Aleksandr Sokurov é um cineasta difícil, seus filmes são poéticos, visuais, extremamente simbólicos e pouco, ou nada, narrativos. O diretor russo ficou conhecido em 2002 quando A Arca Russa ganhou a Palma de Ouro em Cannes. O filme é um plano sequência de 97 minutos que passeia pelas diversas salas do museu Hermitage habitadas por personagens históricos e obras de arte, ao mesmo tempo palácio czarista e atração contemporânea.
Fausto, seu filme mais recente e ganhador do Leão de Ouro em Veneza no ano passado, se apoia mais na narrativa tradicional. Trata-se de uma livre adaptação do clássico de Goethe, porém Sokurov coloca seu foco menos nas consequências do pacto com o diabo e mais no processo de sedução de Fausto.
O filme é de uma beleza notável: as cores e a construção dos planos lembram quadros renascentistas ou barrocos, Margarida se parece com a Vênus de Boticelli e tudo tem uma atmosfera etérea, como se no fundo os acontecimentos não passassem de sonho ou delírio do protagonista.
Ao mesmo tempo Fausto é um filme de contrastes. Sokurov constrói minunciosamente esse mundo entre a Idade Média e a Modernidade, opões ruas sujas e estreitas e florestas arejadas, os intestinos que vazam de um morto em uma autópsia à beleza angelical de Margarida, o jovem e atraente Fausto ao deformado diabo. É um mundo que conhece ciência e astronomia e avança na medicina, mas no qual ainda se acredita em demônios.
Ao optar por fazer um filme sobre a sedução de Fausto, Sokurov moderniza o mito: esse filme não é sobre a ambição e descontrole do homem moderno (como o livro parece ser), mas sobre um homem com excesso de informação que busca por um sentido. Os diálogos são longos e carregados de referências filosóficas e indagações existenciais e ao final, Fausto não encontra qualquer resposta, mesmo quando deixa de buscar nos livros e a procura no corpo de Margarida.
O personagem não vende a alma quando assina o contrato, mas ao levantar a saia da moça e olhar, clandestinamente, por baixo dela. E é sobre isso o filme de Sokurov: a oposição entre intelecto e desejo, razão e crença, tudo aquilo que desejamos e pelo que nos deixamos corromper.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.
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