connors (Rhys Ifans), alter ego do vilão deste episódio, o Lagarto. As variações motivacionais dele parecem muito mais fruto de um personagem mal construído que de um trabalho mais rico de caracterização. O vai-e-vem de sua postura em relação a Peter Parker e às circunstâncias que o cercam fragilizam a sua presença.

    A situação se agrava quando o próprio Lagarto surge em cena. A aproximação visual aos movimentos do réptil que lhe concedeu os poderes é um ponto positivo da produção. Mas paramos por aí. O inimigo do Homem-Aranha aqui é retratado de forma civilizada, reflexiva e até mesmo excessivamente estratégica. Ele fala, raciocina e planeja, uma postura muito mais próxima a um Doutor Destino que à natureza original do personagem.

    O Lagarto é – ou deveria ser – uma máquina assassina e devastadora, exatamente como nos quadrinhos. Para os que não o conhecem, vale a pena procurar por Tormento, microssérie (apenas dois episódios) do Homem-Aranha escrita por Todd Mcfarlane lançada aqui no Brasil na primeira metade dos anos 1990 pela Editora Abril. Ali, o Lagarto aparece em toda a sua natureza bestial.

    Da maneira como foi retratado no filme, entretanto, o personagem provoca muito mais simpatia que horror.

    Há furos de roteiro graves. Um dos piores ocorre numa constrangedora e forçada cena que envolve guindastes, já próximo ao fim do filme. Nela, numa tentativa desesperada de mostrar a simpatia e agradecimento que alguns habitantes de Nova York começam a demonstrar pelo cabeça de teia, os roteiristas extrapolam todos os limites da suspensão de descrença em favor de um momento “edificante”.

    Avaliando friamente – como, aliás, toda crítica a uma obra deveria ser – fica evidente que Sam Raimi possui muito mais recursos como cineasta que Mark Webb. Este último faz um bom trabalho. Mas a mão para composição e enquadramento de Raimi está anos-luz à frente do novo diretor.

    E já que mencionamos os dois realizadores, chegamos a um ponto igualmente importante: é muito difícil – na verdade, quase impossível – assistir o novo filme sem compará-lo à série anterior. E isso ocorre por um motivo bastante óbvio: além de ter sido bem realizada (com exceção da dispensável terceira parte, de 2007), a primeira trilogia é muito recente e, sem dúvida, ainda está impressa nas mentes dos fãs. Até mesmo porque seus episódios são repetidos exaustivamente nos canais de TV por assinatura.

    Em última análise, O Espetacular Homem-Aranha funciona bem para o que se propõe: um reboot da série do aracnídeo no cinema. No entanto, ao fim do filme, fica a sensação de que o que poderia ter sido ótimo foi apenas bom.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Até Que a Luz Nos Leve

    Crítica | Até Que a Luz Nos Leve

    Até Que a Luz Nos Leve

    Incêndio de igrejas. Violência. Satanismo. Essas são apenas algumas das figuras negativas que são associadas a um gênero peculiar de música: o Black Metal. Trata-se de uma vertente do rock extremo que começou a mostrar suas caras a partir dos anos 80 e desde então gerou várias polêmicas ao longo dos anos. Até Que a Luz Nos Leve (Until The Light Takes Us– 2008) nos é trazido pelos diretores Aaron Aites e Audrey Ewell para, em tom de documentário, apresentar um pouco da realidade da cena deste gênero a partir da visão de músicos que fizeram parte da gênese do mesmo.

    Ao longo do filme, duas são as principais figuras que nos acompanham para apresentar as motivações, a história, as razões do que viria a ser a ideologia propagada pelo black metal norueguês: Gylve “Fenriz” Nagell (Darkthrone) e Varg “Count Grishnackh” Vikernes (Burzum).

    O cenário gélido da Noruega, país em que os precursores desse movimento foram criados, ilustra bem a forma de expressão fria e crua do estilo. Marcantes e envolventes são os momentos em que Fenriz caminha pela floresta silenciosamente, expressando subjetivamente a sua forma de fazer arte. Varg, por outro lado, é entrevistado na cadeia em que está preso. As versões dos fatos que fizeram surgir o movimento vão sendo apresentadas de maneira sincera e esclarecedora, justificando lucidamente os propósitos do estilo que foi criado.

    O black metal surge como forma de protesto. Uma força obscura que busca a autonomia cultural, a liberdade de expressão e de pensamento. Seus adeptos buscam reivindicar laços históricos e culturais negando o conformismo ideológico trazido pela globalização.

    Para atingir essa reivindicação, muitos deles praticaram assassinatos e queimaram igrejas. Varg foi o exemplo mais claro e famoso dos que foram acusados por tais crimes. Seu caso repercutiu na mídia quando, em 1993, assassinou Euronymous, seu colega e integrante da banda Mayhem. Ele alegou autodefesa, mas foi também condenado pelo incêndio de igrejas. A partir desse ponto, a imagem do black metal começou a ser rechaçada pela mídia.

    “Estava em todos os jornais e é aí que nós teríamos algo com o que nos preocupar”, diz Fenriz. “Cena Satânica” foi a divulgação descontrolada por parta da mídia, mesmo não tendo nenhuma relação com tal ideologia. O modo como o movimento foi dispersado fez com que tomasse um rumo completamente diferente do que seus “fundadores” queriam. A filosofia do círculo foi deixada de lado e novos e desvirtuados valores, foram criados. Uma nova figura fantasiosa havia surgido e assim se alastrou. Uma “marca” foi criada.

    Fica em extrema evidência que, no interior da mente desses músicos, o black metal não se trata apenas de um estilo musical, mas de uma filosofia. Não se trata de ganhar apenas dinheiro com álbuns e produtos, nem de fama ou reconhecimento. Trata-se de liberdade.

    Das palavras do próprio Varg: “Eu prefiro morrer lutando pelo que acredito a viver por qualquer outra causa.”

    Até Que a Luz Nos Leve é um documentário poderoso e muito interessante para todas as pessoas que são fãs dos diferentes gêneros do rock, e até mesmo para os curiosos que procuram entender fenômenos artísticos e culturais. Obscuro e intenso são duas palavras que ilustram bem a profundidade da arte proposta pelo black metal.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | A Vida dos Peixes

    Crítica | A Vida dos Peixes

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    “Está tarde. Preciso ir embora” é o que o personagem Andrés (Santiago Cabrera) diz assim que o filme se inicia. Nosso protagonista mora em Berlim a 10 anos e escreve para uma revista de turismo. Voltou ao Chile para resolver algumas pendências antes de se instalar definitivamente naquele país e resolve passar na festa de aniversário de um dos seus amigos de infância. Desde o momento que ele diz ir embora somos levados a nos aprofundarmos no cerne do passado do personagem e todos os sentimentos inerentes a ele.

    Caminhando pela casa vagarosamente, cada passo que Andrés dá com o intuito de ir embora daquele local é uma pontada de dor em seu coração, pois o reencontro leva à tona os sentimentos de nostalgia e saudade das boas lembranças do passado, os quais também estão relacionados com uma certa sensação de despedida, já que o passado apenas permanece nas lembranças.

    Nos momentos em que Andrés encontra sua antiga paixão Beatriz (Blanca Lewin) é quando os olhares e diálogos se tornam cada vez mais profundos. O personagem se depara questionando sua vida solitária e sem muitos laços que leva, sabendo que ainda ama Beatriz e pensa como teria sido se eles tivessem seguido uma vida juntos. O personagem trabalha tendo que pensar como um turista e acaba se tornando um na sua própria vida, pois acaba não sabendo lidar com seu passado que está diante dele. Tal qual peixes dentro de um aquário, todos acabam presos dentro de aquários que são formados pelas vidas que cada um construiu.

    Longe de ser um filme monótono, A Vida dos Peixes se trata de entrar em sintonia com sentimentos, que são muitíssimo bem transmitidos pelos atores do filme, cujos olhares são profundos e intimistas. Mérito também à forma como o filme foi conduzido pelo diretor Matías Bize e pelo seu roteiro, composto por diálogos sinceros e melancólicos juntamente compostos pelos quadros contemplativos que ressaltam apenas os rostos das pessoas e suas expressões. A trilha sonora combina perfeitamente com a atmosfera e não a deixa sobrecarregada demais.

    A Vida dos Peixes é apaixonante. Sua atmosfera é melancólica, cheia de silêncios, olhares e suspiros que dizem mais do que qualquer coisa que eu poderia dizer.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Fausto

    Crítica | Fausto

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    Aleksandr Sokurov é um cineasta difícil, seus filmes são poéticos, visuais, extremamente simbólicos e pouco, ou nada, narrativos. O diretor russo ficou conhecido em 2002 quando  A Arca Russa ganhou a Palma de Ouro em Cannes. O filme é um plano sequência de 97 minutos que passeia pelas diversas salas do museu Hermitage habitadas por personagens históricos e obras de arte, ao mesmo tempo palácio czarista e atração contemporânea.

    Fausto, seu filme mais recente e ganhador do Leão de Ouro em Veneza no ano passado, se apoia mais na narrativa tradicional. Trata-se de uma livre adaptação do clássico de Goethe, porém Sokurov coloca seu foco menos nas consequências do pacto com o diabo e mais no processo de sedução de Fausto.

    O filme é de uma beleza notável: as cores e a construção dos planos lembram quadros renascentistas ou barrocos, Margarida se parece com a Vênus de Boticelli e tudo tem uma atmosfera etérea, como se no fundo os acontecimentos não passassem de sonho ou delírio do protagonista.

    Ao mesmo tempo Fausto é um filme de contrastes. Sokurov constrói minunciosamente esse mundo entre a Idade Média e a Modernidade, opões ruas sujas e estreitas e florestas arejadas, os intestinos que vazam de um morto em uma autópsia à beleza angelical de Margarida, o jovem e atraente Fausto ao deformado diabo. É um mundo que conhece ciência e astronomia e avança na medicina, mas no qual ainda se acredita em demônios.

