Categoria: Cinema

  • Crítica | A 5ª Onda

    Crítica | A 5ª Onda

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    Chegando no meio da “onda” de filmes com protagonistas adolescentes em futuros distópicos como Jogos Vorazes, a série Divergente e Maze Runner, A 5ª Onda estreou nos cinemas deixando a desejar.

    Após uma invasão alienígena, os poucos humanos que sobreviveram a quatro ondas distintas de ataques de extra-terrestres, que se revelam hospedeiros, passam a revidar os  invasores a partir da quinta onda.

    O que pode pensar em se salvar no roteiro de Susannah Grant, Akiva Golsman e Jeff Pinkner, baseado no livro de mesmo nome de Rick Yansey é o gênero de invasão alienígena capitaneado por adolescentes. Os jovens foram escolhidos para liderar a humanidade no ataque, a partir daí podemos discutir o envelhecimento cada vez mais rápido da nossa sociedade. Sempre que se ambienta a trama no futuro apocalíptico abre possibilidades diversas para discussões da sociedade atual, o que deixa de acontecer na narrativa, e o roteiro perde muito em qualidade.

    Apesar de clichê, a estrutura narrativa escolhida acabou sendo sólida. No entanto apresenta tantos problemas nos detalhes, deixando forçada a maioria das cenas importantes, que fazem a trama andar quando deveriam soar orgânicas e imperceptíveis. Quando Cassie está em recuperação, a cena que deveria ser uma das mais importantes é mal trabalhada, além de quase tudo o que acontece no exército. O que dizer então da cena em que Evan se revela para Cassie?

    Com exceção da protagonista, e ainda assim com ressalvas, o restante dos personagens são fracos e desinteressantes. O roteiro é tão visível que o espectador consegue enxergar sem dificuldade que o que eles fazem parte de uma engrenagem maior e só estão ali para servir à estrutura narrativa e nada mais.

    A direção de J. Blakeson compromete um roteiro que já era fraco, deixando o filme ainda mais ruim. A falta de tato com o elenco, além das cenas de ação mal executadas, deixa a direção cambaleante.

    A atuação está no controle automático. Nem os bons Chloë Grace Moretz e Liev Schreiber conseguiram deixar a preguiça de lado e apresentar o mínimo que se exige. O restante do elenco, fraco e inexpressivo, nem parece disposto a trabalhar.

    A fotografia de Enrique Chediak e a edição de Paul Rubell são os únicos departamentos técnicos que não erram no filme, junto à direção de arte, figurino e composição de locação e cenários de Julian Ashby, Frank Galline e Sharen Davis, respectivamente.

    A 5ª Onda só vale a pena se o tema futuro apocalíptico ou distópico for de seu interesse.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Quanto Tempo o Tempo Tem

    Crítica | Quanto Tempo o Tempo Tem

    Documentário de formato moderno, Quanto Tempo o Tempo Tem é o esforço de Adriana Dutra em discorrer sobre a efemeridade da vida, poetizando sobre a pressa, a existência e a vida, através do relato de estudiosos, cientistas políticos, escritores, cineastas e filósofos entrevistados pela realizadora.

    Em meio aos depoimentos que são levados pelo estilo despojado da edição, se chega a conclusão de que o relógio mecânico teria um caráter de maior importância do que o fogo e demais invenções que estão no cotidiano do sujeito comum, já que a cronologia é um conceito que vem desde a época dos impérios babilônicos, estabelecendo um paradigma universal e indiscutível, mesmo diante de culturas tão distintas entre si.

    Há um comentário inteligente, apesar de bastante óbvio, sobre a dispersão do homem moderno, diante da tecnologia e das interações básicas, em especial via redes sociais. É curioso que tal mensagem seja transmitida também por uma tela, cujo ecrã é bem maior, ainda que a interação com a sétima arte tenha uma intenção muito mais pessoal. A questão da evasão de informação e da super exposição de identidade e personalidade também é execrada, ainda que em níveis amenos, já que o plano do roteiro é sugerir os temas para que o público chegue às suas próprias conclusões.

    O aprendizado também é tratado de modo esperto, já que se estabelece o quão rasa pode ser a transmissão de conteúdo e o quanto o avanço tecnológico inverte as relações familiares, bem como o sistema de valores e até a discussão sobre ética e moral, obrigando o homem a sair de sua morosidade, ainda que essa atitude não necessariamente ocorra com o homem ordinário.

    As partes faladas em off soam um pouco enfadonhas, e até pretensiosas em alguns pontos, já que usam do lirismo para reverberar o montante de informação apresentado durantes os 76 minutos de duração. O conteúdo do filme é lúdico e analítico sobre algo comum a discussão dos homens desde o início de sua existência, fator que faz valorizar seu objeto de análise, além de tornar universal sua abordagem.

  • Crítica | Superman IV: Em Busca da Paz

    Crítica | Superman IV: Em Busca da Paz

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    Com a franquia já dada como morta para os Salkind – ao menos em relação aos filmes com o azulão – sobrou para Golan-Globus e seu Cannon Group produzir Superman IV: Em Busca da Paz, dirigido pelo não menos genial Sidney J. Furie, o mesmo que criou a exagerada imitação de Top Gun vista em Águia de Aço. A introdução imita as clássicas, com Alexander Courage tocando ao invés de John Williams.

    A pérola já tem todo seu caráter explicitado logo no início, com o herói de capa voando livremente pelo espaço sideral, salvando uma expedição estrangeira ligada aos soviéticos, que seria o embrião da busca incessante pelo fim dos conflitos provenientes da Guerra Fria. É difícil escolher qual o fator mais tosco, se é a cena de voo no espaço, recortada e usada no mesmo take a todo momento; a demonstração de força e poder da rebatida na bola de baseball, que extrapola a atmosfera terrestre; ou a fuga de Lex Luthor (Gene Hackman, cada vez mais cansado) através de seu pupilo Lenny (Jon Cryer, de Two and a Half Man), em uma cena mais forçada que todo o plot pueril deste capítulo.

    Nenhum dos eventos sugeridos em Superman III é levado a sério por parte do texto de Christopher Reeve, Lawrence Konner e Mark Rosenthal. A dupla que adapta a história do astro principal conseguiria, em um futuro próximo, produzir um bom filme – Jornada nas Estrelas 6: A Terra Desconhecida – e participações em seriados adultos da HBO. Mas nesse caso, não conseguem salvar da mediocridade a premissa boba de vitória da crise via desarmamento, contando com a parte que deveria ser mais séria como um evento muito infantil.

    Mesmo os envolvimentos pseudo amorosos de Clark passam por um escopo extremamente irreal, sendo o pacato e matuto repórter alvo das investidas da bela e rica Lacy Warfield (Mariel Hemingway), que além de ter posse sobre o Planeta Diário, tenciona devorar seus funcionários também. O quadro se agrava quando ele passa a sofrer com os ciúmes de Lois Lane (Margot Kidder), o que contradiz todo o seu arquétipo de sujeito aparentemente desinteressante.

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    Quando Clark volta à sua cidade natal, descobre mais mensagens ocultas em sua nave, fator que é até justificado no primeiro filme, mas que ainda soa bobo diante da missão que lhe é cabida. Boba também é a demonstração de Kent, para Lois, trocando suas vestes para a do herói com a jornalista seguindo em sua empreitada de negar a real identidade do homem poderoso. A caminhada rumo à sede das Nações Unidas é igualmente patética, pela irrealidade e por ser o completo avesso da cartilha da Cannon, que normalmente fazia dos plots dos seus filmes folhetins pró judeus e anti-árabes, fomentando a guerra. A confissão de mea culpa dificilmente soaria mais vexatória do que neste.

    A junção de todas as bombas, próximo do lado externo do planeta, impressiona pelo caráter paupérrimo tanto da cinematografia quanto a ideia de jogar todo o armamento no sol, o que certamente atrapalharia um pouco a rotina do sistema solar. Superman IV é levado tão a sério que Hackman não se deu o trabalho sequer de raspar a cabeça. Seu plano envolve lançar uma ogiva no sol para que de lá saia uma versão clonada do Super Homem, uma fera loira, avermelhada, com unhas semelhantes a garras de harpia na cor grafite. O Homem Nuclear é vivido por Mark Pillow, mas tem a voz e grunhidos de Hackman, em mais uma das barbadas jocosas da produção, novamente tencionando aludir a um vilão clássico, dessa vez tomando os elementos do Bizzaro como base.

    Há muitas cenas em que se reinventa a um modo mais barato os momentos do primeiro longa, como o voo de Super e Lois, e a chamada de Lex ser escutada somente pela super audição do kriptoniano, entre outras baboseiras. O clímax da batalha mundial entre paladino e bandido envolve viagens a Itália e o uso da Estátua da Liberdade como arma, em outra tentativa fajuta de homenagear a terceira parte da saga.

    Superman IV: Em Busca da Paz consegue aludir a todos os defeitos possíveis em uma produção do gênero. Consome muito tempo com a construção de um herói maniqueísta e carregado de bom mocismo, com um rival físico risível, pior até do que a versão cortada do longa, ainda mais jocosa e que combinava ainda mais com o tom de auto parodia que a saga acabou por mostrar nessa nova encarnação.

  • Crítica | Zoom

    Crítica | Zoom

    Zoom - Poster

    Novo trabalho do jovem diretor Pedro Morelli, a coprodução (Brasil-Canadá) Zoom chega aos cinemas apresentando histórias interligadas que explicitam de maneira regular o recurso da metalinguagem e das multitelas.

    Como um ouroboro – a serpente que morde a própria cauda – o filme de Morelli nos apresenta a quadrinista Emma (Alison Pill), uma jovem que trabalha numa loja de bonecas sexuais e tem na arte um escape para a não aceitação do próprio corpo. Em meio a transas com seu colega de trabalho durante o expediente, Emma também se dedica à criação de uma história em quadrinhos que narra as aventuras de Eddie, um cineasta de filmes de ação interpretado por Gael Garcia Bernal. Eddie tenta provar para o mercado que é capaz de dirigir um filme mais artístico e, para tal, escala Michelle (Mariana Ximenes) como protagonista de seu longa-metragem. Por sua vez, Michelle quer mostrar para o mundo que é mais do que um corpo perfeito. A modelo/atriz decide então escrever um romance, que nos conta justamente a vida de Emma, a quadrinista.

    Temos assim um triângulo equilátero perfeito. Uma trama se desenrola (e interfere) na outra. É curiosa a escolha do diretor em trabalhar, inclusive, estilos diferentes em cada uma das narrativas que compõem o filme. Se a história de Emma tem ares de comédia nonsense de baixo orçamento, o arco de Michelle faz lembrar o cinema de ação dos anos 90, com suas plot twists e algumas explosões de gosto duvidoso.

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    O maior acerto aqui se dá justamente na trama interpretada por Bernal. Todo estilizado em quadrinhos, é esse segmento do todo que consegue de fato atingir o objetivo principal de um produto cinematográfico: entreter. Feito em rotoscopia, as cores, a fluidez do texto e timing cômico impressionam e falam muito sobre a personalidade da equipe por trás do projeto.

    As atuações são um ponto bastante positivo. Embora Mariana Ximenes tropece em algumas cenas, é possível perceber o esforço da atriz ao interpretar uma personagem que também é atriz, em outro idioma e em um universo (roteiro) pouco crível. Alison Pill resolve bem suas cenas, mas é a menos desafiada pelo papel. Já Gael interpreta debaixo de camadas de recursos gráficos que ajudam a construir o universo dos quadrinhos. Ainda assim, o talento do ator fica evidente. São dele também os melhores parceiros de cena, o que contribui muito para sua boa performance.

