O bucólico mundo da aldeia interiorana de Úmbria é muito bem flagrada pelas câmeras de Alice Rohrwacher. Com o raiar do sol, Gelsomina (Maria Alexandra Lungu) acorda seu pai, Wolfgang (Sam Louwyck), para cuidar da chácara e do serviço de apicultor. Após também despertar suas irmãs, a menina anda pela propriedade, até achar uma movimentação estranha, próxima dos rochedos onde corre uma cachoeira. Em meio ao brilho do sol, ela nota uma figura igualmente iluminada, olhando meramente para cada passo da artista que protagoniza a gravação de um programa de TV. Milly Catena (Monica Belluci) é o resumo de tudo o que Gelsomina e suas irmãs jamais serão, uma cidadã do mundo, livre para viver exatamente o que quer.
A rigidez da criação que seu pai impõe faz o quarteto de filhas gastar cada minuto nos outros cuidados típicos da fazenda, como o cultivo de leguminosas, flores e frutos. O comportamento assemelha-se demais a um regime escravo, remetendo ao conceitos do clássico dos irmãos Taviani, Pai Patrão, no qual a figura patriarcal é dona de qualquer direito e esforço de seus rebentos, utilizando-se deles ao seu bel prazer.
A proximidade entre as locações das gravações e o sítio faz a menina protagonista enxergar no show um oásis, uma ilha paradisíaca se comparada à morada desértica em que vive, concentrando no local possivelmente a única fonte de tranquilidade, alento e alívio de sua árdua existência. No entanto, o roteiro faz questão de mostrar todo o esforço que Wolfgang faz para manter as contas em dia e a rotina de sua família em ordem, assemelhando demais à estrutura familiar e a opressão entre pai e filho do recente Árvore da Vida, mostrando que a a rigidez de caráter não esconde a preocupação entre os iguais.
É curioso notar toda a contemplação presente na película, com cortes secos que resultam em imediatos entreveros e conflitos existenciais, seguidos de qualquer introdução mínima, como se aspectos tão distintos tivessem habitação harmônica dentro do universo contido na ilha/aldeia, algo previsto na calmaria do trabalho braçal, seguindo o tratamento aos insetos capazes de matar um homem adulto.
As semelhanças narrativas com o recente fenômeno pernambucano O Som ao Redor são muitas, especialmente por flagrar o ócio e observar a falta de movimentação da rotina, ainda que o escopo de As Maravilhas não esteja voltado para o urbano, e sim para o cidadão interiorano. Em determinados momentos, a obra serve de entretenimento ao cidadão cosmopolita, um motivo de deboche e riso, semelhante à chacota feita com arquétipos como os de Jeca Tatu de Monteiro Lobato.
A exibição dos herdeiros de Wolfgang tenta compensar a vergonha do homem em estar no palco, mas o número perigoso, envolvendo as abelhas que provêm o sustento do clãs, não serve para nada, além de fomentar o quão grotescas e pitorescas são as pessoas que habitam o picadeiro, diante dos olhos dos civilizados espectadores. O final da fita remete à mesma escuridão presente no começo do filme, que antes anunciava a chegada dos integrantes do programa e que no fim despede as pessoas da aldeia daquela rotina com potencial de glamourização. Mesmo sem o brilho dos holofotes e sem as condições mínimas de conforto, é possível desejar a felicidade encontrada no alento por dias melhores, ao mesmo tempo não descarta a desesperança como modo de vida.