    Ao optar por fazer um filme sobre a sedução de Fausto, Sokurov moderniza o mito: esse filme não é sobre a ambição e descontrole do homem moderno (como o livro parece ser), mas sobre um homem com excesso de informação que busca por um sentido. Os diálogos são longos e carregados de referências filosóficas e indagações existenciais e ao final, Fausto não encontra qualquer resposta, mesmo quando deixa de buscar nos livros e  a procura no corpo de Margarida.

    O personagem não vende a alma quando assina o contrato, mas ao levantar a saia da moça e olhar, clandestinamente, por baixo dela. E é sobre isso o filme de Sokurov: a oposição entre intelecto e desejo, razão e crença, tudo aquilo que desejamos e pelo que nos deixamos corromper.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | E aí… Comeu?

    Crítica | E aí… Comeu?

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    Fernando (Bruno Mazzeo) é um arquiteto que está passando por problemas emocionais, consequência do fracasso do seu casamento. Honório (Marcos Palmeira) é um chefe de família que suspeita estar sendo traído por sua esposa Leila (Dira Paes). Fonsinho (Emilio Orciollo Neto), por sua vez, é um bon vivant que tenta emplacar a carreira como escritor, mas nunca conseguiu terminar um livro sequer e, ainda por cima, nunca conseguiu desvendar os segredos do amor. Os três são amigos de infância e estão sempre juntos no Bar Harmonia para falar da vida, dos empregos e, principalmente, das mulheres.

    “E aí…comeu?” é uma adaptação da peça homônima escrita por Marcelo Rubens Paiva, que nos apresenta de uma maneira bem humorada uma visão bastante intimista do universo masculino ao se focar na maior parte do tempo nos diálogos dos três amigos que se reúnem em um bar. O ambiente descontraído faz com que as conversas sejam sempre escrachadas, mesmo quando estão falando dos assuntos sérios uns dos outros, como uma forma de cada um deles relaxar e descontrair dos seus problemas do cotidiano.

    O filme é bem sucedido quando os personagens estão tendo um “papo de boteco” e os homens podem sentir-se bastante à vontade com a forma como os personagens interagem entre si. Porém, toda essa coerência apenas se resume nas cenas que se passam dentro do bar, pois o roteiro se demonstra fraco quando cada um volta para sua realidade e, a partir dali, o humor resta um pouco forçado.

    O destaque da atuação fica por conta de Marcos Palmeira, que rouba a cena durante todo o filme, reflexo da excelência da atuação do mesmo. Por outro lado, o humorista Bruno Mazzeo decepciona em mais uma tentativa de atuar nas grandes telas. A decepção reside no fato de que sua atuação é de certa forma limitada, o que não é diferente nesta produção. No lado feminino, Dira Paes faz uma excelente participação, mesmo tendo poucos momentos durante o filme.

    É visível que o filme dirigido por Felipe Joffily com certeza deve fazer mais sentido e ser mais engraçado no formato de teatro, o que se percebe em alguns recursos de narrativa utilizados no filme. Um exemplo disso são duas cenas em que Marcos Palmeira aparece no plano principal, conversando com o espectador em tom humorístico sobre a cena que está acontecendo atrás dele. Com certeza um excelente recurso de narrativa, principalmente pela proposta da história, mas que por ter sido utilizado apenas em dois momentos curtos e distintos do filme, acabou dando a impressão de que ficou jogado e mal utilizado. Na peça, tal recurso com certeza seria mais coerente e melhor colocado, pois o ator estaria tendo um contato direto com a plateia a sua frente.

    “E aí…comeu?” tem uma narrativa de cotidiano que poderia ter dado certo, mas peca em detalhes técnicos e opções de roteiro que o fizeram apenas parecer mais um filme brasileiro de qualidade mediana, como a maioria das comédias nacionais que podemos ver por aí. Uma comédia que reflete um cinema nacional comercial que não se arrisca em roteiros mais elaborados e que se perde em frases de efeitos e meia dúzia de cenas realmente engraçadas. É apenas mais do mesmo.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Brazil

    Crítica | Brazil

    Só tive conhecimento da existência de Brazil, de 1985, em 2012, foi-me indicado como mais uma sociedade distópica, no melhor estilo 1984. Portanto, era uma obra de ficção científica obrigatória. E assim fui, com todas as expectativas. Não sabia nada, do diretor, roteirista, nada, a única pista que eu tinha era que Robert de Niro participava do elenco.

    Aos 30 minutos do filme, confesso que tive que fazer uma pausa, para obter mais informações, quem era o diretor, roteirista, alguma pista que eu conseguisse para saber se aquelas 2:20 iriam valer a pena, pois a premissa do filme era muito oposta do que eu esperava, e qual não foi minha surpresa ao ver que era Terry Gilliam, diretor de Monty Python e o Cálice Sagrado e roteirista de A vida de Brian. Agora, tudo fazia sentido.

    Esperamos em geral de filmes desse tipo, mundos tecnocratas, frios e sombrios. Em que a narrativa, incita aquele que a acompanha a sentir a mesma tensão que aquele mundo exige. Brazil vai além, contendo todos os elementos clássicos desse tipo de história, mas somando uma pitada de humor nonsense, beirando ao pastiche. E também com muitas viagens oníricas do personagem principal, que nos deixa totalmente confusos sobre o que é realidade e o que é sonho.

    A história, é de um funcionário do ministério da informação Sam Lorry (Jonathan Price), que percebe que o sistema do governo errou, e esse erro, o une a Tuttle (Robert de Niro), um procurado terrorista. E Jill Layton (E aí… comeu?), sua amada. Ao tentar corrigir esse erro do Estado, Sam, acaba por se tornar um inimigo público também.

    A própria trama, como o mundo proposto pelo filme, tem claras inspirações em 1984 de George Orwell. Chegando a dar uma impressão de ser uma sátira à própria obra (o  diretor é um especialista nisso). Repleta de críticas à nossa sociedade. Como a indiferença dos indivíduos, às situações de horror e morte. O culto a beleza física, e cirurgias plásticas. A governos e instituições autoritárias, em que a única função é a manutenção do status-quo. Enfim, tudo que se espera em uma boa obra de ficção, em conjunto com uma sátira.

    A trilha sonora, é composta praticamente, com apenas uma música, Aquarela do Brasil, que faz um ótimo contraponto ao clima da trama em seus momentos mais tensos. E colabora com as viagens oníricas do personagem principal, na estranheza sobre o que é um fato real, e um sonho. Claro, que é um tipo de obra que leva a uma reflexão, algumas mais óbvias e explicitas na obra, como as críticas sociais. Outras talvez mais pessoais do que realmente implícitas. Como, que em uma sociedade, apesar de distópica. Mas não tão distante da nossa, no tocante à manutenção do status quo presente, qualquer que seja o custo disso. Qual a real possibilidade de uma reversão desse estado? Ou ainda mais, ao chegar em tal estado de organização, e anestesia social. Qual a diferença entre sonho, realidade e alucinação. Ao se buscar um ideal melhor.

    Brazil, é um ótimo filme, obrigatório para os fãs de ficção científica, ou até ficção política, como alguns gostam de caracterizar, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451, e o já citado 1984.

    PS. Você, brasileiro, por favor, não me envergonhe ao falar o nome desse filme como Brrrezil. Só porque está escrito com Z. Sério, além de pedante, é patético.

  • Crítica | Prometheus

    Crítica | Prometheus

    Prometheus

    Tudo começou quando Ridley Scott e James Cameron, no início dos anos 2000, resolveram fazer uma quinta produção da franquia Alien. A ideia até então seria um prequel para a famosa franquia que teve seu primeiro filme lançado em 1979 (Alien – O Oitavo Passageiro). Quando do desenvolvimento de Alien Vs. Predador, em 2003, o projeto havia sido colocado na geladeira e apenas retomado em 2009, quando o diretor resolveu dar continuidade a ele. Finalmente em 2012 temos contato com Prometheus, um filme que foi bastante esperado pelos fãs do gênero ficção científica.

    Em 2089, os arqueólogos Elizabeth Shaw (Noomi Rapace) e Charlie Holloway (Logan Marshall-Green) descobrem um mapa estelar através de vestígios de antigas civilizações desconexas umas das outras. Eles acreditam que o mapa estelar os levaria para o planeta em que residem os chamados “Engenheiros”, seres responsáveis pela criação da raça humana. Com o apoio de Peter Weyland (Guy Pearce), o CEO da Weyland Corporation, a expedição científica é patrocinada e enviada em direção à lua LV-223.

    A fome insaciável do ser humano por conhecimento e os questionamentos sobre nossa existência é o ponto de partida que o filme nos traz. Prometeu, na mitologia grega, foi um Titã que defendeu a humanidade, roubando o fogo dos deuses e entregando-os aos mortais. Em sanção a esse feito, Zeus o acorrentou a uma pedra, onde teria seu fígado comido por uma águia todos os dias por toda a eternidade. Temos aqui a figura do ser humano colocando as mãos em um conhecimento divino, que não deveria ter chegado nem perto (segundo a vontade dos referidos deuses). No filme, temos a presença de uma expedição que quer se encontrar com seus criadores para que eles nos respondam sobre as questões mais elementares da nossa existência.

    O filme de Ridley Scott é claramente inspirada nas obras Eram os Deuses Astronautas (Erich von Däniken) e Nas Montanhas da Loucura (H.P. Lovecraft). Enquanto no primeiro, o autor teoriza sobre a possibilidade de que seres do espaço visitavam a Terra na época das antigas civilizações e eram considerados deuses por estas, no segundo temos uma a influência do terror que provém do desconhecido.  Ambas as influências misturadas formam uma ideia que gera muitas possibilidades, porém no roteiro de Prometheus, infelizmente, acabam se perdendo a partir de pouco antes da metade do filme. Tentou-se criar um clima de tensão o qual foi sendo desconstruído por uma série de situações não convincentes e que, algumas vezes, beiravam o cômico.

    Criador e criatura. A necessidade de se perguntar do por quê de sua existência e tentar enfrentar o “pai”, que o abandonou. Em um momento do filme é facilmente visível o rosto de um Engenheiro que evidencia seu desconforto, sem precisar expressar em palavras, ao perceber que humanos haviam chegado até ali e isso não era certo. O mesmo Engenheiro menospreza o andróide, percebendo que sua criação também queria ser criadora de uma forma de vida. Tal como Zeus, os Engenheiros também queriam penalizar os humanos por suas transgressões.