    Zoom está longe de ser um filme ruim. O problema aqui está na disparidade entre aquilo que o projeto promete e o que ele de fato entrega. Não é fácil para o espectador ‘cruzar a ponte’ entre territórios tão distintos e, por vezes, assistir às passagens de uma plot para outra torna-se um exercício cansativo e burocrático. No momento em que as três pontas do triângulo se cruzam, o longa ganha fôlego e possui seus bons momentos. Entretanto, as histórias individuais não se sustentam sozinhas. Sobra estilo, audácia, competência técnica e a assinatura de um diretor que não faz mais do mesmo. Mas falta a base para um bom filme: um bom roteiro.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • 10 Filmes para entender o Cinema Coreano

    10 Filmes para entender o Cinema Coreano

    Filmes CoreanosNão é novidade que o cinema coreano vem ganhando destaque ao longo dos últimos anos. Apresentando roteiros firmes, reviravoltas extremas e personagens tridimensionais, a Coreia do Sul chamou atenção da gigante Hollywood e do Ocidente como um todo, mostrando que seu país é muito mais do que nomes impronunciáveis e para validarmos isso, basta verificarmos as últimas produções americanas nas mãos de diretores e atores coreanos já consolidados, além de remakes de produções originalmente advindas do pequeno país asiático. Segredos de Sangue (Stoker, 2013), dirigido por Chan-Wook Park, Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2014), dirigido por Joon-ho Bong, O Último Desafio (2013), dirigido por Jee-woon Kim e o remake de Oldboy (2013), dirigido por Spike Lee em uma adaptação direta ao clássico de Chan-Wook Park são apenas alguns exemplos da atenção conquistada pelos coreanos no mundo ocidental.

    Como um grande fã do cinema coreano já há alguns anos, decidi fazer um top 10 dos melhores filmes sul coreanos que tive o prazer de ver. A intenção não é fazer uma análise minuciosa de cada um deles, mas sim abordar os elementos principais de cada trama e o que me chamou atenção em cada um deles.

    Veja que se trata de uma lista pessoal que intenta atiçar a curiosidade dos leitores (tanto quem desconhece ou quem já conhece, mas quer descobrir novos filmes para ver) e dar algumas excelentes referências para quem tem curiosidade em se aprofundar na mente cinematográfica da Coreia do Sul.

    Se você também gosta de produções coreanas e viu que alguma delas não está na lista, fique à vontade para comentar abaixo, buscando enriquecer uma boa lista de filmes must see para os cinéfilos de plantão.

    Não menos importantes do que a lista a seguir, mas apenas para não estragar um número tão redondo quanto “top 10”, seguem abaixo outras excelentes obras que eu sequer saberia dizer qual gostei mais. Apenas confiram, se divirtam e adentrem nesse mundo sombrio do cinema coreano: The Yellow Sea (2010), No Tears for the Dead (2014), Thirst (2009), Lady Vingança (2005).

    10. Os Invencíveis (2008, Jee-woon Kim)

    Os InvenciveisO diretor Kim Jee-woon nos transporta para uma aventura faroeste na década de 30, na Manchúria, quando japoneses, russos, chineses e coreanos estão em busca de fortuna. Dentre eles, os atores Kang Ho-song, Byung-hun Lee e Woo-sung Jung disputam a posse de um mapa capaz de levá-los a um grandioso tesouro.

    Particularmente, esta é uma das grandes surpresas de todos as produções que já assisti, pois por que diabos coreanos estariam ousando filmar um faroeste, a epítome do cinema americano? Seria ousadia ou má fé? Bom, respondo com tranquilidade que nenhum dos dois, visto que o filme faz uma clara homenagem a Sergio Leone, Clint Eastwood, Sam Peckinpah e os outros grandes nomes do faroeste.

    Não apenas uma homenagem, mas The Good, the Bad and the Weird não deixa a desejar em nada em suas cenas de ação, a empolgação e, principalmente, no bom humor que acompanha a trama desde o seu início. Um excelente filme de aventura e faroeste que com certeza deve ser assistido por quem procura uma diversão mais leve dentro do gênero asiático.

    9. O Homem de Lugar Nenhum (Lee Jung-beom, 2010)

    Homem de Lugar NenhumConta a história do recluso e misterioso Tae-Shik (Won Bin), dono de uma pequena loja de penhores, que sempre tem que lidar com a pequena Soo-mi (Kim Sae-ron), filha de sua vizinha que sempre se mete em confusões. Quando a mãe da menina rouba de traficantes, eles raptam mãe e filha para propósitos nefastos. Tae-Shik vai atrás dos sequestradores e, quando vê que as coisas não vão ser tão simples quanto imagina, resolve salvar a garota utilizando seus próprios métodos.

    Uma ótima opção para iniciar uma lista de produções asiáticas, pois creio que a maior parte dos espectadores ocidentais não vão se assustar tanto com os temas aqui retratados. Dirigido por Lee Jeong-beom, The Man From Nowhere é um filme de ação de tirar o fôlego. Com uma forte carga dramática, é possível compará-lo com os clássicos Busca Implacável (2008), O Profissional (1994) e o mais recente De Volta ao Jogo (2014).

    Não estamos falando apenas de ação sem nexo, mas uma envolvente história repleta de complexos personagens e motivações, tensão e uma boa dose de ação honesta. Inclusive, há de se ressaltar que este filme tem uma das melhores cenas de combate com facas que já vi. E não se deixe enganar, como todo bom filme coreano, no fim você vai estar se preocupando em desatar o nó de marinheiro em sua garganta.

    8. Novo Mundo (Park Hoon-jung, 2013)

    Novo MundoDirigido por Park Hoon-jung, New World conta a história de Ja-sung (Lee Jung-jae), policial infiltrado em uma organização criminosa e segundo no comando da mesma. Após a morte do líder da facção, começam-se as tensões para saber quem vai assumir o posto em questão. Reportando-se sempre ao seu chefe Kang (Choi Min-sik), Ja-sung se torna o pivô na operação policial New World, tendo sido prometido a ele a chance de sair da vida de infiltrado para poder viver uma vida calma com sua esposa grávida. Porém, conforme a operação avança, Ja-sung é colocado à prova para escolher um lado quando percebe que sua liberdade está mais distante do que imagina.

    É obrigatório para quem gosta do gênero de gângsteres. Uma verdadeira mistura entre os melhores momentos de Os Infiltrados (2006) e O Poderoso Chefão (1972), o filme possui uma forte carga dramática e reviravoltas intensas. A violência no mundo da máfia não é descartada e a direção ganha destaque inclusive em cenas de ação, fazendo alusões a cenas clássicas do coreano Oldboy (2003). Se gosta de boas histórias sobre o submundo dos gângsteres e lutas de clãs pelo poder, esse é o seu filme.

    7. Mother (Bong Joon-ho, 2009)

    MotherUma viúva cuida sozinha de seu filho único, Do-Joon (Won Bin). Este homem, de 28 anos, costumeiramente age de maneira infantil e inconsequente, dependendo sempre da atenção e dos cuidados de sua mãe. Após ser acusado pelo assassinato de uma adolescente, sua mãe (Kim Hye-Ja) parte em uma busca incessante para provar a inocência do seu filho.

    Ao contrário dos enredos policiais que estamos acostumados, somos colocados na pele de uma senhora idosa que, custe o que custar, quer provar a inocência de seu filho. Em uma ambientação escura e depressiva, a atriz Kim Hye-Ja lidera de forma brilhante um emocionante drama psicológico que nos faz questionar sobre o que faríamos no lugar da personagem.

    6. O Hospedeiro (Bong Joon-ho, 2006)

    O HospedeiroNa beira do rio Han moram Hie-bong (Byeon Hie-bong) e sua família, donos de uma barraca de comida no parque. Seu filho mais velho, Kang-du (Song Kang-ho), tem 40 anos, mas é um tanto imaturo. A filha do meio é arqueira do time olímpico coreano e o filho mais novo está desempregado. Todos cuidam da menina Hyun-seo (Ko Ah-sung), cuja mãe saiu de casa há muito tempo. Um dia surge um monstro no rio, causando terror nas margens e levando com ele a neta de Hie-bong. É quando, em busca da menina, os membros da família decidem superar seus medos e problemas para enfrentar o monstro e salvar a criança.

    Mais uma vez somos surpreendidos. Começamos a assistir achando que estaremos vendo algum derivado genérico de Godzilla, porém somos surpreendidos com uma comovente história de uma família que precisa superar suas diferenças e problemas pessoais para salvar um parente. A narrativa explora com maestria os limites de cada personagem e os esforços de cada um para conquistarem seus objetivos.

    O Hospedeiro é uma quebra de expectativa e de rótulos. Terror, comédia e drama, tudo em um pacote só. Uma tempestade de sentimentos e sensações em uma obra prima que, ao mesmo tempo, perturba e encanta com as qualidades narrativas e estéticas do cinema coreano que, por sua vez, é tão implacável e inesperado quanto o monstro do filme.

    5. The Chaser (Na Hong-jin, 2008)

    The ChaserJung-ho (Kim Yoon-suk) é um ex-policial que agora agencia prostitutas, que estão gradualmente desaparecendo. Achando que suas garotas estavam sendo vendidas por algum de seus clientes, Jung-ho decide investigar e ir atrás do responsável, porém o que descobre é que seu cliente na realidade está matando as garotas. Porém, mesmo pego pela polícia, Jung-ho, paralelamente a ela, corre contra o tempo para descobrir onde estão as evidências, antes que o criminoso seja solto por falta de provas.

    “Tensão” é o sentimento que melhor descreve The Chaser, do começo ao fim. Não há mistério sobre quem é o assassino, pois isso já é revelado desde o início. Porém, o desespero de Jung-ho, correndo por todos os lados de uma Seul noturna, sombria e mórbida, se transpõe ao espectador.

    A obra nos faz prender os olhos na tela sem piscar por toda sua extensão. Como sempre, a trilha sonora compõe o cenário sombrio e caótico do começo ao fim. Mantenha suas unhas a postos, pois ela não sobreviverá a esta produção.

    4. Eu Vi o Diabo (Kim Jee-woon, 2010)

    Eu Vi o DiaboSe até esse momento não ficou claro que a Coreia do Sul domina os cenários de violência em seus filmes, explorando minuciosamente as consequências e sentimentos envolvidos na violência em si, I Saw the Devil está aqui para bater o martelo.

    O diretor Kim Jee-woon conta a história de Kyung-chul, um cruel e perigoso psicopata e estuprador. Certa noite, Kyung estupra e mata a bela Juyeon, filha de um chefe de polícia aposentado e esposa grávida de um oficial de elite da polícia, Soo-hyun. Obcecado pela vingança, Soo-hyun está determinado em achar o assassino e fazê-lo sofrer. Aqui começa um violento jogo de gato e rato onde a linha entre o “bom” e o “mau” é tênue.

    A violência é extrema; se achávamos que ela era marca predominante de Chan Wook-park, é aqui que nos enganamos. Aqui discutimos a futilidade do sentimento de vingança extremo através de muita violência gráfica e gore.

    Novamente, temos uma produção com personagens fortíssimos, excelentes atuações e discussões virtuosas. A violência é perturbadora, mas ao mesmo tempo fascinante e provoca uma montanha russa de emoções no espectador.

    3. Oldboy (Chan-Wook Park, 2003)

    OldboyProvavelmente de toda a lista até agora, Oldboy seja o único que a maioria das pessoas já tenha assistido. Seja do próprio filme original dirigido por Chan-Wook Park, quanto do remake de 2013, o qual infelizmente não fez jus à qualidade do primeiro.

