Wong Kar Wai, originário de Hong Kong, já foi definido algumas vezes como o Pedro Almodóvar chinês e essa associação faz sentido: um cinema de cores saturadas, beirando o kitsch, trilha sonora carregada e principalmente o foco em personagens reféns de seus desejos.
Amor à Flor da Pele fala da sutil relação entre Su Li-Zhen (Maggie Cheung) e Chow Mo-Wan (Tony Leung, ator que protagoniza quase totos os filmes de Wong Kar Wai). Os dois são vizinhos em uma espécie de pensão na Shangai dos anos 1960 quando descobrem que o marido dela fugiu com a mulher dele. A partir daí entre um certo desejo de vingança e uma atração desafiada pela moral de ambos os personagens constroem uma relação que se estende por anos e que será minunciosamente analisada pelo diretor. Talvez o título em inglês do filme, “In the Mood for Love” deixe mais claro que não se trata de um filme sobre amor, é na verdade um filme sobre desejo.
Wan deseja Su Li-Zehn (ou Sra. Chan como é chamada pelos outros habitantes da pensão) desde a primeira vez que a vê e esse desejo escancara-se cada vez que ele a vê caminhando de costas, de vestido justo e andar rebolado, pela escada da pensão. Com a descoberta da traição os dois acabam se aproximando, ele quer escrever uma série de artes marciais para o jornal, ela sugere ajuda-lo, mas a consciência dos olhares inquisidores dos vizinhos e da degradação que significaria mais um adultério impede que qualquer coisa aconteça.
Os atores mal se tocam durante todo o filme, mas a câmera desveste Maggie Cheung a cada plano. A fotografia é toda avermelhada, quente. Os cenários são vulgares, o quarto alugado por Chow lembra muito o que poderia ser encontrado em um bordel. E a trilha sonora repete insistentemente “Quiçás, quiçás, quiçás”.
Wong Kar Wai é um aficcionado confesso pela Argentina e o tango (um de seus filmes ,”Felizes Juntos”, se passa justamente em La Boca, onde nasceu o tanto argentino) e ele constrói “Amor a Flor da Pele” exatamente como uma dança: a cada momento um dos personagens se aproxima, enquanto o outro se afasta e esse desencontro vem carregado de uma vontade que nunca se realiza, dançarinos não são amantes.
Pouco acontece além da relação entre os personagens, que cresce e se complica, até que se afastam, mas o jogo entre imagem, música e atuações torna o filme um exemplo brilhante da linguagem cinematográfica. Wong Kar Wai fala sobre amor, obsessão e desejo com nenhuma nudez, pouca fala e ainda menos toque, ele usa apenas cinema.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.