    Existencialismo, espiritualismo e criacionismo são apenas alguns dos muitos temas que são levantados pelo filme ao longo de toda sua extensão. Porém, essas discussões que poderiam ter sido exploradas de uma maneira mais profunda, dando um peso excepcional para a narrativa, acabam apenas sendo arranhadas sob a ponta de um iceberg. Por outro lado, tal fato também é responsável pela abertura de dezenas de discussões entre os espectadores. John Spaihts e Damon Lindelof, roteiristas do filme, nos entregam apenas um ponto de partida para um universo sombrio onde algo de errado aconteceu e nossos criadores mudaram de ideia quanto a seus “filhos”.

    O ponto em que Prometheus mais peca acaba sendo no desenvolvimento dos seus personagens. Ao contrário do que foi feito em “Alien – O Oitavo Passageiro” – e é o único ponto em que é justo comparar com a franquia, pois ambos os filmes são completamente desconexos um do outro e possuem propostas completamente diferentes, apesar de fazerem parte do mesmo universo – em que os personagens da tripulação da Nostromo eram carismáticos e conseguiam fazer com que o espectador simpatizasse com eles, em Prometheus tal relação resta mal sucedida. Toda a tripulação da nave, com a exceção do capitão Janek (Idris Elba, que infelizmente possui poucos momentos na trama) e o androide David, (interpretado por Michael Fassbender) não conseguem criar empatia com o espectador. Infelizmente o excelente elenco, contando com a forte presença de Charlize Theron por exemplo, é sub-aproveitado por um roteiro raso e com personagens mal explorados.

    David é de longe o maior destaque do filme, evidenciando cada vez mais a excelência na atuação de Fassbender, que tem feito uma excelente carreira nos cinemas. Nesse filme, nos proporciona uma atuação a níveis robóticos. Seu destaque se dá também ao inserir em diversos momentos do filme a discussão sobre a consciência robótica. Assim como temos os seres humanos contrapondo às figuras dos “Engenheiros”, temos os androides contrapondo aos seres humanos, pois foram criados por estes. Em cenas diversas, o espectador se questiona até que ponto o robô estava obedecendo às ordens de seus chefes e até que ponto ele conseguia manipular as pessoas a sua volta com o intuito de atingir suas próprias vontades.

    A qualidade gráfica de “Prometheus” é excepcional. A filmagem inteiramente em 3D mesclada com os efeitos especiais bem desenvolvidos deram como resultado imagens que impressionam, resultado este atingido anteriormente em filmes como Avatar (de James Cameron) e A Invenção de Hugo Cabret (de Martin Scorsese). Com certeza um dos grandes pontos altos por apresentar as capacidades impressionantes da tecnologia 3D, ao contrário dos péssimos exemplos que encontramos nos cinemas, os quais infelizmente ainda são maioria do catálogo.

    Enfim, por mais que tenha tido uma série de problemas de narrativa que acabaram incomodando muitas pessoas uma certeza que temos é que o filme conseguiu criar questionamentos e teorizações frente a uma comunidade de fãs de ficção científica e, principalmente, para os fãs da franquia Alien. Várias e várias especulações são feitas diariamente em fóruns e artigos sobre as relações com o universo de Alien e, inclusive, sobre toda a simbologia que o filme carrega. No fim das contas, Ridley Scott conseguiu o sucesso e isso é um mérito para o filme.

    “Prometheus” deve ser assistido sem a pretensão de ser uma revolução nos filmes de ficção cietífica. Para as pessoas que gostam de “nitpicking” (ou ficar “procurando pêlo em ovo”, em outras palavras),  é perfeito.  Com certeza vão se divertir muito olhando as mil referências aos antigos concept arts de H.R. Giger, ao propósito de criação do clássico Alien que conhecemos, de quem são os misteriosos Space Jockeys, citações bíblicas (O nome da Lua do filme é LV-223, depois deem uma olhada em Levítico 22:3 para entenderem do que estou falando) e, inclusive, referências a Jesus Cristo que possivelmente foi um “Engenheiro”. Enfim, Prometheus é o suficiente para valer a pena o ingresso do cinema e uma diversão despretensiosa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    – Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Blade Runner

    Crítica | Blade Runner

    No dia 25 de junho Blade Runner fez 30 anos: relativo fracasso de público na época do lançamento, o filme também dividiu os críticos, mas acabou se tornando cult e então clássico e colocou Ridley Scott na lista dos grandes diretores contemporâneos.

    Blade Runner é uma das ficções científicas mais populares mesmo entre aqueles que não  gostam do gênero e junto com 2001: Uma Odisséia no Espaço provavelmente a mais estudada, analisada e louvada pelos críticos e teóricos do cinema. Talvez porque aqui Scott fale menos de espaço e futuro e mais do que nos faz humanos.

    Em 2019 a Tyrell Corporations alcançou tal tecnologia na construção de andróides (ou replicantes) que se tornou necessária a aplicação de testes sutis para diferenciar entre eles e os humanos. Além disso: uma nova linha em desenvolvimento passaria a possuir memória, ou seja, um senso de família, passado e identidade. A pergunta que paira no ar então é: por que continuamos a trata-los como coisa?

    A trama segue Deckard ( Harrison Ford) um caçador de andróides contratado para desativar (ou “aposentar”) 4 replicantes que fugiram das colônias espaciais onde habitam e vieram para a Terra, onde são proibidos devido aos riscos da rebelião. Ao ser informado da missão Deckard se pergunta “mas por que eles voltariam a terra?”

    Eles vieram em busca de respostas. Mais que isso, conscientes de que sua vida útil é propositadamente muito curta (apenas 4 anos) vieram descobrir como extendê-la. Replicantes temem a morte, não querem abandonar a existência e sentem que seu tempo no mundo é muito curto. Exatamente como humanos. Mas enquanto nossa morte é inevitável e nosso tempo de vida aleatório, o deles é arbitrário: os andróides sabem quem os criou e sabem que vivem apenas 4 anos por opção desses criadores, eles poderiam ser eternos, ou ao menos viver por centenas de anos, mas não são, e sendo assim vêm a Terra também por vingança.

    Ridley Scott parece ter uma posição a respeito da humanidade dos andróides, ele acredita em sua subjetividade e os atores enchem seus personagens de nuances, sensibilidade e expressões que são tudo, menos mecânicas. Em uma memorável sequência Roy ( Rutger Hauer ) pergunta a Deckard se ele sabe o que é viver com medo e afirma seu temor de que tudo que viu, sentiu e experienciou se perderia no mundo, como lágrimas na chuva. Não se pode ser muito mais humano que isso.

    A personagem de Rachel ( Sean Young ) vem reforçar essa ideia, ela é vulnerável, quase frágil e seu desejo e amor por Deckard são bastante genuínos. Seu figurino cheio de peles dá a impressão de textura, calor e acessibilidade e a fotografia, quase sempre escura e artificial, banha a atriz em luz dourada, em Blade Runner só vemos o sol com Rachel em cena. Certo, suas memórias são falsas, mas é necessariamente falsa a identidade que ela construiu em cima dessas memórias? Rachel tem as memórias da sobrinha do Dr. Tyrell, mas elas são a mesma pessoa?

    A direção de arte e fotografia, aliás, colaboram de maneira excelente com o roteiro e as questões levantadas, dando ao filme uma unidade estética rara. Nunca é dia nessa Los Angeles fictícia, a luz é sempre cinzenta ou colorida de neon, é um mundo artificial mesmo para os humanos “de verdade”. Também existem poucas formas arredondadas, orgânicas, os ambientes são vazios, ascéticos, desprovidos de tudo que aproxima, identifica, de tudo que torna pessoal.

    O diálogo entre Roy e Tyrell (Joe Turkel)  é cheio de ambiguidade e retrata bem a delicada relação entre criador e criatura: o misto de agradecimento e fascínio com ódio por ter sido feito mortal. Scott retoma essas questões 30 anos mais tarde em Prometheus e se pergunta de novo qual o limite da criatura e a recusa de qualquer um em abandonar a vida.

    Assim, Blade Runner é um ótimo filme de ação, mas sua essência e talvez sua permanência, estejam nessas perguntas e no incômodo que até hoje sentimos frente a possibilidade de recriar tão perfeitamente a humanidade a ponto de nos perguntarmos o que é mesmo que faz um humano?

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Alien: O Oitavo Passageiro

    Crítica | Alien: O Oitavo Passageiro

    Alien

    “No espaço, ninguém pode ouvir você gritar.” Eis o slogan de um dos principais marcos da história do cinema. Lançado em 1979 e sob a direção de Ridley Scott, Alien – O Oitavo Passageiro criou um novo conceito para os filmes de terror com monstros, o qual se mescla, ao mesmo tempo, com elementos de ficção científica.

    Somos apresentados à nave cargueiro Nostromo e sua tripulação. No meio da viagem de volta para a Terra, os sete tripulantes a bordo da nave são acordados ao receberem um sinal advindo de um asteróide. Ao investigarem o local, um dos tripulantes é infectado por um alienígena, cujo embrião se aloja dentro de seu corpo. O pesadelo para os tripulantes começa quando o estranho monstro começa a caçar cada um dos tripulantes dentro da nave.

    O primeiro dos muitos méritos que o primeiro filme da franquia Alien possui é o fato de que dispunha, à época, de pouquíssimos recursos visuais e mesmo assim conseguiu produzir um resultado fantástico. A ausência de efeitos especiais surpreendentes como os que vemos hoje são recompensados totalmente com um roteiro completo e que desnorteia o espectador por toda a extensão do filme. Assim como em Tubarão (Steven Spielberg) que não vemos a ameaça na maior parte do tempo, em “Alien” acontece a mesma coisa. São pouquíssimos os momentos em que realmente enxergamos a monstruosidade em toda sua ferocidade, porém isso não muda a atmosfera de tensão criada pelo roteiro. Somos levados a um local isolado e à medida que os membros da tripulação vão morrendo vamos sendo empurrados cada vez mais a um sentimento de desolação extremo, o qual somente se potencializa com a trilha sonora de Jerry Goldsmith.