    Adaptado de um mangá japonês, e o segundo filme da Trilogia da Vingança de Chan-Wook Park, “Oldboy” conta o drama de Oh Daesu (Min-Sik Choi), um homem comum que se vê no meio de uma estranha situação: ele é sequestrado e jogado numa cela que parece um pequeno quarto de hotel adaptado, seu único contato com o mundo exterior é uma televisão. A situação se agrava quando Daesu vê pelo noticiário que sua esposa foi assassinada. Sem saber quem fez isso com ele e porquê, sem conseguir fugir nem se suicidar, Daesu começa a perder a sanidade e a única maneira de sobreviver é alimentar seu desejo de vingança. Quinze anos se passam e ele acorda um dia fora da cela. A partir desse ponto, Daesu parte em uma busca incessante por vingança para descobrir quem destruiu sua vida e suas motivações.

    Palavras não bastam para descrever Oldboy. Não apenas ressalto a genialidade do diretor em seus inúmeros planos sequenciais, os quais servem de referência para o cinema no mundo todo (inclusive são repetidos incessantemente em diversas obras, como no seriado “Demolidor”), como também a imersão extraordinária dos atores em seus respectivos papéis e o roteiro sólido e preciso na exploração dos sentimentos mais sombrios do ser humano. Revelações crescentes e reviravoltas tenebrosas recheiam a extensão da trama.

    Um clássico que precisa ser assistido dezenas de vezes, mas posso afirmar que você nunca mais será o mesmo após assistir pela primeira vez.

    2. Mr. Vingança (Chan-Wook Park, 2002)

    Mr VingançaO segundo lugar dessa lista é conquistado pelo primeiro filme da Trilogia da Vingança de Chan-Wook Park. Vale lembrar que a referida trilogia não necessariamente signifique que deva ser assistida na ordem, apenas que ela possui como tema principal a “vingança”.

    Ryu (Shin Ha-Kyun) é surdo e sua irmã precisa com urgência de um transplante de rim. Na ausência de doadores compatíveis, Ryu recorre ao mercado negro, mas é trapaceado e perde todas suas economias, bem como o próprio rim. Ryu então é convencido por sua namorada a sequestrar a filha de 4 anos do empresário Dong-Jin (Song Kang-Ho) para custear a cirurgia de transplante, mas o sequestro não funciona como esperado e a partir daí Dong e Ryu partem em uma incansável busca por vingança.

    A vingança não apenas é um prato que se come frio. Além de frio, é um prato que se come lentamente e com gosto de sangue. Mr. Vigança não é só um filme sobre a vingança, mas sobre a profundidade dos seres humanos, o niilismo e a impossibilidade da satisfação do ser.

    Uma tragédia após a outra leva o ser humano ao seu estado mais violento e cru, levado a agir por instinto. Mais uma vez Chan-Wook Park nos faz navegar na linha tênue da moralidade humana e nos coloca em cheque em como nos sentimos em relação às ações dos personagens. Tudo isso para sermos dilacerados com todas as consequências causadas pelos atos dos personagens.

    A sofisticação técnica e narrativa dos temas de Chan-Wook Park são trabalhados com bastante fervor e é indiscutível que é um dos grandes diretores da sétima arte e um marco no cinema sul coreano.

    1. Memórias de um Assassino (Joon-ho Bong, 2003)

    Memorias de um assassinoFinalmente chegamos ao primeiro lugar. Se você leu tudo até aqui, deve estar se perguntando: “é possível um filme coreano ser ainda mais extremo do que todos os outros que foram mencionados aqui?”.

    A resposta é sim.

    Memórias de um Assassino é inspirado em um caso real. Entre 1986 e 1991, quando a Coreia do Sul permanecia sob ditadura militar e a população vivia em lei marcial, com toques de sirenes que obrigavam os habitantes das cidades a se recolherem às suas casas, uma pequena cidade rural enfrentou a ameaça de um assassino serial de mulheres. “Memórias de um Assassino” dramatiza os acontecimentos da época, enfocando os esforços da polícia local para tentar capturar o maníaco.

    Ao contrário de outros filmes apontados nessa lista, a produção trabalha com um ritmo narrativo um pouco mais tradicional. No primeiro ato, somos apresentados aos personagens principais e nos aprofundamos em suas motivações. Enquanto Park (Kang-Ho Song) é um detetive truculento que só quer achar um culpado o mais rápido possível, Seo (Sang-Kyung Kim) é inteligente e esforçado, além de comprometido com a verdade. O aprofundamento dos personagens ocorre concomitantemente ao desenvolvimento do cenário em que desenrola a história, a precariedade de recursos na cidade e da polícia e do próprio desequilíbrio da sociedade.

    Os atos subsequentes, por sua vez, trabalham com a construção da tensão, conforme a investigação dos dois policiais avança e o assassino parece estar cada vez mais perto de ser pego. Enquanto isso, os personagens se transformam, evoluem e a busca implacável os leva aos seus próprios limites.

    Novamente temos uma obra completa, recheada de referências que podem agradar aos fãs de thrillers (inclusive ao clássico Se7en – Os Sete Crimes Capitais de David Fincher), com excelentes atores, uma ótima trilha sonora e atores exímios. Joon-ho Bong é o ganhador dessa lista por compor com perfeição uma interessante e inesquecível história de serial killer. O gosto amargo na boca deixado ao final jamais vai sair, porém é uma alegria tremenda ver obras primas como essa.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | A Juventude

    Crítica | A Juventude

    Juventude - poster

    A terceira idade adquiriu um peso cujo significado se traduz por uma derrocada tanto do corpo quanto de estágios mentais. Uma concepção que aponta como o contemporâneo lida com tais valores em uma sociedade cada vez mais líquida, em que o novo é sempre louvado. A afirmação é delicada e profunda a ponto do próprio cinema evitar escalar atores velhos para certos papéis, visão que necessita ser mudada devido a uma percepção errônea.

    Estágio natural a todos os homens, a velhice é tratada com desprezo por parte do pensamento ocidental e da indústria cultural. A maturidade e sabedoria advinda do acúmulo dos anos são ignoradas e transformam este período em uma área de isolamento. A Juventude, nova produção do italiano Paolo Sorrentino, versa sobre esta fase ao apresentar dois amigos, Fred (Michael Caine) e Mick (Harvey Keatel), passando as férias em um luxuoso hotel, valendo-se de um elenco de primeira linha para sua história.

    O diretor ainda apresenta um estilo cinematográfico no qual o visual significa parte de sua mensagem. A trama desenvolve a amizade dos dois personagens e suas lembranças de épocas anteriores ao mesmo tempo que apresenta silenciosamente outros hóspedes do local, pessoas sem expressão, despidas, em uma suposição de que a própria vida está ausente. Inserida na questão estética, a contemplação é uma das bases fundamentais de sua narrativa. Cenários e personagens convivem em um espaço teatral, preservando uma situação que representa uma espécie de vazio em contrapartida ao que deveria ser prazeroso, vide o cenário natural do local com muito luxo.

    Ainda que cada personagem seja particularmente normal, dentro deste cenário os papéis compõem um tecido díspar de humanos que parecem estar no local como tentativa de fuga. A filha que nega o término do casamento (Rachel Weisz); o velho maestro que não assume a morte da esposa; o diretor em derrocada que não assume seu fracasso. Dentro deste cenário, a figura de Jimmy Tree (Paul Dano), representando um ator talentoso cujo papel mais famoso foi em um filme-pipoca sobre um robô, observa a todos e constata, em determinado momento, o quanto o drama interno de cada um deles é rico em dilemas existenciais que devem ser explorados. Uma visão que parece compartilhar a impressão do público e, sem dúvida, a do próprio roteirista ao compor este quadro.

    A juventude que marca o título da história se identifica com maior facilidade pela beleza. Um signo óbvio que estabelece um padrão estético ainda vigente, a beleza dionisíaca e a seu culto, um conceito de perfeição desenvolvida em eras anteriores. Ainda que coerente com sua metáfora, a bela cena que ilustra o imagético pôster internacional é um impacto parco em relação a outros símbolos inseridos na trama. A beleza da atriz é notável, e Sorrentino sabe conduzir a cena de tal modo que a mantém em uma contemplação ideológica entre a moça, o novo e perfeito, e os velhos, menores e destituídos do vigor da vida, com uma carga de admiração que não se sobrepõe ao apelo sexual.

    De fato, o significado da juventude dentro do filme é múltipla. Contemplativamente parece representar uma visão idealista de um passado visto com admiração. Nesse aspecto, a juventude e a beleza, principalmente a feminina, seriam grandes representantes deste ideal. Em contrapartida, denota uma imaturidade a qual qualquer homem estaria sucessível quando não desenvolve um equilíbrio interno, uma juventude interna e cenário de incompreensão e imaturidade.

    O filme mantém uma lacuna para a interpretação do público sobre parte dos símbolos desta narrativa, que é bem conduzida entre tais espaços para possibilidades e uma intenção firme de seu autor.

  • Crítica | Para Minha Amada Morta

    Crítica | Para Minha Amada Morta

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    Dirigido pelo premiado cineasta do interior baiano Aly Muritiba, Para Minha Amada Morta tenciona atingir um patamar normalmente mal visto por grande parte do público rançoso do cinema nacional, que apresenta uma espécie de drama que não compreende as faixas mais populares dos consumidores, sem necessariamente fazer concessões narrativas típicas das chanchadas produzidas recentes, reunindo elementos de cinema policial e thriller, dentro de seus esforços.

    Fernando (Fernando Alves Pinto) é um homem melancólico, que vive seus dias solitários com seu filho, tendo seu estado de espírito piorado pela perda de sua esposa. Seu trabalho como fotógrafo policial traz uma gama de obsessões e hábitos que combinam de um modo curioso com a rotina solitária e introspectiva, explicando de certo modo, sua predileção por arquivos antigos. Após vasculhar os pertences de sua esposa, ele encontra uma série de fitas cassete, que remetem aos momentos antes da morte de sua amada e que revelam detalhes de atos que ele sequer imaginava, pondo em cheque os sentimentos que a mesma tinha por ele.

    Uma das munições do longa é sua fotografia, executada por Pablo Baião, que ajuda a registrar uma cidade acinzentada, tão ausente de cor quanto a psiquê do protagonista. A direção de arte de Monica Palazzo também ajuda a compor o quadro pensado por Muritiba, deixando as cores que habitam a noite predominarem de um jeito que raramente é vívido, restando sensações e situações emocionais agridoces, onde se extravasa o vazio de espírito e a deformação de caráter, em meio ao sentimento de rejeição.

    O roteiro tenta emular uma complexidade atroz, mas na prática mostra apenas um personagem naturalmente complexo e de caráter completo. Fernando passa por estágios do luto, é um homem falho, ciumento, vingativo e um pouco machista, repleto de falhas como qualquer ser humano comum. Ao se deparar com a identidade do homem que feriu e maculou seu casamento, a reação é de um sujeito que busca revanche, usando sua inteligência superior ao que é comum nos outros personagens para se infiltrar no seio familiar de seu novo antagonista.

    Muritiba organiza seu filme em torno de Fernando, e quase somente sua ótica que vale dentro do registro fílmico. As cenas em que ele está com as pessoas que persegue são registradas sob cortes severos, onde basicamente só se mostram suas reações tensas, calculistas e inseguras, mas que só são evidentes para o espectador que está atento às suas expressões, sendo quase invisíveis para os que veem seus atos. É curioso como ele está sempre um passo à frente dos demais, em especial de Salvador (Lourinelson Vladmir), que vive o antigo parceiro de infidelidade da falecida.