    Um filme que se passa no espaço com certeza proporciona uma excelente visualização da personalidade dos poucos personagens que apresenta. O elenco faz um excelente trabalho, destacando-se principalmente a atriz Sigourney Weaver como a heroína Ripley. No começo do longa metragem, mal conseguimos visualizar que ela é nossa protagonista, porém conforme o filme vai evoluindo, a personagem também se envolve cada vez mais à trama e a atriz consegue passar de maneira fluida e natural esse envolvimento.

    Não há  mais nada para falar da trilha sonora de Jerry Goldsmith e nem do design dos alienígenas feitas por H.R. Giger além de que são fantásticos e somente ajudaram o filme ainda mais a se tornar o clássico que é hoje.

    Com certeza um filme que vale a pena ser revisto por vários e vários anos. Nos apresenta o melhor do que o cinema tem a oferecer aos espectadores, proporcionando experiências únicas, graças a uma excelente produção. Não há como falar em filmes de monstros, de terror ou de ficção científica sem falar de Alien. Um verdadeiro clássico que merece a atenção de todos.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | American Pie: O Reencontro

    Crítica | American Pie: O Reencontro

    O que você podia esperar de American Pie: O reencontro? Eu esperava ver os peitos da Nadia (Shannon Elizabeth), o Jim (Jason Biggs) constrangido nas conversas com o pai. O Kevin (Thomas Ian Nicholas) sendo o mais chato da turma. O Finch (Eddie Kaye Thomas) comendo a mãe do Stiffler (Jennifer Coolidge). E claro, Stiffler (Seann William Scott) fazendo merda como de costume e mostrando que é o melhor personagem da série.

    Os peitos da Nadia não apareceram. No entanto, fomos agraciados com os da Kara (Ali Cobrin), tão bons quanto, diga-se de passagem. Quanto ao Finch, bem, ele não ficou com a mãe do Stiffler, mas aconteceu um plot-twist impactante em relação a isso.

    American Pie: O reencontro, apesar de ter uma fórmula já batida, principalmente com esses personagens, acaba funcionando justamente por isso. As pessoas viram os filmes anteriores, deram risada, se divertiram, gostavam e se importavam com esses personagens, e depois de um longo tempo da última sequência para o cinema, com o mesmo elenco, eles estão de volta. Trazendo um sentimento de nostalgia, em que você vê que tudo acontece da mesma forma que você esperava, mas com as piadas e comportamentos atualizados para a fase da vida que os personagens estão.

    O próprio diretor brinca com isso. Logo no início do filme, em que o Jim, acorda no meio da cozinha destruída, pelado, fruto da ressaca da noite anterior. Uma cena claramente inspirada nos sucessos recentes de Se beber não Case!. Quase dizendo ao espectador, olha só, eu poderia renovar a fórmula e deixar com algo parecido à esses filmes modernos. Mas não vou fazer isso. Isso é American Pie. No momento em que o Jim pega uma tampa de panela transparente para cobrir suas partes intimas da amiga da Michelle (Alyson Hannigan).

    Além disso, o filme trata por trás de toda sua galhofa e piadas sexuais sobre o reencontro daqueles casais, da época de colégio, mostrando que todos amadureceram. Alguns são mais felizes, outros estão num momento de frustração com a vida que levam. Com exceção do Stiffler e sua mãe, que continuam os mesmos. E com certeza são o ponto mais alto do filme.

    Enfim, American Pie, é ótimo para dar boas risadas, ficar nostálgico  Preparar uma festa de reencontro com o pessoal do colégio, com a playlist lotada de Blink-182, Green day, Sugar Ray, Sum 41 entre outros. E é claro, transar no fim da noite. Portanto se você gostou dos filmes anteriores, dos personagens, com certeza irá se divertir.

  • Crítica | Amor à Flor da Pele

    Crítica | Amor à Flor da Pele

    Wong Kar Wai, originário de Hong Kong, já foi definido algumas vezes como o Pedro Almodóvar chinês e essa associação faz sentido: um cinema de cores saturadas, beirando o kitsch, trilha sonora carregada e principalmente o foco em personagens reféns de seus desejos.

    Amor à Flor da Pele fala da sutil relação entre Su Li-Zhen (Maggie Cheung) e Chow Mo-Wan (Tony Leung, ator que protagoniza quase totos os filmes de Wong Kar Wai). Os dois são vizinhos em uma espécie de pensão na Shangai dos anos 1960 quando descobrem que o marido dela fugiu com a mulher dele. A partir daí entre um certo desejo de vingança e uma atração desafiada pela moral de ambos os personagens constroem uma relação que se estende por anos e que será minunciosamente analisada pelo diretor. Talvez o título em inglês do filme, “In the Mood for Love” deixe mais claro que não se trata de um filme sobre amor, é na verdade um filme sobre desejo.

    Wan deseja Su Li-Zehn (ou Sra. Chan como é chamada pelos outros habitantes da pensão) desde a primeira vez que a vê e esse desejo escancara-se cada vez que ele a vê caminhando de costas, de vestido justo e andar rebolado, pela escada da pensão. Com a descoberta da traição os dois acabam se aproximando, ele quer escrever uma série de artes marciais para o jornal, ela sugere ajuda-lo, mas a consciência dos olhares inquisidores dos vizinhos e da degradação que significaria mais um adultério impede que qualquer coisa aconteça.

    Os atores mal se tocam durante todo o filme, mas a câmera desveste Maggie Cheung a cada plano. A fotografia é toda avermelhada, quente. Os cenários são vulgares, o quarto alugado por Chow lembra muito o que poderia ser encontrado em um bordel. E a trilha sonora repete insistentemente “Quiçás, quiçás, quiçás”.

    Wong Kar Wai é um aficcionado confesso pela Argentina e o tango (um de seus filmes ,”Felizes Juntos”, se passa justamente em La Boca, onde nasceu o tanto argentino) e ele constrói “Amor a Flor da Pele” exatamente como uma dança: a cada momento um dos personagens se aproxima, enquanto o outro se afasta e esse desencontro vem carregado de uma vontade que nunca se realiza, dançarinos não são amantes.

    Pouco acontece além da relação entre os personagens, que cresce e se complica, até que se afastam, mas o jogo entre imagem, música e atuações torna o filme um exemplo brilhante da linguagem cinematográfica. Wong Kar Wai fala sobre amor, obsessão e desejo com nenhuma nudez, pouca fala e ainda menos toque, ele usa apenas cinema.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Homens de Preto 3

    Crítica | Homens de Preto 3

    Após um hiato de 10 anos a série Homens de Preto retorna aos cinemas, agora com uma trama envolvendo viagens no tempo. O tema apesar de já estar batido até que foi bem utilizado nesse filme, mas gostaria de levantar somente um aspecto que eu acho essencial nesse tipo de filme.

    Quando falamos de filmes como MIB a única coisa que prezo é o fator diversão, se de fato aquele dinheiro que gastei no ingresso valeu a pena, se o filme realmente me divertiu. Assim como o primeiro filme saí do cinema satisfeito, me apresentaram um roteiro simples e sem muitas complicações. O agente J. (WIll Smith) perde seu parceiro K. (Tommy Lee Jones) após um prisioneiro chamado “Boris, o animal”  (que perdeu seu braço após um confronto com k, gerando assim aquele sentimento gostoso de vingança) fugir de uma prisão de máxima segurança na Lua. Boris consegue voltar no tempo e mata K, a morte muda toda continuidade no tempo-espaço fazendo com que só J. se lembre do seu parceiro como ele era. Após isso J. tem que voltar no tempo para salvar a vida de K. (agora interpretado por Josh Brolin) e também o destino da terra que está sendo ameaçada por uma invasão de alienígenas da mesma raça de Boris.

    A premissa deixa na cara que o filme não veio pra revolucionar nada ou qualquer coisa do tipo, é simplesmente um filme para você ver e relaxar. O roteiro se desenvolve com J, tentando se relacionar melhor com seu parceiro, que no seu presente era totalmente rude e sem nenhuma expressão emocional. Acaba que o K. do passado é um cara muito extrovertido e até mesmo brincalhão, solidificando assim a relação entre os dois.

    O roteiro não explora muito os outros personagens, e nem precisa. Você tem aquele plot principal que vai se desenrolando até chegar em seu desfecho, é uma história totalmente linear. Mas como disse ela não precisa de grandes reviravoltas (apesar de ter uma bem legal no final) desde que prenda sua atenção do início ao fim.

    No primeiro MIB eu achei muito maneiro a ideia inicial de que existia uma agência que mediava conflitos extraterrestres e regulava a entrada de qualquer ser aqui na terra. Inclusive um dos grandes baratos do filme é a aparição de celebridades meio “anormais” na tela de comunicação de alienígenas infiltrados na terra, que nesse filme tem uma participação hilária, mas tem que prestar muita atenção pra notar.

    Enfim, como disse antes, é um filme divertido. Com todo esse clichê de viagem no tempo o filme mesmo assim consegue se sustentar. E no final temos a explicação do porquê de K. ser tão rude na timeline inicial, e algumas coisas que não falarei porque seriam claramente um belo de um spoiler.

    Texto de autoria de Raphael Wisnesky.

  • Crítica | Battleship: A Batalha dos Mares

    Crítica | Battleship: A Batalha dos Mares

    Certo dia entraram num estúdio dois roteiristas e um diretor. Um estava bêbado, outro drogado e o outro sóbrio. Eles precisavam de inspirações para seu novo projeto. Primeiro assistiram Mad Max, depois Water World, fizeram alguma relação. Depois assistiram Transformers. Então veio a lâmpada de inspiração em suas cabeças. Vamos fazer nos inspirar na obra-prima Transformers, só que na água. O drogado então disse, com alienígenas, robôs e BURROS e ainda com um quê de suspense, em que o pessoal não sabe onde está o inimigo. Os 2 já comemoravam o novo Blockbuster. Até que o sóbrio tem um complemento de ideia mais genial ainda. Vamos ligar pra Hasbro e licenciar o jogo, batalha naval, vai ser um sucesso fácil de bilheteria, vai trazer todos que jogaram batalha naval pro cinema. E ainda completou, ESTAMOS RICOS!!! Foi a festa no estúdio. O executivo da Universal fez até um churrasco pra comemorar.

    Essa poderia muito bem, ser a história do filme Battleship: A batalha dos mares. Mas com certeza não é, porque nada que gere um filme, se é que podemos assim chamar, tão ruim, pode ser tão legal.

    Battleship, como diz o nosso garoto do Blockbuster, Jackson, é um filme errado. A começar pelo roteiro, que tem mais furos que cobertor de mendigo. Que eu vou tentar resumir em poucas linhas. Humanos desenvolvem um tipo de projeto SETI, com o objetivo de tentar fazer contato, com um planeta, que tem as mesmas características que a Terra. Em algum sistema solar por ai. Obviamente, que não existem alienígena bonzinho em filme de ação, Hollywood já nos ensina isso desde os anos 40/50.

    O mais incrível é que em pouco tempo depois de fazer contato, esses aliens chegam à Terra. Com apenas 3 naves. Só que uma delas, a de comunicação, porque não, bate num satélite e eles ficam com duas naves de batalha. Criam então uma cúpula de campo de força no meio do oceano pacífico. Justamente onde está rolando uns “jogos de guerra???”, entre Japão e Estados Unidos. No fim das contas, o que interessa, é que meia dúzia de gato pingado, uns veteranos da segunda guerra e uma chaleira da segunda guerra mundial, destroem os alienígenas burros. Mais um detalhe, que faz parecer muito verídico. Os alienígenas tem ultra sensibilidade a luz, escolhem justamente o Hawai. No melhor estilo, Sinais. Um artifício barato de roteiro, para colocar alguma limitação nos inimigos.

    Entre cavalos de paus de destroyers, avaliação sobre quem é inofensivo e quem não é por parte dos aliens, desenvolvida pela universidade de loucos. Temos uma tonelada de clichês, exagero de efeitos visuais e sonoros, pra compensar a total falta de roteiro. E estrelando essa merda toda, temos o nosso querido, Taylor Kitsch (também conhecido como, Temperado na Merda). Brooklyn Decker, uma gostosa andando para lá e pra cá, com camiseta regata sem sutiã e shortinho. Rihanna, fazendo o papel da Michelle Rodriguez, mas esquecendo de morrer nos minutos iniciais do filme e também, sem mostrar o reguinho. Pra completar o time que merece ser mencionado, Liam Neeson ( também conhecido como Liam Nelson), fazendo o almirante Zeus, num papel absolutamente tosco, para um ator de seu calibre. A única coisa que ele tem oportunidade de fazer, é mandar o presidente a merda. Nem discurso do igual o do Bill Pullman, em Independence Day, deixaram-no fazer.

    Eu nem precisaria dizer o obvio, que no final das contas os humanos (americanos, é claro) vencem, mesmo contra toda as possibilidades. Mesmo com a marinha inteira dos Estados Unidos, não conseguindo intervir na cúpula. Talvez o único ponto interessante do filme, seja a participação de um veterano da guerra do Afeganistão, que perdeu as pernas em combate, que senta a porrada em um alienígena, com tanta vontade. Tudo em câmera lenta, com direito até a dente alien voando no soco.

    Tudo isso que eu critiquei, ainda seria aceitável se o filme não se levasse a sério. Fosse uma porradaria desenfreada e frenética do começo ao fim. Agora, quando temos intermináveis 131 minutos de exibição, tentativas da forma mais clichê possível de fazer desenvolvimento e motivação do herói. Tentar fazer o ponto de virada do herói, quando ele passa a ser maduro e forte, pronto para salvar o mundo. E ainda dizer, “Eles podem nos vencer, mas não vai ser hoje”. Não da. Simplesmente não dá.

    Pra fechar com chave de merda. A sequência inicial do filme, é uma refilmagem de um vídeo famoso. Em que um ladrão tenta assaltar uma loja de conveniência nos Estados Unidos. E acaba fazendo um monte de merda. Segue o vídeo.

    Assista ao trailer de Battleship: A batalha dos mares.

    PS: Disseram por aí, que os efeitos visuais do filme são bons.

  • Crítica | Donnie Darko

    Crítica | Donnie Darko

    ATENÇÃO: O TEXTO ABAIXO CONTÉM SPOILERS. ESTÃO AVISADOS!

    Assistir a um filme nada mais é do que uma atividade sensitiva que estimula nosso cérebro a raciocinar e a trabalhar em cima de todas as imagens que são transmitidas aos nossos olhos ao longo da película. É uma espécie de quebra-cabeça. As imagens funcionam como peças de informação, as quais devem ser montadas para poderem ser analisadas através de uma visão global, de modo a compreendermos uma possível mensagem que está tentando ser passada para os espectadores. Esse é o trabalho dos diretores. Transmitir uma ideia.

    Hoje vou falar sobre um dos filmes que, na minha visão, melhor trabalham a questão do quebra-cabeça cinematográfico. Estou falando de Donnie Darko, dirigido por Richard Kelly e lançado em 2001. Um filme que não pode simplesmente ser considerado ordinariamente e abaixo tentarei explicar o porquê. Antes de mais nada, recomendo sinceramente que assistam ao filme, já que o texto com toda a certeza terá spoilers. Se você, mesmo sem ter assistido, quiser se aventurar, bom… a vida é uma longa e insana viagem.

    Donnie Darko, interpretado por Jake Gyllenhaal, é um jovem problemático que possui indícios de esquizofrenia. Um dia, Donnie conhece Frank, um coelho gigante que o salva de um acidente que  ocorre em sua casa. Frank profetiza o fim do mundo para Donnie, o qual passa a obedecer ordens do Coelho. Donnie se encontra inserido entre a realidade e suas alucinações, ao mesmo tempo em que questiona o sentido da vida e da morte.

    A primeira cena do filme nos apresenta o clima em que adentraremos: Donnie amanhece no meio da rua, em uma estrada com um lindo visual nas montanhas. Ele levanta sem saber como chegou até lá e dá um sorriso, como se achasse graça da situação. É evidente que Donnie é um garoto diferente, solitário e sombrio. Na cena seguinte, pega sua bicicleta que estava deitada no acostamento (indicando como ele se locomoveu até aquele ponto tão distante da cidade) e volta para casa. Nesse caminho de volta, somos apresentados a uma pacata cidade, ambientada no final dos anos 80, com pessoas caminhando, o pai de Donnie cortando grama, sua irmã mais velha saindo para passear, sua irmãzinha pulando na cama elástica e sua mãe lendo um livro do Stephen King. Um típico exemplo de família modelo, em que Donnie seria a ovelha negra: ao entrar em casa depara-se com “Onde está o Donnie?” escrito na porta da geladeira. A figura do personagem no filme representa sua autenticidade no contexto geral da sociedade.

    O mundo em que vivemos cria padrões de comportamento e modelos a serem seguidos por toda uma sociedade. Todas as pessoas e elementos indiretamente acabam sendo englobadas por essas “tendências” sociais. Os que não se enquadram no modelo  acabam sendo moralmente coagidos, retaliados ou forçados a adentrarem. Fica evidente essa ideia quando descobrimos que Darko toma remédios psiquiátricos. Teria ele esquizofrenia como sua analista suspeitava ou seria apenas uma forma de a sociedade não aceitar a forma não convencional como nosso protagonista age? Donnie desaprova quando toma seus remédios; porém, mesmo assim, o faz.

    Na noite do mesmo dia somos apresentados à entrada de dois universos: o da mente de Donnie Darko e a realidade. Donnie é acordado por Frank, o coelho gigante, que profetiza o fim do mundo. “28 dias, 06 horas, 42 minutos e 12 segundos”, diz Frank. Podemos dizer que metaforicamente Donnie estaria adentrando nesse momento no País das Maravilhas: na fábula de Lewis Carroll, um coelho conduz Alice para uma outra dimensão. Tanto Donnie quanto Alice apenas existem; seus conhecimentos passam a ser adquiridos com os acontecimentos que vem a seguir. Na mesma noite acontece outro fato estranho: uma turbina de um avião cai em cima da casa de Donnie, mais especificamente em cima de seu quarto, porém nosso protagonista não estava lá, pois havia sido acordado por Frank. Ninguém sabe de onde veio a turbina e nem de que avião, o que torna as coisas ainda mais misteriosas até esse ponto do filme.

    Inserido no meio de uma série de acontecimentos estranhos, uma pessoa “anormal”, por assim dizer, passaria a se encontrar na anormalidade das coisas que vão acontecendo. Uma nova realidade é criada, com a qual Donnie acaba se identificando. O filme apresenta uma forte discussão no que diz respeito ao sentido da vida e da morte. Em uma cena do filme, o pai de Donnie quase atropela uma velha senhora chamada de Roberta Sparrow. Ela chega no ouvido de Donnie e diz que “todos os seres vivos morrem sozinhos”. Essa fala, por si só,  vai cair como um peso sobre os ombros do protagonista, pois é um pensamento terrível. Em um mundo onde as pessoas vivem socialmente e se apegam, a solidão é um pesadelo. Morrer ganha a figura desse pesadelo ao pensarmos que vivemos em vão, sem nenhum sentido, para atingirmos um fim indiferente, que é nossa morte.

    A vida não é tão simples assim e, por isso, Donnie vai questionar a ordem da sociedade. Em seu colégio, uma de suas professoras passa a incitar os alunos a aceitar a filosofia de Jim Cunningham (interpretado por Patrick Swayze), o qual defende que a vida se baseia em amor e medo. Todos temos que nos afastar de atitudes que se enquadrariam na categoria “medo” e deveríamos assumir posturas coerentes com “amor”. Donnie não aceita essa visão e passa a se meter em problemas na escola por conta disso, como quando ele mandou sua professora enfiar a “linha do medo” na… é, deu para entender.