    Para Minha Amada Morta 3

    A construção do mistério é visualmente cativante, com cada elemento mostrado em tela resultando em aspectos representativos e simbólicos. O grave problema é que esse mesmo cuidado não se vê no texto final, uma vez que muitas conveniências ocorrem. A fim de partir rumo ao seu sentimento egoísta, Fernando consegue deixar seu filho com parentes, que magicamente aparecem para ajudá-lo. Seu ingresso nas igrejas que frequenta não inspira a mínima desconfiança, ainda que a desculpa da ação benéfica sem olhar o privilegiado seja comum no âmbito religioso. A discussão que o possível vitimador tem com sua presa é forçosa, assim como a tentativa de sedução que o sujeito impõe pela filha mais velha (Giuly Biancato) e pela esposa vivida por Mayana Neiva.

    No entanto, a transição do luto depressivo para o ódio exacerbado faz sentido, uma vez que os pontos extremos estão muito mais próximos entre si do que do equilíbrio emocional, ainda que este campo seja o bem e o mal. A exploração da hipocrisia por parte das pessoas religiosas é mostrada em tela, mas a tentativa de soar como um drama niilista esbarra na fragilidade dos argumentos expostos e na letargia que se fomenta graças a completa falta de conflito.

    Os últimos minutos do longa guardam uma reflexão sobre a efemeridade da vida e das atitudes de seu personagem principal, trazendo-o de volta ao estágio em que começou, sem qualquer novidade ou evolução de quadro. Dessa forma, o resultado é um desfecho confuso, que parecia tecer um comentário sobre a ética e a verdade, mas que transparece somente uma mensagem pessimista ou realista de que a vida não trará respostas positivas, tampouco acalentadoras. Assim, resta apenas a apatia comum a todos os momentos da trama, que tenta expressar os terrores de um mundo injusto, desconsiderando a violência que todo o suspense constrói na totalidade da obra. Para Minha Amada Morta tem tanta ânsia por ser diferente, que peca em elementos básicos de sua narrativa, apresentando um filme interessante, mas ainda aquém dos talentos da equipe técnica, de Alves Pinto e principalmente de Muritiba.

  • Crítica | Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

    Crítica | Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

    eduardo coutinho 7 de outubro“Minha vida é tão pobre que eu preciso filmar”, diz Eduardo Coutinho durante entrevista dada a Carlos Nader, que viria a se tornar o documentário Eduardo Coutinho, 7 de Outubro, no qual o documentarista se torna o documentado. Tarefa nada fácil delegada a Nader pelo Sesc, devido às particularidades do seu entrevistado.

    A obra surgiu como uma proposta do diretor e produtor João Moreira Salles feita a Nader para que codirigisse, junto com Coutinho, Últimas Conversas – que seria o último trabalho do saudoso documentarista -, prontamente declinada por Nader por não se achar à altura de trabalhar com alguém que sempre considerou um mestre. No entanto, pouco tempo depois o Sesc viria a propor uma atividade com entrevistas de 15 minutos com octogenários. Assim, após o contato realizado com Coutinho e o convite aceito, a entrevista foi marcada para sete de outubro de 2013. O que, a princípio, seria uma produção de 15 minutos se tornou um filme de 73 minutos que, segundo Nader, se estendeu por aproximadamente 5 horas de conversa.

    O filme inicia com Coutinho chegando ao estúdio onde será realizada a entrevista; de modo habitual, o documentarista reclama da vida, da saúde, com seu delicioso mal-humor característico, e de suas queixas passa a conjecturar a respeito de palavrões e a origem de alguns termos. Uma típica conversa de nosso cotidiano que não parece importante, mas que muitas vezes diz algo sobre nós mesmos. O diálogo inicial à entrevista de Coutinho faz rima com seu trabalho de diretor, dando voz àquilo que a sociedade não parece se importar. Ao mesmo tempo, apesar de Nader não ver em Eduardo Coutinho, 7 de Outubro um trabalho tipicamente autoral, ele sabe como sua carreira tem muito de Coutinho e do homem comum. Coincidentemente O Homem Comum, seu último trabalho, diz muito sobre isso, e do mesmo modo fala sobre a filmografia de seu entrevistado. “Ser ouvido é ser legitimado. Mas quem quer dar voz para outro?”, indaga Coutinho.

    eduardo coutinhoSe para alguns cineastas o cinema deve sempre trabalhar com profundidade aos temas humanos, para Coutinho ela é ironizada e se torna motivo de zombaria para o diretor, que afirma que a humanidade está naquilo que é superficial, no cotidiano. O banal que nos humaniza. Coutinho era conhecido como o “cineasta dos outros” pela forma como estimulava uma conversa, a troca realizada entre entrevistado e entrevistador, a escuta legítima, a necessidade de se ouvir; e fazia isso como ninguém. Sabia da importância de, ao se realizar um documentário, não se esconder no anonimato de seus trabalhos. Isso é demonstrado por meio da simplicidade com que conduzia seus filmes, utilizando uma equipe pequena. A forma de uso de câmera, não fazendo a menor questão de esconder a aparelhagem técnica e, claro, o modo com que conduzia suas entrevistas, com a proximidade das cadeiras e a distância da câmera. Nader entende isso e, praticando o mesmo método de seu objeto de estudo, se faz ouvir. E Coutinho fala.

    O mestre dos documentários fala sobre seu processo de trabalho, suas escolhas, de sua maneira de ver o entrevistado, da importância do documentário em sua vida. Por sua vez, Nader utiliza cenas dos filmes de Coutinho para desenvolver a entrevista, como realizado em Hércules 56, de Silvio Da-Rin, o que acaba estimulando a memória do entrevistado a discorrer sobre a composição fílmica de tal cena e o que ela representa atualmente. O que nos leva a uma memória de Coutinho sobre uma cena especifica de Peões, de 2004, na qual o diretor se vale de 23 segundos de silêncio durante uma entrevista com um trabalhador, onde o inaudito é tão ou mais forte do que aquilo que foi dito. Coutinho deixa claro que entende o sofrimento que o “peão” sentia naquele momento de completo silêncio, mas que queria saber se ele conseguiria achar uma saída daquela situação. A saida do entrevistado é questionar o entrevistador da seguinte forma: “o senhor já foi peão?”. A resposta não seria outra: “Não”. Dizia Walter Benjamin que “os indivíduos silenciam-se diante de experiências desmoralizantes”, – pensador marxista bastante citado por Coutinho ao longo do documentário.

    Eduardo Coutinho, 7 de Outubro é filmado quase que integralmente em fundo preto e a figura do cineasta, sempre acompanhado dos cigarros e seu mal-humor otimista. Impossível não relembrar de uma das frases de um de seus entrevistados, “a vida é dolorida, mas foi boa”, no filme Canções. A vida é o banal que Coutinho tanto reverenciava em seus filmes. Vida são os choros e soluços de sua entrevista atrás da cortina, também em Canções. Algo que o cineasta sempre soube muito bem manipular e nos indagar se aquilo era cinema, mas que o próprio Nader nos responde: “Isto é vida, não é cinema”.

    Teremos que continuar sem Coutinho. Ainda bem que ficaram seus filmes.

    Compre: Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

  • Crítica | Pegando Fogo

    Crítica | Pegando Fogo

    Pegando Fogo - poster

    No final da década de 90, o mundo foi infestado de reality shows de tudo quanto é espécie, mas foi ao final da primeira década dos anos 2000 e posteriormente em seus anos seguintes que um determinado tipo de reality ganhou bastante notoriedade: os de culinária. Pode-se dizer, com certeza, que programas como Hell’s Kitchen, Kitchen Nightmares (ambos estrelados pelo difícil Chef escocês Gordon Ramsey) e ultimamente Masterchef (com edições em centenas de países), foram, sem dúvida, inspirações para Pegando Fogo, que, com o perdão do trocadilho, é um prato cheio para quem gosta desse tipo de programa. Embora não haja informações a respeito, nota-se claramente a influência desses programas por toda a concepção da fita, e é justamente esse o maior demérito de Pegando Fogo. Tudo que você já viu, pelo menos uma vez, está lá, e pior, como se fosse um compêndio dos realities, porém com uma história de fundo, porque, vamos lá, se trata de um filme, certo?

    Bradley Cooper vive o renomado, mas esquecido, Chef Adam Jones. Jones fez muito sucesso sendo chef em Paris, o que lhe rendeu duas estrelas Michelin, o ponto mais alto da carreira de um chef. Acontece que as drogas, a bebida e uma vida desregrada acabaram por jogar Jones na sarjeta, fazendo com que ele retornasse à América com o intuito de começar de novo. Para tanto, aplicou uma penitência em si mesmo: trabalhar num restaurante onde ele pudesse abrir um milhão de ostras, para, depois, retornar à Europa, buscando sua terceira estrela.

    O primeiro ato é marcado por cenas interessantes e que rendem bons momentos, já que chegando à Europa, Jones percebe que angariou muitos desafetos e até as pessoas mais próximas o odeia, o que lhe força a fazer um tour por ambientes gastronômicos nem um pouco renomados e sem nenhuma pompa em busca de pessoas talentosas com a finalidade de montar uma equipe que lhe ajude a voltar a ser o que era. Mas primeiro, o protagonista precisa convencer o filho de seu antigo mentor, Tony, (Daniel Brühl) a lhe dar um restaurante. E mais, provar a todo custo que está livre da bebida e das drogas. A partir daqui, o filme se perde muito em sua qualidade e enredo.

    Pegando Fogo retrata de forma precisa situações vividas em reality shows de culinária. Desde o chef procurando falhas nos pratos de outros restaurantes, assim como em Kitchen Nightmares, passando pela maneira grosseira de tratar seus subordinados, as incontáveis explosões de raiva de Hell’s Kitchen, até a maneira didática de Masterchef. E isso cansa, uma vez que o público já está acostumado com esse tipo de coisa. Até as tomadas de câmera são idênticas, exceto por um único momento, onde a cozinha trabalha em um belo, mas rápido, plano sequência.

    O diretor do longa, John Wells, é produtor por ofício e trabalhou em diversas séries conhecidas do público, como E.R., West Wing e, mais recentemente, Shameless, mas na cadeira da direção atuou somente em alguns episódios das duas primeiras. Sua pouca experiência dirigindo programas voltados para a televisão não foi suficiente para se aventurar no cinema, e justo em um filme que aborda o tema mais comum e famoso no meio televisivo, o que é extremamente irônico. Ainda que a direção tente criar um ambiente confortável ao espectador, o roteiro de Steven Knight traz uma reviravolta no início do terceiro ato que ajuda a superar em parte tudo que o filme teve de ruim até então, uma vez que passa a prender a atenção do espectador. Porém, infelizmente, tal recurso apresenta um anticlímax e apenas tem o intuito de amenizar toda a situação ali vivida por Jones e trazer um final feliz para a história, o que é uma pena.

    E não podemos esquecer as atuações de Bradley Cooper, sempre competente, ainda que em filmes fracos, e de Daniel Brühl, que, infelizmente teve seu talento desperdiçado. E o filme ainda conta com Sienna Miller e com participações especiais de Alicia Vikander e Uma Thurman.

    De qualquer forma, Pegando Fogo claramente é um filme que não busca inovar um assunto tão bem retratado na televisão. É como se fosse aquela banda que sempre toca as músicas que os fãs querem ouvir. Olhando sob esse prisma, você não irá se revoltar. Vai até apreciar. Mas para o cinema, é apenas mais um filme. E só.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Paixão de Cristo

    Crítica | A Paixão de Cristo

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    A coroa de espinhos e o rastro de sangue que ilustram o pôster do filme já adiantam ao espectador o que ele pode esperar do terceiro filme de Mel Gibson como diretor. Lançado em 2004, após uma pré-produção desacreditada, A Paixão de Cristo foi recorde de bilheteria ultrapassando os US$ 600 milhões de dólares, mas dividindo a crítica, que ora o recebeu como um diferente olhar catártico da crucificação, definindo o parâmetro escolhido por Gibson ao narrar a história, ora o interpretou como um retrato violento em demasia desse episódio da vida do Filho de Deus.

    A história mostra desde a oração reunindo Jesus (Jim Caviezel) e os apóstolos no Jardim de Getsêmani após a Santa Ceia, seguido da traição de Judas Iscariotes (Luca Lionello), até a captura de Cristo pelos sacerdotes, seu julgamento, condenação e penitência, crucificação, e, por fim, a ressurreição. Portanto, toda a história do filme compreende o período das 12 horas finais da vida do Messias. Através de flashbacks, são mostrados outros momentos de sua vida, como o Sermão da Montanha, e outros em que aparece ainda criança e depois adulto com sua mãe, Maria (Maia Morgenstern). No entanto, o foco é apresentar o sofrimento de Jesus após ser capturado, julgado e condenado, momento que traz o choque devido à abordagem crua do flagelo de alguém além da projeção santificada, mas acima de tudo, humana.

    Desde o início da obra, a violência se faz presente. No Jardim de Getsêmani, Cristo pressente a figura de Lúcifer e expulsa o mal matando uma cobra, símbolo negativo no Cristianismo e em outras culturas, visto que é um animal traiçoeiro e venenoso. Mas é na prisão que a tortura de Jesus garante o seu ápice. A injustiça que cometem contra a sua vida ultrapassa os limites físicos. Jesus é maltratado de tal forma que, apesar de o castigo ser filmado de maneira cruel e mundana, sua figura nos passa a crença de que o homem açoitado tem uma força excepcional que vai além do domínio terreno. Hiperbolizando a violência, como em uma narrativa sobre um momento de fato violento, o resultado são cenas que se aproximam de uma situação vivida por qualquer um de nós, como se fôssemos testemunhas daquela violência e quase nos achássemos pedindo para Cristo ser poupado, da mesma forma que Simão de Cirene (Jarreth J. Merz) grita aos torturadores.

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    O título do filme pode confundir, visto que a palavra “paixão” em geral carrega uma carga positiva. Paixão, do latim passio, refere-se a “sofrimento”, “sofrer”. Só muitos séculos depois, “paixão” passou também a designar desejo, apreço e adoração. No sentido original da palavra, o filme captou a essência. São duas horas e sete minutos de martírio, não só ao Cristo, mas também a seus espectadores. Filmada todo em latim e aramaico, o que rendeu elogios de especialistas nas línguas faladas entre os judeus e romanos da época, a obra impressiona pelo retrato das escrituras bíblicas. A representação de Cristo é bastante extraordinária: alguém que foi trazido para a o mundo para levar uma mensagem e, como parte de um desígnio, deixado ao Cálice – ou sofrimento – que no Jardim anteriormente previra.

    Apesar de utilizar menos o reforço da direção de arte, em comparação com seus filmes anteriores, o foco na expressão de Caviezel a todo o momento indica um recurso cinematográfico usado pra representar a decepção de Cristo com a humanidade, como se, vendo-o através dele, o espectador se redimisse pelos seus pecados e os dos agressores.

    A Paixão de Cristo também lidou com críticas envolvendo antissemitismo. À época, houve quem dissesse que Gibson responsabilizou os judeus pela morte de Jesus em razão da maquiavelização dos sacerdotes do Sinédrio e as pessoas presentes no julgamento em contraposição à humanização de Pôncio Pilatos (Hristo Shopov), que lavou as suas mãos no julgamento. No entanto, diante da controvérsia, é clara a atuação do roteiro em explorar a crueldade dos soldados romanos na tortura, assim como é fato que Maria, Madalena (Monica Bellucci incrivelmente apagada), Simão, Santa Veronica (quem, na Via Dolorosa, ajuda Jesus com um lenço para limpar-se), e o apóstolo João, são todos hebreus que se compadecem em algum momento da crucificação. Assim, não há uma classe apontada no filme como a culpada por tal injustiça. Todos têm sua parcela de culpa, desde o braço amigo que o traiu até o governante que pune um inocente e liberta um assassino para manter a paz em suas terras.

    Polêmicas à parte, o filme consegue com eficiência cumprir o prometido por Gibson em sua ideia original: retratar os últimos momentos de Cristo como detalham as histórias bíblicas e outros relatos de época, com a violência da filmografia do diretor aliada à estética da purificação, através de um filme honesto, belo no horror e sem amarras.

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    Texto de autoria de Karina Audi.

  • Crítica | A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu?

    Crítica | A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu?

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    Projeto antigo, A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu? somente foi finalizado graças a ações de marketing ligadas à colaboração voluntária de espectadores, unicamente movidos pelo desejo de saber toda a verdade sobre a produção de Superman Lives, filme de Tim Burton que jamais viu a luz do dia, e que traria Nicolas Cage com Kal El, o kriptoniano super poderoso e principal super herói da cultura pop norte-americana.

    Jon Schnepp começa a narrar os fatos a partir de um monólogo, direto, conversando com o público de maneira incisiva, para logo depois coletar depoimentos de populares e ilustres, dentre eles Grant Morrison e homens do cinema, envolvidos na produção de Superman: O Retorno. Logo de início, revela-se a presença dos vilões Apocalipse – que teria abatido o azulão em A Morte de Superman – o tradicional e Lex Luthor, e a força robô/alienígena Brainiac, que não pôde ser o antagonista de Superman 3.

    A obra resgata uma abertura semelhante a dos filmes de Richard Donner e Richard Lester, com recriações da silhueta de Cage caminhando com sua peruca e capa, para logo depois contar com o depoimento de Kevin Smith, a respeito da filmografia do herói. Smith diz em sua entrevista algo interessante, como o desprezo dos mandatários do estúdio com os artistas ligados aos quadrinhos, como se fossem pessoas incautas, que não entendiam a ideia do cinema. A partir dali, começaria uma enorme discussão dele enquanto roteirista, com John Peters, produtor, sobre o que seria o argumento, incluindo boatos sobre ele não poder voar, não usar sua roupa clássica, além de batalhar com uma aranha gigante, sendo alguns desses fatos negados pelo próprio Peters, ao ser indagado por Schnepp.

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    Ao se investigar mais, percebe-se que a ideia de Tim Burton dirigir o filme ocorreria bastante tempo após o rascunho do primeiro roteiro. O documentarista visita o diretor, que o recebe em um espaço de sua residência repleto de pôsteres e brinquedos de filmes de terror, onde se percebe a maioria de suas influências obscuras e góticas.

    O cineasta revela suas escolhas para o cast, que iam desde a já conhecida e pitoresca escolha de Cage como o último sobrevivente de seu planeta, até Sandra Bullock como Lois Lane, Chris Rock como Jimmy Olsen, além de uma dúvida entre Jim Carrey e Christopher Walken para o papel de Brainiac. A persona de Lex Luthor era cogitada para Kevin Spacey, que acabou por fazê-lo em Superman: O Retorno de Bryan Singer.

    As cenas de bastidores, com o ator testando uma das roupas que usaria junto a uma estranha peruca, prenunciam o que poderia ter sido uma tragédia visual imensa. Ao analisar os concept arts, veem-se referências a trajes metálicos negros, todos influenciados pelo vestuário do alienígena nos quadrinhos da época, mas que destoavam por completo da visão clássica vista nos filmes de Christopher Reeve e nos muitos seriados.

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    Nota-se no ideal artístico de Sylvain Despretz muita influência do hermético e jamais filmado também Duna de Jodorowsky, com rascunhos bastante ácidos e viajandões, ainda que não se aproximem tanto dos conceitos bolados por Moebius. Ainda sim, o que se nota é muita beleza, e semelhanças com Logans Run (ou Fuga do Século 23). Até a contribuição de Dan Gilroy é analisada, anos antes de seu interessante O Abutre.

    A história em torno de Superman Lives é tão repleta de absurdos, que mesmo no filme que o investiga, não há uma resposta certeira sobre o cancelamento. As suspeitas recaem sobre os muitos filmes da produtora, que foram fracasso de bilheteria à época –  entre eles espécimes como Aço e Batman & Robin  – além é claro da excentricidade de Burton, seja nos recentes Marte Ataca e Batman O Retorno, bem como no que se envolveu desta versão de Super Homem.

    O lamento de Tim Burton, de que ainda gostaria de rodar o longa, revela um profundo ressentimento, não só dele, mas dos demais preteridos de executar o filme, do que poderia ter sido mais um dos clássicos trash dos filmes de super heróis, junto a Mulher Gato, Lanterna Verde, Liga Extraordinária etc.  A direção de Schnepp não ousa muito, cinematograficamente, e possui alguns problemas quanto ao formato, mas elucida temas que até então eram desconhecidos do público em geral, em especial dos nerds, que são os que o diretor mais tenta alcançar.

  • Crítica | Os Bravos Morrem Lutando

    Crítica | Os Bravos Morrem Lutando

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    Produzido e dirigido por ator principal, Os Bravos Morrem Lutando é um drama de guerra baseado na possível resistência dos Estados Unidos as condições adversas e ao poderio de seus inimigos, os japoneses, como em inúmeros filmes de guerra passados, incluindo alguns estrelados por Frank Sinatra. A trama segue o veterano chefe do departamento farmacêutico (Sinatra), que junto a um grupo militar, adentra uma ilha do Pacífico, dominada por orientais.

    Alguns aspectos curiosos ocorrem na produção que é a única cuja direção é assinada pelo cantor/ator. A diferença primordial é que a história é contada a partir das falas de um personagem opositor, o tenente Kuroki (Tatsuya Mihashi), que tem como contraponto, o capitão Dennis Bourke (Clint Walker), um homem bravo que serve de ponta de lança do regimento americano. Sequer o protagonismo entre os seus recai sobre Sinatra, que já aparenta uma idade avançada, fazendo dele um sujeito pouco afeito a ação, daí fazendo sentido sua postura como médico do batalhão.

    Apesar de não concentrar em si o protagonismo, o diretor trata de usar o texto de John Twist e Katsuya Susaki que é baseado na história de Kikumaru Okuda a seu favor, pondo seu personagem para ser a ponte de paz entre os dois grupos conflituosos, ao se dedicar ao tratamento de um japonês ferido. A cena mais tensa dos primeiros oitenta minutos é executada pelo realizador, mas segue a generosidade dele enquanto celebridade ao permitir que outros atores possam desenvolver seus talentos sem se preocupar em ofuscar uma estrela de sua grandeza, característica aliás proveniente de seu comportamento nos palcos.

    É evidente que a direção do filme não é muito inspirada, até pelo background do cineasta ser o de encenar e não comandar, mas notam-se influências temáticas claras em objetos da filmografia estadunidense recente, incluindo muitos sucessos. A pecha de contar a história por vozes japonesas foi vista em Cartas e Iwo Jima, de Clint Eastwood, e o viés de bravura acima dos limites, como em tantos dramas de guerra, desde Platoon até Resgate do Soldado Ryan, igualmente superiores ao seu embrião.

    A mesma luta contra o maniqueísmo, que seria vista no personagem Joe Leland, de Crime sem Perdão anos depois, seria preconizada neste Os Bravos Morrem Lutando, uma vez que a única chance de sobrevivência dos homens é a união entre as dois núcleos inimigos, que buscam subsistir mesmo com a ação catastrófica da natureza.

    O desfecho, incluindo um infeliz combate entre aliados e membros do eixo, mostra um caráter anti-bélico, até surpreendente depois de dezenas de filmes pautados nos esforços dos EUA na Segunda Guerra Mundial, protagonizado ou interpretados por Sinatra. A mensagem final se bifurca, entre as letras que ganham a tela, afirmando que na guerra não há vencedor, e o agradecimento a bravura de membros do exército, onde se nota que a escolha de viés, por parte dos produtores do filme é o de criticar, ainda que veladamente os mandantes das forças armadas, e não os homens do pelotão.