    Frank incita Donnie a realizar uma série de atos “criminosos” contra sua cidade, buscando como único objetivo o de virar de cabeça para baixo o mundo em que vivem. Inundar a escola e queimar a casa de Cunningham, por exemplo. Tudo não passa de um movimento de criação. No contexto do filme temos a destruição como uma forma de criação e a busca da quebra de paradigmas.

    Ao mesmo tempo entramos em uma discussão digna de Stephen Hawking, já que Frank diz: “Venha comigo para o futuro” e, a partir de então, entramos em uma discussão pesada em relação a viagens no tempo. Observamos que todas as atitudes que Frank manda Donnie fazer acabam influenciando de alguma forma o futuro do personagem. Até mesmo quando Darko conhece Gretchen (interpretada pela linda atriz Jena Malone), a qual virá a ser namorada de Donnie futuramente, foi justamente pelo fato de ter inundado a escola na noite anterior.

    Nesse momento do filme percebemos que Donnie Darko já entendeu que ele é o responsável por determinar os resultados de seu futuro. Ele possui o poder de manipular os acontecimentos e é nisso que ele acredita. Queimar a casa de Cunningham, por exemplo, acabou por revelar que o mesmo possuía uma série de fotos, vídeos e objetos que o denunciavam como pedófilo. Através da atitude de Darko, Cunningham é desmascarado e por isso é preso.

    A todo momento não sabemos até que ponto as coisas que vêm acontecendo, os encontros com Frank e as coisas que ele manda Donnie fazer são parte da realidade e o que faz parte de possíveis alucinações do nosso personagem principal. Será que as supostas viagens no tempo realmente seriam possíveis? Donnie está intrigado com essa possibilidade e passa inclusive a buscar ajuda de um dos seus professores para tentar entender os princípios físicos da viagem do tempo.

    Algumas cenas que se passam na escola ajudam a desenvolver ainda mais os mistérios apresentados ao longo do filme. Quando a professora Karen Pomeroy (interpretada por ninguém menos que Drew Barrymore) é demitida, ela diz a Donnie “cellar door” (porta de adega, em tradução livre), citando Edgar Alan Poe e J.R.R. Tolkien, que a consideravam a frase mais bela da língua inglesa, sonoramente falando. Essa “porta de adega”, posteriormente, se apresenta como um possível portal para viajar no tempo.

    No dia de Halloween, a irmã mais velha de Donnie resolve fazer uma festa em comemoração ao fato de que foi chamada para estudar em Harvard. Esse seria o último dia do mundo, segundo a previsão de Frank. Uma fatalidade acontece e as coisas passam a ganhar outra direção. Gretchen é atropelada por um carro e, quando percebemos, um garoto com a fantasia de Frank sai de dentro do mesmo. Somos apresentados ao presente, que representava o futuro por toda a extensão do filme até então.

    Frank é o namorado da irmã de Donnie e lá estava ele com sua fantasia de coelho. Todos os acontecimentos convergiram para o momento em que Donnie puxa a arma que havia pego do quarto de seu pai e atira em Frank. Sua namorada estava morta e ele se encontrava mais uma vez desolado, sem entender o porquê de as coisas terem tido aquele resultado. Donnie pega o corpo de Gretchen e o leva para o local onde o filme se inicia, na estrada em que nosso protagonista havia amanhecido. Uma espécie de renascimento acontece, uma epifania atinge nosso personagem e em um momento percebemos que ele atingiu o autoconhecimento.

    Ao mesmo tempo em que isso acontece, a cena muda para o avião da mãe de Donnie, que está voltando com Samantha (irmã mais nova) de um campeonato de dança. Repentinamente, o avião entra em um estranho turbilhão que mais parece um portal (ou um wormhole, que nas teorizações de Stephen Hawking abriria portais para viajar no tempo) e sua turbina quebra. Todos os acontecimentos passam pelos olhos de Donnie Darko e mais uma vez voltamos para a noite em que ele havia entrado no País das Maravilhas. Dessa vez, Donnie sorri e deita na sua cama, com um ar de alívio, como se estivesse aceitando o que deveria acontecer desde o começo. Ele entende o que significaria a sua vida dali para frente tendo um outro resultado. Donnie sorri. A turbina cai em cima do seu quarto e ele morre.

    O filme deixa uma margem gigantesca para diversas interpretações. O final não junta todos os pedaços, porém nos oferece uma direção de raciocínio. Pra encerrar com direito a nos arrepiar completamente, Mad World começa a tocar, ao passo que nos são mostrados todos os personagens que fizeram parte dessa história, como se a escolha que Donnie fez tivesse influído de alguma forma para um autoconhecimento de todos. Temos o autossacrifício, baseado no Cristianismo e nos ensinamentos do Budismo (neste, o Coelho é um símbolo de autossacrifício, pois o animal teria se atirado ao fogo com o objetivo de alimentar Buddha, que estava faminto. Como recompensa, ele ganhou uma nova casa na lua). O mundo de fato havia acabado, na vida de Donnie Darko. Atingiu uma nova forma de criação através de sua morte.

    Para finalizar este longo estudo sobre o filme de Richard Kelly, deixo um poema escrito pelo próprio Donnie Darko, e que foi disponibilizado nos extras do DVD:

    “Uma tempestade está a caminho, diz Frank.
    Uma tempestade que irá engolir as crianças,
    e eu vou devolvê-las do mundo da dor.
    Vou devolvê-las de volta para suas portas;
    Mandarei os monstros de volta para o subterrâneo.
    Vou mandá-los de volta para um lugar onde ninguém poderá vê-los,
    exceto por mim
    porque sou Donnie Darko.

    Se uma ideia foi transmitida eu não sei. Donnie Darko é um quebra cabeças que possui milhares de peças, que, por incrível que pareça, formam desenhos diferentes. Com certeza uma excelente obra pra ser apreciada pelos amantes da sétima arte.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | Sete Dias com Marilyn

    Crítica | Sete Dias com Marilyn

    Do sucesso sem precedentes de Marilyn Monroe todos tem conhecimento. O brilho de uma estrela que com apenas 27 anos atingiu um sucesso absoluto em Hollywood é muitíssimo reconhecido em diversas homenagens feitas a ela, porém em Sete Dias com Marilyn o enfoque é um pouco mais peculiar. Mesmo um atraso considerável na chegada deste filme aos nossos cinemas, finalmente podemos contemplar este filme dirigido por Simon Curtis e que merecidamente disputou os os prêmios de Melhor Atriz (Michele Williams), e de Melhor Ator Coadjuvante (Kenneth Branagh).

    A história baseada em dois livros de Colin Clark se concentra no ponto de vista do mesmo, interpretado por Eddie Redmayne, e se passa nos bastidores da gravação do filme “O Príncipe Encantado”. Clark acaba de adentrar no mundo do cinema e está trabalhando na produção do filme, mas não esperava se aproximar tanto da atriz principal a ponto de viver uma curta, mas intensa paixão por ela.

    O brilho, a sensualidade e a beleza de Marilyn entram em contraste direto com seus problemas pessoais, sua insegurança e seus medos. Para os que não estão familiarizados com a história da atriz, somos apresentados a uma Marilyn mais ambivalente e mais humana. Uma jovem que é considerada um exemplo para um mundo que ao mesmo tempo confronta o medo desse fardo.

    Michele Williams é perfeita e brilha no filme. Seu olhar é profundo de tal forma que podemos perceber muitos sentimentos apenas com o vislumbre do seu semblante. A iluminação e fotografia utilizada no filme, misturados com algumas cenas de câmera lenta, se mesclam perfeitamente à atriz. Ela revive Marilyn Monroe nesse filme e o faz muito bem, não somente em relação aos momentos de brilho, mas também nos momentos obscuros da personalidade da atriz.

    Eddie Redmayne e Kenneth Branagh também se destacam de maneiras diferentes. Enquanto o primeiro trabalha a visão inocente e de certa forma impulsiva de um jovem que se apaixona por uma grande atriz, conseguindo criar empatia com o público dos seus sentimentos joviais, o segundo explora um personagem que procura criar o filme perfeito e para isso tem que contornar os problemas de Marilyn e o ciúmes de sua esposa.

    A fantástica atuação compensa o roteiro simples e a trilha sonora modesta que o filme possui. Conseguimos sentir e simpatizar com os personagens nas ações mais triviais, nos olhares e nos sorrisos. Estes pequenos problemas acabam não sendo nada para a grandiosidade que o filme se apresenta em seu produto final.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | A Perseguição

    Crítica | A Perseguição

    John Ottway (interpretado por Liam Neeson) é um atirador contratado por uma empresa petrolífera para defender os campos de trabalho contra lobos. O local de trabalho localizado no Círculo Ártico é descrito rapidamente pelo protagonista como o próprio inferno. Os que estão ali querem se distanciar da sociedade assim como John. Tudo muda após um acidente de avião em que Ottway e mais algumas pessoas sobrevivem, porém devem enfrentar a sobrevivência em um lugar gélido e cheio de lobos famintos à espreita.

    Liam Neeson lidera o filme do começo ao final. Seu personagem com tendências suicidas se vê na obrigação de ajudar os seus colegas frente a uma situação de sobrevivência em que é claramente mais experiente. O ator realiza um excelente trabalho guiando um personagem que acaba buscando sua redenção lutando contra sua própria natureza.

    Em um filme que se busca sufocar a humanidade frente o natural, todos os personagens acabam tendo sua importância. Tirando o destaque de Liam Neeson, os outros sobreviventes tem suas próprias naturezas e personalidades  sendo exploradas de maneira modesta, mas ainda assim considerável. O roteiro possui esse pequeno buraco, porém essa falha acabou sendo camuflada dando abertura para que boa parte do desenvolvimento desses personagens secundários se dessem por mérito dos atores.

    O diretor Joe Carnahan tenta levar a essência do ser humano ao limite. Apesar de achar que isso poderia ter sido levado em um patamar mais acima, de uma forma que sentiríamos a “claustrofobia” causada pela natureza sufocando o ser humano, acredito que o filme realiza um pouco dessa sensação de forma justa e satisfatória. Boa parte disso se resolve até mesmo pelo habitat gélido que está ali presente, quase como um personagem opressor que castiga os personagens.

    A Perseguição nos leva aos limites da tensão dramática. Os indivíduos presentes no filme não estão apenas enfrentando lobos, que quase que estrategicamente se aproveitam do clima para enfraquecer os homens e matá-los um a um, mas suas próprias naturezas e instintos. Como o próprio pai de John Ottway escreveu em uma poesia quando jovem: “você vive e morre neste dia”.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

    – Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | A Mulher de Preto

    Crítica | A Mulher de Preto

    A Mulher de Preto é um filme do diretor James Watkins com o famoso ator Daniel Radcliffe (conhecido pelo seu papel em Harry Potter) que alcançou bastante propaganda justamente pelo seu protagonista. O filme conta a historia de um advogado que se vê forçado a viajar para uma aldeia do interior para cuidar de um caso, mesmo que ainda não tenha se recuperado da morte da sua esposa que ele passou recentemente.

    Primeiramente, o filme tem paisagens excelentes. As locações do filme são magníficas, deixando com vontade de visitar os locais. Além das paisagens naturais, que dão um ar de interior da antiguidade, as locações de cidades passam muito bem a ideia de estar em um interior da Inglaterra antiga ou até na londrês antiga.

    Mas um ponto é o figurino, que também ficou muito bem feito. Existe uma diferença visível até entre as roupas usadas pelas pessoas na cidade e no interior. Como seria de se esperar daquela época. Até mesmo dos ares entre a cidade e o interior.

    Agora porque eu notei isso? Porque eu faço corte&costura e paisagismo? Não, juro. Porque o filme tem um clima de era vitoriana muito grande, causando uma impressão de realismo e não lhe tirando do clima do filme e sempre aumentando. Por algum tempo você até pensa que poderia ser a população que devia realmente ter suas crenças nessa época que estava criando aquele clima. Você se sente transportado direto para aquele ambiente, o que se torna muito importante para gerar esse clima de desconfiança do que é real ou mito no filme.

    Veja que o filme passa uma grande parte do tempo se preocupando em desenvolver e lhe prender na tensão da historia. Quem seria a mulher de preto? Ela seria um fantasma mesmo? Se for um fantasma, seria a mulher dele?

    O personagem muito bem interpretado pelo “Harry Potter” segue com suas motivações muito criveis, além de interpretar muito bem um pai que tem que ser melhor e mais forte por causa do seu filho. Tudo isso em uma interpretação muito contida, em que você olha alguém que passou por muita coisa, mas não pode demostrar, não tem para quem o intenda e tem que seguir em frente mesmo ainda não superado os seus traumas.

    O filme tem uma duração curta de uns 90 min., que acaba sendo um pouco curto. Mas, se o filme se estendesse mais, possivelmente perderia o ritmo ou seria adicionado na historia do filme elementos desnecessário ao ambiente. Nesse caso, a duração ser curta é uma coisa boa. Nesse caso, menos tempo é mais conteúdo.

    Sobre o final do filme, aguardem uma boa surpresa. O final eu classificaria como corajoso por não se render a ser mais agradável e não previsível por brincar com o que você sabe e o que você acha que sabe. Em nenhum momento sabemos de tudo e tudo é incerto, e o final não podia ser diferente.

    Pessoalmente, recomendo o filme porque eu gostei. Diferente de muitos filmes, esse da um ar de susto/tensão pelo seu desenvolvimento e interpretação dos atores, apesar de abusar de alguns clichês de vez em quando, mas sabemos que o que importa não é a historia e sim como ela é contada. E nesse caso foi uma excelente forma de contar uma historia de fantasma.

    Texto de autoria de Psycho Mantys.

  • Crítica | Os Vingadores

    Crítica | Os Vingadores

    Após uma longa espera, repleta de ansiedade e expectativa crescentes, chegou o evento mais importante da História da humanidade. E a conclusão (sim, já na segunda frase) é que é ótimo estar vivo nessa época. Os Vingadores finalmente chega aos cinemas, e o fato de todo mundo estar falando incansavelmente sobre o filme deixa mais difícil fazer uma análise “original”, então ligarei o foda-se pra isso e tratarei simplesmente de apresentar minha opinião.

    Em sua trajetória até aqui, o Marvel Studios optou por controlar fortemente suas produções, assegurando que tudo sairia de acordo com o planejado. Por conseqüência, os filmes anteriores foram muito mais “do estúdio/produtores” do que de seus respectivos diretores (quem chegou mais perto de colocar uma certa identidade foi Kenneth Branagh em Thor). Discussões artísticas a parte se isso é certo ou errado, o fato é que funcionou.

    Os heróis foram apresentados, o universo foi estabelecido, e chegou a hora do próximo passo. Fácil, alguns poderiam dizer: só juntar todo mundo pra dar porrada em alguém e pronto. Seria “massaveísticamente” divertido, lógico, mas porque não fazer um BOM FILME contendo isso? Então temos uma quebra do padrão, pois é inegável que em Os Vingadores muito do crédito se deve a Joss Whedon.

    Além da direção, ele fez modificações no roteiro quando assumiu o cargo, e conhecendo seu background, conclui-se que o cara acertou a mão. Quase um estreante no cinema, a experiência de Whedon em seriados de Tv e como roteirista de quadrinhos lhe ensinou a trabalhar com vários personagens dando a todos a devida atenção. O que, qualquer ameba deduz, era fundamental neste filme. Muito mais do que uma história mirabolante, o foco aqui é, e devia ser, a interação entre a galera. E numa palavra: SENSACIONAL.

    Quem já leu uma revista em quadrinhos na vida sabe que é lei: heróis saem na porrada quando se encontram pela primeira vez. E não se engane, este é um filme feito pra fãs. Então temos um festival de pequenas lutas, praticamente um todos contra todos. O detalhe positivo é que o roteiro conduz tudo isso de forma muito natural, evidenciando que todos estão acostumados agir sozinhos e não vão confiar de cara em desconhecidos. Inverossímil seria se todos fossem Super Amigos desde o início. Também com naturalidade vem a superação das desavenças quando o momento exige. Outro ponto inteligente do roteiro: não foi todo o planejamento da S.H.I.E.L.D. que botou os heróis pra trabalharem juntos. Foi a necessidade, o surgimento de “uma ameaça grande demais pra qualquer um deles enfrentam sozinho”. Como é bom quando os realizadores do cinema LÊEM os quadrinhos…

    Mesmo os personagens mais irrelevantes encontram seu espaço. Começando pelo melhor de todos (ironia mode on), o Gavião Arqueiro. Um zé ruela com arco e flechas no meio dos outros, muita gente questionava. Pois bem, amiguinhos: os caras não são idiotas, Barton é naturalmente colocado como um peixe fora d’água. Mas graças a um esperto artifício de roteiro, logo no início ele adquire uma posição diferente, ganhando uma participação mais ativa do que teria. E no fim das contas, ele é um agente fodão, que ta lá pra fazer aquilo que puder numa situação onde qualquer ajuda é bem vinda. E ele manda bem, simples assim. Jeremy Renner é um ator em ascensão, competente apesar de (na minha opinião) supervalorizado.

    Passemos então a (aaahhh…) Scarlet Johansson. Uma das boas surpresas do filme, devo dizer. Gostosa como sempre, mais uma vez com espertos enquadramentos de sua lendária e maravilhosa bunda, nenhuma novidade aí. Mas deu pra perceber uma boa atuação por parte dela, aliada a um desenvolvimento interessante da personagem Viúva Negra. Muito legal sua origem russa ser citada aqui (algo ignorado em Homem de Ferro 2), da mesma forma que seu passado com o Gavião. Ficou a curiosidade em saber mais sobre isso, de repente um spin off estrelado pela dupla seja uma idéia a ser pensada com carinho.

    Outro que surpreendeu foi o Hulk/Banner de Mark Ruffalo, um ator meio “mais do mesmo” que aqui conseguiu achar um tom que me agradou muito: algo entre a insegurança de um cientista meio loser em relações pessoais e a tranqüilidade de alguém que há anos convivendo com uma maldição, conseguiu controla-la. Ao contrário do que imaginei, Bruce Banner aparece bastante (o que não fica chato!) e o Hulk é usado com moderação, garantido níveis épicos de fodacidade quando parte pra ação. E na boa, pessoal, chega do eterno mimimi sobre o CGI do bicho ficar ruim, etc. Ele não é um ser humano grande e forte, é um monstro deformado. Não dá pra ficar “realista”. Algumas pessoas parecem desejar uma tecnologia que não existe. Vamos parar com a frescura e seguir em frente.

    Thor foi um personagem que me decepcionou um pouco, no sentido de sua relação com os outros. Lindos os quebra-paus contra Homem de Ferro e depois contra o Hulk, sem dúvida. Mas o fato do loirão já estar estabelecido e auto afirmado como “protetor da Terra” deixou pouco espaço pra um drama pessoal, uma evolução, além dele surgir um tanto abruptamente na meio da história. Seu interesse maior foi mesmo em relação a Loki, ainda tentando convencer o irmão a parar com as maldades. Postura recorrente nas hq’s, então não dá pra reclamar muito. Mas a impressão final é que, no caso dele, rolou um ctrl c no roteiro de Thor 2 e um ctrl v no meio da trama de Os Vingadores, fazendo com a jornada deste herói destoasse da dos demais. Chris Hemsworth mais uma vez manda bem.

    O outro Chris, o Evans, eternamente criticado por boa parte do público, também faz um bom trabalho. O que prejudica, e muito, o Capitão América, é a inexplicável mudança de sua roupa maneira pra um cosplay bem ridículo. Modernizar o uniforme pra que, após todo esforço que o filme solo teve pra combinar o aspecto super-heroístico com um visual militar? Pelo menos partissem pra algo mais sóbrio, talvez uma roupa de couro com um tom mais escuro, sóbrio. Aquele azul berrando deixou-o deslocado em meio aos outros heróis. Por outro lado, vê-lo muito mais ágil foi excelente, aproximando o personagem dos quadrinhos. Outra discussão pré-filme sempre foi sobre sua liderança (ou não) da equipe. Aqui ele não é, de fato, um líder inquestionável, apesar de ter seu momento de comandante de campo, visto sua experiência na Guerra. Isso se deve, porém, muito mais o fato do grupo ainda estar se formando (e o próprio Rogers ainda estar deslocado no presente) do que ter esse posto roubado por outro personagem de mais sucesso, como muitos imbecis pregaram aos quatro ventos.