  • Crítica | A Acusada

    Crítica | A Acusada

    A Acusada - poster

    – Eles deixaram você no escuro?

    Pergunta dirigida a Lucie de Berk por um dos guardas que amigavelmente entra na sala do interrogatório e liga as luzes. Ela, por sua vez, não responde; talvez porque saiba a resposta, assim como o público, que foi devidamente introduzido ao filme com a personagem sendo levada ao tribunal. Encolhida no fundo de uma van, cercada por repórteres e, por trás deles, a concepção de uma sociedade que sim, deixou-a no escuro.

    A Acusada foi o filme escolhido pela Holanda para representar o país no Oscar. Dirigido por Paula van der Oest (Zus & Zo, previamente indicado à Academia) e roteirizado por Tijs van Marle e Moniek Kramer, que apresentam uma carreira com base e crescimento nos roteiros de televisão. A película trata da história real do julgamento de Lucie de B., acusada de matar crianças e idosos ao trabalhar como enfermeira. Sua prisão não se baseou em provas concretas ou testemunhos embasados, mas sim em suposições fundamentadas em preconceitos, que ergueram então um circo para a mídia e, consequentemente, gerou e propagou desaprovação popular. Esse evento é um dentre tantos que exemplificam o quão danificado é o sistema legal.

    É especialmente danoso para os inaptos socialmente, como é o caso de Lucie (Ariane Schluter). Suas colegas de trabalho a olham torto devido às suas roupas, suas ações; seu profissionalismo e introspecção que são confundidos com arrogância. Soma-se a isso um passado duvidoso para elas, que é de muitos traumas para Lucie. A personagem principal deu a Der Oest material suficiente para desenvolvê-la como a mais rica da obra, focando, principalmente, nos pontos de sua humanidade que foram tão escondidos pelos meios de comunicação quando o caso ocorreu entre 2001 e 2008.

    Sete anos de sofrimento judicial. A história sozinha já é poderosa, mas isso não quer dizer que simplesmente transcrever para uma página de roteiro renderá um filme digno a ela. O drama investigativo segue moldes americanos, simples. Talvez pela experiência televisiva das roteiristas. O que para muitos pode ser uma qualidade, acaba se transparecendo em preguiça, pois não há aparente esforço em tela; lembra exatamente a plasticidade de tantos filmes hollywoodianos. Além disso, ser uma história real que se estende por muitos anos também não ajuda. Há uma divisão clara entre períodos que é prejudicial ao ritmo da obra, ainda mais ao não demonstrar uma evolução orgânica em personagens além de Lucie.

    Judith Jansen (Sallie Harmsen) é uma dessas personagens planas. Uma recém contratada da polícia holandesa; sedenta por um caso para se provar como profissional, além de algo mais do que uma escritora acadêmica. Pode-se afirmar que é a personificação da Justiça, especialmente no modo como lida com Lucie no decorrer da trama. Além dela existem outras figuras, especialmente policiais, tão planas quanto. Tal pobreza dos personagens diminui a carga do filme e simplifica o tema que deseja abordar.

    A fotografia de tons frios e sombras intensas ressoa com a personagem principal, e com a sua própria situação emocional e social. Aproxima-se para tornar claustrofóbico e afasta-se para delatar a solidão, sempre com uma vinheta escura nas bordas. Em poucos momentos há cores mais vibrantes em tela, geralmente flashbacks de acontecimentos anteriores ao trauma e à vida adulta de Lucie. Não é uma fotografia que pretende chamar atenção para si. Igualmente a trilha sonora surge em cortes de uma cena para outra, em uma tentativa de melhorar o ritmo da narrativa. Apresenta o mesmo estilo de tantas outras fitas policiais americanas, com aparentes barulhos de grades perseguindo seus personagens.

    A sociedade é a mão que afaga e apedreja. A demonização dos marginalizados pela mídia se faz com a mesma alienação que sua santificação posterior, e A Acusada pode falhar em diversos pontos devido à falta de esforço para ir além, mas a mensagem que quer passar é clara. Lucie de B. passou mais de sete anos sofrendo graças a falsos julgamentos e ao orgulho de integrantes de um sistema falho. E ela pode ter sido exonerada, ter saído do escuro, mas ainda existem outros a habitá-lo.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

    Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2)

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    “The Red Capes are Comming”. A frase de Lex Luthor (Jesse Eisenberg) que se fez famosa no trailer de Batman vs Superman: A Origem da Justiça remete ao herói da independência dos EUA, Paul Revere — que também virou música na voz de Johnny Cash — atuando como mensageiro nas batalhas de Lexington e Concord. Ele chegou a Boston em seu cavalo gritando esta frase em referência aos soldados ingleses que usavam capas vermelhas.

    E é com a reação da humanidade à vinda de um força maior coberta por capa vermelha que a trama se move por boa parte do primeiro ato. O surgimento de uma espécie alienígena representa duas grandes questões da modernidade: a retirada do ser humano do pedestal de ser mais poderoso do universo, e a materialização de sua relação ambígua entre amor e temor que boa parte das religiões têm com relação às divindades. Se na Antiguidade a existência de uma força maior era um fato, hoje a fé é desmotivada e se mostra enfraquecida, como relatou Nietzsche, indicando que a fé tornou-se secundária na vida moderna, dando origem ao que ele chamou de Super-Homem (Ubermensch – Além do Homem) capaz de controlar o mundo à sua volta e não mais um joguete das fatalidades.

    Ainda assim, porém, existe a ideia de que nossos erros são a raiz da raiva de forças as quais não alcançamos total controle, tal é com as forças da natureza. Essa ideia preenche a relação de crime e castigo, amor através do temor e fidelidade forçada, conceitos essenciais para entender por que a invasão de uma divindade causa reações tão paradoxais à população do filme, temendo um deus que perde a calma caso alguém não se ajoelhe para pedir perdão.

    O medo, a febre que cresce nos corações são o motor de uma guerra, seja ela forjada em palavras ou com fogo, e é desta característica que Lex Luthor se aproveita para trabalhar sua megalomania caótica de quem não apenas desacredita e confronta, mas pretende ser o deus de seu tempo. Sua amargura é descrita numa citação breve do argumento da contradição dos fatos do filósofo David Hume para a inexistência de um deus. Porém sua maquinação não é racional como aquela da filosofia, mas sim solitária e apaixonada a ponto de impedi-lo de se contentar em matar apenas o deus metafórico e tornar-se senhor de si. O surgimento de um verdadeiro deus não se traduz para ele como uma afronta ou temor, mas na oportunidade de vingança que vai além das ruminações de quem espera respostas filosóficas. Tudo isso relaciona-se com sua performance física e verbal ao trazer um pouco de outras encarnações deste que é um dos maiores vilões dos quadrinhos, mostrando-se leve, sagaz e manipulador ao retratar o yuppie moderno da era da informação em toda sua vaidade.

    Nenhum pecado será perdoado. E é com este mantra enraizado em seus traumas que a orfandade trouxe que Batman/Bruce Wayne (Ben Affleck) e Superman/Clark Kent (Henry Cavill) interagem para criar os dois lados de uma mesma moeda. A vontade e a necessidade de fazer algo frente ao que se entende como errado são uma arma poderosa, porém polissêmica, e por isso capazes de produzir não só grandes feitos como também grandes tragédias, tal qual religiões, em que um mesmo conceito é capaz de tanto fazer alguém dar a vida em prol de um ideal quanto é capaz de dar as armas para dizimá-la. Para ligar estes dois personagens, o truque foi usar uma coincidência dos quadrinhos para representar os amores mais profundos dos meninos (apesar de a Mulher-Maravilha representar muito bem o gilrpower e mostrar-se superior e mais saiba que qualquer outra pessoa da trama, este é um filme que fala essencialmente aos meninos) e ligá-los emocionalmente.

    As duas grandes surpresas do filme ficam na performance e representação que Affleck trouxe ao Homem-Morcego, e Gal Gadot como Mulher-Maravilha, todavia o casting é irrepreensível. Como seus alteregos, a coisa funciona igualmente bem. O Batman se mostra brutal, poderoso e amedrontador em sua performance física exacerbando violência e em sua postura e fala que jamais recuam, deixando claro que sua principal gadget é o medo que provoca. Uma personificação exemplar que relaciona o figurino e o forte apelo à fantasia mostrando um Batman capaz de feitos improváveis, mas não necessariamente impossíveis.

    A Mulher-Maravilha é especialmente bem tratada, tanto por sua música-tema, que é mais impactante e carismática que a de seus companheiros de cena, quanto pela cinematografia (não por acaso é colocada no centro da Trindade), tratando de mostrar uma heroína inabalável e divina na essência do termo. Ela demonstra em suas linhas de diálogos já ter passado pelos sofrimentos que hoje os demais heróis passam. Mesmas dúvidas, mesmas tristezas, mesmas perdas, mas com a sabedoria de que não há recompensas em viver acima das nuvens, ciente de que a corrupção do poder sempre chega.

    O roteiro é coeso, mesmo com a abertura para as loucuras temporais que a DC trabalha nos quadrinhos, e possui todas as pontas costuradas pelos sempre talentosos Chris Terrio (Argo) e David Goyer, que se utilizaram de ao menos duas grandes histórias clássicas dos heróis-título. Apesar desta competência, faltam pausas para assimilar e deixar respirar certas ideias do filme e assim algumas conclusões podem soar falsas ou apressadas. Falta a mesma contemplação para justificar a ação, que, apesar de ser intensa e poderosa, conta mais com a pose do que com movimentos ao capturar muito da estética e linguagem narrativa dos quadrinhos. O recurso que nas mãos de outro diretor poderia traduzir-se em cenários enfadonhos, é bem aproveitado por Zack Snyder, o qual entende que o que há de especial na linguagem visual dos quadrinhos é justamente o preenchimento entre um quadro e o outro exigido do público, e por isso produz cenas que, independente da apreciação do todo, funcionam por si só.

    Ainda assim, o ritmo traz algumas perdas para a narrativa e à estrutura dos atos, que iniciam e terminam a ação em períodos incomuns nos demais filmes de super-heróis (tanto da Marvel quanto da Trilogia Nolan), o que afeta a noção de tempo do filme, desregulando as emoções sobre os acontecimentos e prejudicando a entrega. Ao decidir emocionar pela fantasia de se observar a trindade dos quadrinhos agora em carne e osso e pelo jogo esquemático e inteligente do roteiro, a direção acaba optando também por evitar emoções mais profundas, formando um filme rebuscado e apaixonado, mas carente de amor.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (1)

    Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça (1)

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    O que interessa aos heróis não é brigar entre si, mas sim lutar por um bem maior. Só que alguém fez o diretor Zack Snyder – que como cineasta é um ótimo designer de videogames, além de famoso por seus exageros – entender e aplicar isso no cenário de um filme que precisava ser épico, mas diferente de Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Se o Superman de Henry Cavill quer na soberania de suas ações se retratar e nos fazer esquecer de O Homem de Aço, o Batman de Ben Affleck vive num mundo à parte dos filmes de Christopher Nolan, sendo o mais sisudo e inflexível dentre os exibidos no cinema. Um personagem ao mesmo tempo limítrofe às próprias fraquezas, mas que chega a acender o bat-sinal no céu de Gotham e enfrentar um Deus, tão furioso quanto ele, para subvertê-las e não ter que enfrentá-las a base de vodka ou psiquiatria contra os traumas do passado; esses sim, invencíveis. E que tudo em Batman vs Superman: A Origem da Justiça gire em torno do peso de outrora sobre o presente, para que enfim seja erguida a ponte do universo DC Comics no Cinema, da mesma forma que a Marvel já conseguiu. Passou da hora.