    Pois o Homem de Ferro NÃO lidera a equipe, não comanda nada. Não aconteceu um fenômeno Wolverine aqui. Stark é o personagem mais legal, mais carismático, tem as melhores tiradas, Robert Downey Jr rouba a cena? Com certeza, mas sabiamente (graças a Deus) os caras não botaram o Ferroso pra dar ordens por conta disso. Ele ainda é o rebelde piadista, que apenas toma consciência da grandiosidade da situação e de sua própria importância no meio de tudo, e age de acordo. Sem nunca perder o humor mordaz. Se o herói se destaca, é naturalmente, não por ser “O” protagonista.

    Finalmente, o vilão. Tom Hiddleston mais uma vez ótimo no papel de um Loki eternamente movido pela inveja de Thor, isso é intrínseco do personagem. Muitos dos que estão criticando provavelmente desconhecem isso. Sem dúvida que todo seu plano, e movimentos para executa-lo, são bem “qualquer coisa” pra fazer a trama andar e os heróis brigarem entre si e depois se unirem. Sem dúvida um ponto pouco trabalhado do roteiro e o grande defeito do filme, porém perdoável. Como citado antes, o importante são os heróis interagindo, então a ameaça não ser tão bem desenvolvida é uma simples questão de falta de tempo. Falando em falhas, outro elemento que me incomodou foi a S.H.I.E.L.D. Emocionante ver o porta-aviões aéreo, nosso querido Samurai L Jackson tendo mais espaço pra ser mothafucka, hilário o agente Coulson se revelando um nerdão vergonha alheia, até Maria Hill em sua micro participação consegue ser legal. Mas a agência parece conseguir informações precisas das coisas muito rápida e facilmente, como que por mágica. Tudo bem que é uma central de Inteligência, mas esse é outro aspecto de um roteiro apressado. Mais uma vez, nada que comprometa a diversão.

    E esse é ponto principal, o filme é insanamente divertido. Ação desenfreada com toques de humor, a marca do Marvel Studios, agora numa escala maior. Pois Os Vingadores só pode ser classificado como um novo nível no cinema do gênero. Antes ficávamos feliz com qualquer adaptação, em seguida vimos que era possível ter bons filmes, e agora está provado que dá pra juntar um bando de heróis sem ficar galhofa. Se for algo bem planejado e executado, lógico. Então, Warner, já passou da hora de se coçar. Um mega filmaço com a Liga da Justiça é sim possível, e é o que todos enxergam e esperam pro futuro. Mas por enquanto, serei babaca ao encerrar o texto com um #ChupaDC.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Os Vingadores

    Crítica | Os Vingadores

    Há muito tempo venho largando aqui pelo Vortex Cultural um carinhoso apelido que foi inventado para o filme dos Vingadores. Esta mega produção da divisão cinematográfica da Marvel Studios vinha sendo carinhosamente chamada de “evento cinematográfico do ano” por várias pessoas, e eu resolvi aderir à causa.

    Os Vingadores sempre foi um sonho de todos os amantes do universo Marvel e de super-heróis em geral. O encontro da formação mais clássica do grupo nas telonas nunca havia passado disso. Pois bem, começamos a acordar deste sonho em 2008 com o lançamento de Homem de Ferro. Quando Nick Fury aparece na cena pós créditos deste filme, parado no apartamento de Tony Stark, tivemos a certeza de que ele estava vindo: Nosso sonho impossível viraria realidade.

    Então, quatro anos e quatro filmes depois, finalmente essa fantasia impossível tornou-se 100% realidade. São 3 horas da manhã do dia 27 de abril de 2012 e eu acabo de voltar da pré-estréia de Os Vingadores, mas até agora não me bateu um milésimo de sono. Não vou conseguir dormir tranquilo enquanto não contar exatamente o que foi Os Vingadores e por que esse filme é importante, na minha empolgada e nada balizada opinião, para a indústria cinematográfica e para o futuro dos filmes de super-heróis.

    Caso ainda não tenha ficado totalmente claro, Os Vingadores é simplesmente o maior filme de ação/aventura feitos nos últimos 50 nos, e provavelmente não será igualado pelos próximos 50! Um filme espetacular, bem humorado, respeitoso com os fãs e que vai marcar a vida de milhares de pessoas, a começar pela do diretor.

    Joss Whedon será lembrado, para todo o sempre, como o diretor que trouxe o grupo de super-heróis mais famoso da Marvel para as telas do cinema pela primeira vez. É inacreditável, na verdade, que alguém tenha deixado o filme nas mãos deste cara que, pasmem, nunca havia dirigido um filme inteiro antes! Eu não sei o que o pessoal da Marvel fumou antes de ligar pra ele e oferecer o trabalho, mas essa foi a aposta mais arriscada da história, sem dúvidas!

    Antes de entrar no plot, vamos só recapitular rapidinho o que o pessoal da Marvel largou na mão do diretor do cara: um personagem deus, um personagem indestrutível e incontrolável, um escoteiro super forte com um escudo errado, um gênio bilionário com tudo para roubar o filme de seu legítimo dono (leia-se: Capitones!) e dois personagens que nunca haviam sido explorados nos filmes introdutórios. Tudo isso junto no mesmo filme enfrentando um vilão que precisa ser muito foda, mesmo não tendo demonstrado antes fodulência o suficiente para bater de frente com esta galera… Fácil de fazer né?

    No filme, Loki é enviado à Terra por uma entidade desconhecida para roubar o cubo cósmico (que neste filme tem um outro nome que eu não consigo lembrar porque toda vez que ele era dito eu substituía a palavra estranha por “cubo cósmico”) da S.H.I.E.L.D.. Em troca da fonte inesgotável de poder, o meio-irmão de Thor receberia o controle de nosso lindo planetinha azul e seria o que sempre quis ser quando vivia em Asgard: rei do mundo e senhor de escravos.

    Diante do poder incomparável de Loki e seu bastão de energia vindo diretamente dos sets de filmagem de Stargate, Samuel Fury se vê obrigado a reativar o Projeto Vingadores, recutrando os heróis mais poderosos do planeta. Thor, Steve Rogers, Tony Stark, Bruce Banner, Clint Barton e Natasha Romanoff (gostosa) devem aprender a trabalhar em equipe para derrotar Loki e seu exército ciborgue de uma dimensão desconhecida, recuperar o cubo e destruir o máximo possível da ilha de Manhattan.

    O plot não tem nada de espetacular, isso é fato. O que é realmente espetacular é a forma como ele foi trabalhado dentro do roteiro, muito bem elaborado, diga-se de passagem. Whedon participou ativamente da elaboração do roteiro também, o que pode explicar boa parte do excelente resultado que conseguiu trabalhando uma história que não tinha nada de extraordinário. O filme esbanja ação e tem momentos de comédia tão bem localizados que até eu gargalhei no cinema (inclusive fazendo uma referência FANTÁSTICA a uma conhecida empresa do pessoal aqui do blog: O Boston Medical Group). Todos os recursos que estavam a disposição de Whedon e todas as adaptações necessárias foram utilizadas (e muito bem utilizadas) para manter o ritmo e não ofender os fãs no cinema. Vou enumerar as 2 que achei mais interessantes:

    A primeira, mais visível, e talvez mais importante adaptação que fez-se necessária diz respeito ao dono do filme. Quando a Marvel lançou os filmes preparatórios para Os Vingadores, Robert Downey Jr. mostrou ser “o” Tony Stark. Dos filmes anteriores, o que fez mais sucesso e o personagem mais querido da galera foi o Homem de Ferro. Sem ter como colocar outro personagem como chamariz para o filme, a equipe de roteiristas e o diretor deixaram o filme nas mãos do Stark, e ele óbviamente não decepcionou! Ele não é o líder do grupo de super-heróis, como muitos pensaram (este cargo é ocupado relativamente bem pelo Capitas), mas é o cara mais foda, mas engraçado e é o dono do filme.

    O segundo aspecto diz respeito ao cara errado da trupe. O Hulk é um personagem errado para se colocar num filme como este sem que seja modificado totalmente. Talvez pelo fato de ele não trabalhar muito bem em equipe, talvez pelo fato do Hulk de computador estar sempre com cara de dor de barriga, optaram por deixar suas aparições meio de lado. Ele aparece pouco no filme, mas sempre há um momento OMFG quando ele bate em alguém (amigo ou inimigo). O CGI que gerou o mostro não é mal-feito, mas incomoda na telona, ainda que ele seja o protagonista de uma porradaria homérica com o Thor e outra meio decepcionante com o irmão do lourão(ui!).

    Mais alguns pontos merecem destaque como, por exemplo, a bunda atuação da agente Romanoff(gostosa) na trama, a “massaveísse” do Gavião Arqueiro (que, para o desgosto do Jackson, não usou seu uniforme cláááássico), o escudo de vibrânio do Capitas que pára ou rebate as coisas de acordo com a vontade do Chris Evans e, logicamente, as sequências de montagem e desmontagem da armadura do Robert Downey Stark.

    Os Vingadores foi, para mim, uma experiência única no cinema. Chutou nádegas “Nolanianas” e mostrou para Warner/DC que é possível, SIM, fazer um filme de heróis que seja vendável pro público geral e que não desrespeite os fãs. Duas horas de filme que passaram sem que eu pudesse olhar para o lado ou desfazer o sorriso idiota na minha cara. O filme prende, tem boas atuações (destaque para a bunda atuação da Scarlett e sua maravilhosa roupa de couro) e um final interessante. Não preciso dizer que quando digo “final” quero dizer “cena pós-créditos”, não é?

    “The Avenger é o evento cinematográfico do século, Aoshi?”
    CERTEZA!! Desliga essa computador, corre pro cinema e, sendo fã de quadrinhos ou não, tenho certeza que você vai concordar comigo, ou não…