    Um filme de responsabilidades, seguro de si para incorporar mais certezas que dúvidas sobre o futuro; dúvidas oriundas da falta de planejamento da DC e Warner – muita boataria e fato que é bom, nenhum! Todavia, quando o Morcego e o Homem de Aço dividem a tela pela primeira vez, num show de efeitos especiais de doer os olhos tamanha a complexidade visual, fica difícil não sorrir. Porque, numa analogia indireta à fazenda dos pais adotivos de Superman, o campo está arado e só falta colher os frutos, já que o próprio filme é fruto, em parte, das vaidades estéticas e sufocantes de seu diretor – dessa vez muito mais consciente do poder do material que tem em mãos do que quando rodou Watchmen -, filme após filme, pavimentando e aprimorando o mirabolante universo DC na telona, mesmo que essa seja uma atitude retumbante, mas atrasada e vacilante no êxito, até agora… Até agora, pois o terceiro ato é o grande trunfo da obra.

    A produção vem lotada de surpresas, e isso não poderia ser melhor, principalmente num tempo em que qualquer easter-eggs de fenômenos pop é motivo de intermináveis fóruns, internet afora. Também por isso, o filme apresenta um bom equilíbrio entre tantos personagens dividindo a mesma história. É notável, em especial no ótimo terceiro ato, como Snyder sabe aproveitar a extremidade da tela de cinema IMAX, ampliando sem comiseração esse potencial da situação, o que faz uma lenda ser mito quando a máscara racha durante a luta, o que neste caso aprimora o espetáculo e amplia suas ilusões, mesmo que o 3D ao longo do filme seja 100% preguiçoso e inútil, o que parece demonstrar que o diretor estava preocupado demais na empolgação da coisa, para “enxergar” onde mora o razoável numa luta tridimensional como essa.

    Filme frenético, moderno, cheio de fúria, fogo e barulho, mas calma, não é Mad Max, mesmo! Do começo ao fim, estudamos e sentimos o poder que move o certo e o errado, o bem e o mal que o Cinema nos ajuda a definir e validar no valor de seus símbolos e mitos. Batman vs Superman: A Origem da Justiça é um filmaço, é o desenho da Liga da Justiça com atores reais e um pouco da seriedade de Nolan (um dos produtores do filme), mas o melhor, claro, feito sobremesa, é deixado para o fim.

  • Crítica | Olhos da Justiça

    Crítica | Olhos da Justiça

    Olhos da Justiça - poster

    O Segredo Dos Seus Olhos levou ao cinema a intrigante história escrita por Eduardo Sacheri. O filme, repleto de simbolismos sobre a psique e condição humana, ganhou uma versão hollywoodiana estrelada pela tríade Julia Roberts, Nicole Kidman e Chiwetel Ejiofor.

    Olhos da Justiça se passa nos EUA pós-11 de setembro, em que o agente do FBI Ray Kasten (Ejiofor) é designado para trabalhar numa divisão com a finalidade de desmantelar possíveis células terroristas infiltradas no país. Sua relação de parceria com a investigadora Jessica Cobb (Roberts) permite que ambos exerçam suas funções em sintonia; a amizade entre eles, por sua vez, concede espaço para que Jess possa, inclusive, incentivar Ray a aproximar-se da procuradora recém-chegada Claire Sloane (Kidman).

    No decorrer das investigações do departamento, os agentes descobrem um homicídio ocorrido próximo a uma mesquita, e julgando ter ligação com algum terrorista, eles partem para o local e constatam que a vítima era a filha de Jessica, Carolyn. Na sequência da descoberta do corpo, as atuações de Roberts e Ejiofor evidenciam que os profissionais dessa área, que necessitam da frieza e isenção dos sentimentos para cumprir seu dever, podem perecer diante de tamanho choque; o desespero de Ray e a dor profunda de Jess são sentidos pelo espectador, e a dupla de atores divide a tela em uma das cenas mais impactantes da trama. Tal acontecimento irá separar os amigos por pouco mais de uma década, durante a qual nenhum dos dois esqueceu o fato ou deixou de investigá-lo.

    No período entre 2002 e 2015 em que a narrativa transcorre, somos guiados por flashbacks que vão inserindo dados importantes sobre a investigação paralela de Ray, que acaba abandonando sua carreira na divisão antiterrorista e consequentemente se afasta de Claire, por quem sempre foi interessado mas nunca teve coragem de se declarar, por conta do noivado dela. As observações do agente em relação ao sentimento, aparentemente mútuo, não têm espaço numa narrativa marcada pela ação (comum no cinema norte americano); Ray é movido pela esperança de encontrar o assassino, fazendo com que abstrações sejam postas de lado. Nesse ponto, tanto o personagem de Ejiofor quanto o de Roberts perdem a oportunidade de levarem seus questionamentos um degrau acima, além de frases que remetem às falas presentes no filme de Campanella. A intenção de levar tais questões ao público existe, mas carece da força e das inserções simbólicas muito bem trabalhadas na película argentina.

    A dor de uma mãe, representada pelas feições envelhecidas de Jess, e a sede de justiça por parte de Ray guiam ambos pelo tortuoso caminho em busca do criminoso. No entanto, as pistas recolhidas pelo agente os levam a um ‘beco sem saída’ e o procurado permanece nas sombras, intacto e livre da punição. A caçada termina e Ray tenta lidar com isso, inclusive imaginando como Jess pôde suportar durante esses anos a perda de Carolyn. Em um momento de reflexão Ray relembra de conversas que havia tido com a parceira, e seu instinto investigativo o conduz a uma perturbadora revelação.

    Nas sequências finais descobrimos que o homicídio cometido e o tempo decorrido não fizeram apenas Ray e Jess de prisioneiros; a dura pena cumprida em vida seria mais justa do que uma sentença de morte estipulada pela lei. Ao menos, era isso que Jessica Cobb pensava. Os velhos amigos trocam poucas palavras e gestos decisivos nos últimos minutos da trama, até que Ray finalmente enterra o doloroso passado, dando a chance para que ambos possam seguir suas vidas.

    Compre: Olhos da Justiça

    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Crítica | Cemitério do Esplendor

    Crítica | Cemitério do Esplendor

    Cemitério do Esplendor 1

    Baseando sua trama em um hospital improvisado no espaço de uma antiga escola, onde se acolhem soldados em recuperação, Cemitério do Esplendor prova-se um filme bem mais pragmático do que costuma ser o cinema do tailandês Apichatpong Weerasethakul. O conto trata de uma instalação hospitalar que cuida de soldados vítimas de uma estranha doença que transforma o seu sono em anômalo, e explora a vida de personagens bastante diferentes entre si.

    A primeira pessoa focada é a enfermeira voluntária Jenjira (Jenjira Pongpas), manca de uma perna graças a uma doença que a deforma. Sua chegada a tal clínica improvisada faz maximizar a sensação de estranheza geral e seus préstimos são exigidos ao ter de cuidar de Itt (Banlop Monoi), um soldado jovem que não recebe visitas, e que, segundo a intuição da funcionária, acaba por não ter família.

    O núcleo de personagens inclui também a jovem Keng (Jarinpattra Rueangram), que diz ter poderes mediúnicos, fator que torna dúbio o conjunto de cenas externas aos quartos onde residem os leitos, e até algumas internas, dada a vivacidade, ou não, das pessoas que percorrem o hospital. Com o decorrer da trama, essa dicotomia é explicada em partes pela proximidade no terreno de um cemitério.

    A quase total ausência de trilha sonora gera uma série de sensações atrozes, com o som ambiente fazendo a trama soar mais naturalista. Em poucos filmes a aplicação destes aspectos serve tanto às curvas dramáticas e soa tão harmonioso. A realidade dentro do roteiro de Weerasethakul é um assunto igualmente ambíguo e discutível, retirando qualquer supervalorização do pragmatismo efetivo do plano natural em que o homem vive, tratando o metafísico como algo tão existente que, em alguns pontos, transita do abstrato para o concreto.

    A mistura de atores não-profissionais faz a história soar ainda mais fluída. O afeto entre os seres que aos poucos se estreita emula a vagarosidade da vida cotidiana e a dificuldade em se desenrolarem novas relações. O texto ainda abre espaço para discutir a sexualidade da mulher, fator que ajuda a demonstrar um bom pedaço da identidade social do país, ainda mais gritante para a parcela do público pouco afeita ao lugar comum em que habita a Tailândia.

    Para o cinéfilo que não está acostumado com a filmografia do diretor, talvez os dramas de Cemitério do Esplendor não são palatáveis, em especial pelo tipo de terapia envolvendo as luzes coloridas, que contêm muito mais mensagem em níveis subliminares do que nas camadas superficiais. A dissertação a respeito da vida e da morte flerta com a poesia, apesar de ser muito menos exótico e estranho do que o restante da filmografia, resultando em uma obra mais ligada à afetividade e humanidade.

  • Crítica | Everything or Nothing: The Untold Story of 007

    Crítica | Everything or Nothing: The Untold Story of 007

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    Documentário organizado por Stevan Riley, inicia-se com a atuação de Daniel Craig, já remetendo às primeiras linhas de Ian Fleming como novelista do romântico personagem que o tornaria famoso. Everything or Nothing investiga um pouco da intimidade do escritor, para remontar o ideal que o faria escrever sobre o agente secreto britânico. O autor sairia do front da Segunda Guerra traumatizado, indo enfim para a Jamaica para habitar sua casa de praia (chamada Goldeneye) fonte local dos contos e novelas sobre o espião, fantasiando sobre elementos comuns ao local em seus escritos, incluindo as barracudas e tubarões que habitavam os mares.

    Da dor das perdas de seus amigos, viria a inspiração para aventuras que mesclavam o escapismo inocente e o medo do desconhecido presente na figura do soviético. Cassino Royale lançado e tachado como um livro que chocaria a população conservadora, especialmente pelo apetite do protagonista por mulheres e pela fácil entrega das mesmas. Esse e outros problemas fariam com que alguns produtores associados a Albert L. Broccoli achassem que James Bond não era um personagem talhado para o cinema, e sim para a televisão, isso depois da encenação de Cassino Royale de 1954. Tal fator coibiu o escritor de produzir novas aventuras, quase cerceando na raiz a origem das histórias que ficariam famosas no cinema.

    Fundamental para que ocorresse a realização das adaptações foi Harry Saltzman, um sujeito cujo repertório envolvia o trabalho no circo, normalmente entretendo seu público através do colorido e espalhafatoso. Após conseguir os direitos dos livros de Fleming, organizou enfim a parceria com Broccoli e o consenso de ambos sobre a polêmica da persona de Connery como espião, já que ele era um desconhecido. Outros fatores colaboraram para tal identidade ser construída, como a personalidade de Terence Young, primeiro diretor da cinessérie.

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    Broccoli, Connery, Fleming e Saltzman

    A participação ativa de Maurice Binder foi fundamental para a abertura estilizada que se tornaria marca registrada do personagem, misturando elementos violentos com a sensualidade feminina dos textos canônicos de Fleming.

    O documentário não teme em optar por um lado ao discutir a questão de Kevin McClory e Ian Fleming, primeiro ao diminuir a influência do primeiro nas ideias por trás de Thunderball, prosseguindo em atrelar à briga judicial o principal fator para o falecimento do criador de 007.

    A gravidade está no reducionismo, já que o filme passa rápido demais por questões polêmicas, detalhando pouco a tomada de direitos de McClory, bem como a briga entre o cada vez mais famoso Connery e o produtor Saltzman, que resultaria na mudança de postura após Só Se Vive Duas Vezes. Apesar desses problemas, destaca-se a parte em que Lazemby confessa seus problemas de comportamento fora dos sets, além dos fatores que o fariam perder seu posto e a consequente fama e carreira que teria a partir daquilo, inclusive trazendo detalhes sobre sua postura de afronta, soando até bastante humilde ao falar sobre seu visual na premiere do filme, de barba e cabelos longos, diferente do estereótipo de seu personagem.

    Everything or Nothing 4

    O filme funciona perfeitamente como tributo/homenagem, reunindo depoimentos de membros das produções e de tantos outros famosos aficionados, como Mike Myers, que declara seu amor pelo personagem através da paródia de Austin Powers. No entanto, o tempo curto da produção não permite um grande aproveitamento dos detalhes que envolvem uma franquia que já teve um jubileu, atingindo o raso em alguns pontos, especialmente em reafirmar a demonização de McCLory, anda tangenciando os direitos de Thunderball, que resultaria no filme Nunca Mais Outra Vez. No entanto, a briga entre Saltzman e Broccoli é somente citada ao passant, curiosamente gastando-se mais tempo até nas desavenças de Connery com os dois produtores, que o ajudaram a aceitar o papel no filme apócrifo.

    Everything or Nothing soa como uma visão demasiada parcial, como um comercial publicitário, encomendado pelos atuais mandantes da franquia, que exibem a versão que lhes é conveniente. De positivo há a tentativa de justificar alguns dos equívocos dos filmes de Dalton como Bond, mas, ainda assim, sem se assumir.

    Bond Girls Naomi Harris & Bérénice Marlohe on the red carpet at the Orange British Academy Film Awards 2012.

    Não há qualquer remorso por parte dos produtores em colocarem Pierce Brosnan em temas que tornam os resquícios da Guerra Fria como algo imbecil e parodial, tampouco há um assumir de culpa por abordar esses temas mais espinhosos. A convalescência de Cubby Broccoli seria responsável pela reaproximação dele com Sean, fator que talvez explique a boa abordagem que fazem do ator, o qual, ainda assim, não se permitiu sair de sua aposentadoria para participar das gravações do documentário.

    Mesmo os comentários corretos em relação ao boicote preconceituoso a Daniel Craig soam oportunistas, como uma tentativa de trazer um virtuosismo para os atuais produtores, Barbara Broccoli e Michael G. Wilson, os mesmos que são incapazes de fazer uma autoanálise minimamente crítica em relação aos erros do passado. Para o fã do personagem 007, existem poucas informações inéditas, mas para um cinéfilo neófito Everything or Nothing funciona como bom artigo de curiosidade, mesmo considerando a quantidade absurda de fatos suprimidos.

  • Crítica | Sob o Domínio do Mal

    Crítica | Sob o Domínio do Mal

    Sob o Dominio do Mal - poster

    O prelúdio do drama de John Frankheimer começa semelhante a uma fita de guerra, mostrando um pelotão do exército se organizando taticamente em um combate na guerra da Coreia. O grupo de homens é traído e levado por seus opositores para sofrer maus agouros. A primeira tomada de Sob Domínio do Mal após os créditos mostra Raymond Shaw (Laurence Harvey) chegando ao solo americano como herói de guerra, tratando as primeiras cenas como um despiste, o que evidentemente é um engano, já que todo o plot explorado no longa é intimamente ligado à sua captura e a de seus colegas.

    Como parte da construção comum ao cinema da época, há uma narração incessante introduzindo cada um dos passos do recém-chegado soldado. O artifício não está lá à toa, pois serve de símbolo para a dificuldade mental do veterano de guerra em conduzir sua própria consciência. O roteiro explora em paralelo a situação de Benett Marco (Frank Sinatra) e de outro soldado, que, assim como Shaw, também havia sido capturado, tendo em sua intimidade uma série de terrores noturnos profundos, frutos do trauma de suas capturas.

    O roteiro de Frankenheimer, George Axelrod e Richard Condon serve de crítica ao esforço de guerra, mostrando-o como exercício inútil, fútil e de consequências terríveis para os alistados. A possibilidade que só seria desbaratada próxima do final dá mostras de sérios problemas psiquiátricos por parte dos torturados, suscitando questões sérias sobre controle mental imputado pelos temíveis soviéticos.

    O argumento, que começa com um potencial absurdo, aos poucos se mostra pueril e maniqueísta, resultando em uma trama política boba, que somente reproduz a paranoia comum da época. O aspecto paupérrimo é pontuado por uma vergonhosa cena, em que Sinatra se presta a lutar karatê, enquanto está sem o controle de suas próprias faculdades mentais.

    Além do comprometimento ideológico bobo, o suspense dentro do filme é bem estabelecido. As ações em que os ex-agentes estão controlados por seus antigos inimigos são executadas de modo frio, sem trilha ou qualquer outro som que não seja os de passos, tiros e das quedas dos corpos. Nas cenas em que Shaw está “possuído” o silêncio predomina, utilizando o som como elemento narrativo do domínio escuso que ocorre com a mente do homem valoroso.

    A definição do longa é igualmente assustadora, em especial para as plateias mais incautas e paranoicas, já que os atos condenáveis ocorrem em demasia, em um local público, pervertendo a figura do herói paladino, tornando-o o arquétipo literal da sombra e revertendo as expectativas de proteção e predação por parte dos servidores da nação. Sob o Domínio do Mal sobrevive aos problemáticos eventos piegas, mantendo alta a tensão que pontua os momentos finais, tencionando produzir na mente de seu público uma reflexão sobre a postura agressiva em relação ao globo e às graves consequências resultantes no elo mais fraco da corrente.

  • Crítica | O Esgrimista

    Crítica | O Esgrimista

    Baseado em uma história real, O Esgrimista tem feito sucesso por onde passa, se tornando o filme estoniano (co-produzido pela Finlândia e Alemanha) de maior sucesso.

    Fugindo do serviço secreto soviético de Leningrado, o esgrimista estoniano Endel Nelis volta ao país e se esconde em uma escola de ensino básico, onde começa a dar aula de educação física. Ao ensinar esgrima para os jovens, ele começa a lhes dar alguma esperança.

    O roteiro da finlandesa Anna Heinämaa preferiu usar uma narrativa épica, além de copiar a estrutura de filmes comerciais onde o embate entre um revolucionário (o professor) enfrenta o conservador (o coordenador da escola). O roteiro só não fica pobre em originalidade por causa dos personagens infantis (e do contraste entre idade com o professor), além do universo do treinamento e competição da esgrima, um esporte que poucos conhecem.

    Retratada como um esporte de pouco interesse para o regime, a esgrima, além de não ser considerada educativa para crianças, era perigosa. Além disso, ela também era vista como um esporte medieval, fazendo uma alusão ao passado comunista e soviético da Estônia.

    Para reforçar esta visão obtusa, a ambientação em uma cidade distante e quase abandonada, onde seus habitantes são regidos por um excesso de burocracia dentro de uma ditadura, foi pontual. O roteiro mostra claramente que havia mais divisão do que igualdade naquele microcosmo da sociedade soviética.

    No entanto, a grande força do roteiro reside no protagonista. Endel é um personagem denso não somente pelo passado obscuro que ele reluta em nos revelar, mas também pela dúvida que carrega entre fugir do passado ou criar uma nova vida ajudando as crianças daquela escola. E a virada mais interessante do roteiro está no fato de que é justamente a vida nova, as crianças, que o ajuda a enfrentar o passado de que ele tanto foge em Leningrado. É a mensagem do roteiro de que, para se poder viver plenamente o presente e se programar para o futuro, é preciso se estabelecer com o passado.

    A direção do também finlandês Klaus Härö consegue melhorar o roteiro dentro da sua proposta melodramática. O seu domínio de narrativa consegue ambientar bem o espectador desde o início e se sobressai nas cenas de intimidade entre o protagonista e a professora, em especial nas cenas em que ele ensina a ela a esgrima, também durante as aulas com as crianças, e na sequência final que, apesar de clichê, manteve a proposta épica. A direção de atores mantém as caricaturas, deixando o filme uniforme.

    A atuação não teve nenhum grande destaque fora o protagonista, interpretado por Märt Avandi. Ele fez o que lhe pediram, porém poderia ter dado maior expressão facial nas cenas com maior peso dramáticio, ter passado a angústia que o seu personagem sentia dentro da narrativa.

    A fotografia de época de Tuomo Hutri teve pouca saturação nos tons de marrom e amarelo. Ela se torna interessante na estação de trem: o excesso de fumaça vira a metáfora para o místico, o desconhecido, o medo que gera as mudanças nas nossas vidas. A luz branca na sequência final das lutas representa o sonho que foi para as crianças chegarem até ali.

    O filme tem um bom ritmo, a edição de Ueli Christen e Tambet Tasuja é invisível. A construção épica na sequência final da luta trouxe clichês à tona, foi aqui onde a edição mais trabalhou.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Ressurreição

    Crítica | Ressurreição

    Ressurreição 1

    Perto do período pascoal, há a comum rotina de exibir filmes bíblicos, baseados quase sempre na história de Jesus. A abordagem de Ressurreição se baseia no clichê de contar uma história na visão de um possível inimigo, focando no tribuno Clavius (Joseph Fiennes), um homem talhado para a guerra e que já no início do filme lidera o seu batalhão, em cenas de combate que fazem menção à formação de escudo semelhante ao casco de tartarugas, cujo visual fica no meio termo entre Gladiador de Ridley Scott e Roma de Bruno Heller.

    Clavius é subordinado a Pôncio Pilatos (Peter Firth), o homem que na Bíblia sentenciou o Cristo à morte, e que neste se mostra um personagem maniqueísta e até um pouco vilanesco. Na crucificação de Yeshua – nome hebraico de Jesus – o centurião percebe no semblante do moribundo uma lágrima de sangue, fator que faz perturbar o sono e a psiquê do personagem principal.

    É curioso como o roteiro de Paul Aiello funciona, mostrando os doutores da lei transitando livremente entre os romanos e exigindo das autoridades que selem a câmara funerária, para evitar a possibilidade de boatos a respeito do retorno à vida profetizado pela pseudo figura messiânica. Apesar de não ser um artifício inédito, as pequenas mudanças fazem todo o drama ser um pouco mais congruente, ainda que não torne o argumento comparável a filmes mais sérios.

    A direção de Kevin Reynolds faz um bom resgate de época, como em seu O Conde de Monte Cristo e Robin Hood: O Princípe dos Ladrões. Em comum com seus longas antigos, há também um aproveitamento razoável dos atores, em especial Fiennes e Stweart Scudamore (que faz Simão, chamado o Pedro). Já a versão do Messias que Cliff Curtis faz soa genérica, uma vez que pouco se exige de suas ações, tendo um desfecho igualmente bobo.

    A qualidade de Ressurreição é muito superior ao que ocorre no recente exploitation de filmes cristãos, que teve até seu expoente nacional no Os Dez Mandamentos da Record. O grande orçamento e a preocupação dos produtores fazem com que o longa supere também o recente seriado The Bible, principalmente em níveis dramatúrgicos, o que não salvaguarda o produto final de estereótipos fracos, frases de efeito que resumem o que as câmeras registram, e efeitos especiais ruins.

    A exploração do personagem Clavius talvez seria mais inteligente caso seu personagem não fosse devoto de Marte, o que já demonstra uma predisposição para credulidade, antes mesmo de seu trabalho detetivesco, fuçando através do que deveriam ter vigiado a tumba de Yeshua. É curioso como o oficial toma como verdade o depoimento de alistados que têm no álcool a única saída lógica para indagações sem respostas, fator esse que resume a fragilidade da sua motivação e da mensagem conciliatória ao final, que, ao menos, não faz apelo evangelístico nenhum ao seu espectador.