Coprodução luso-brasileira, de João Salaviza e Renée Nader Messora, A Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos é um filme que incursiona em uma aldeia indígena para contar uma história ficcional e focada em um dos homens presentes naquela comunidade, de nome Ihjac Krahô. Ele é casado com Kôtô Krahô, e tem um pequeno filho, e no começo da trama ele está preparando ritos do funeral de seu pai.
O início do longa é bastante contemplativo, se valendo das paisagens naturais, belíssimas em essência, e de algumas lendas locais. Nesse ponto há uma extensão um bocado desnecessária da rotina dos personagens, a obra soa gordurosa e arrastada, mas logo o ritmo melhora.
Ainda nessa primeira parte, há relatos denunciativos da tentativa de interferência do homem branco – aliás, esse termo é utilizado a exaustão durante a exibição, para dar uma sensação real de disputa de classes e castas – onde um dos aldeões afirma que um candidato tentou subornar os índios, oferecendo 10 reais pra cada um votar nele. Ao ter a proposta recusada, movido pela raiva, ele baleou a placa da aldeia, deixando-a furada, no que ele considerou uma revanche justa, simplesmente pelos cidadãos não terem aceito a oferta ofensiva e barata de venda de voto que segundo a “lei dos brancos” é crime.
Ihjac tem um nome civil nas áreas urbanas, onde ele deixa de falar sua língua nativa para falar português brasileiro. Sua alcunha é Henrique e aparentemente, quando ele é chamado desse jeito, muda completamente sua postura, passa a ter receios e medos ligados a religião que segue. Ele tem receio de uma maldição que viria de uma arara, e medo também de ter características de pajé, que pode ser lido dentro da realidade religiosa conhecida na maior parte do ocidente como uma propensão talvez à mediunidade.
O filme não se preocupa em dar nada mastigado ao público, as conclusões ocorrem de acordo com o repertório de quem vê, evidentemente tendo uma pequena linha de julgamento. Nessa segunda parte a trama fica mais fluida e mais elementos são apresentados na discussão proposta pelo longa. A fuga da aldeia feita por Henrique é exemplo de um sentimento universal e típico da ocidentalidade, que normalmente não encara seus problemas. Henrique nega sua origens, se tornando igual ao homem branco.
A negação de seu nome original e o assumir da alcunha branca serve como um símbolo das diferenças entre os dois mundos que Ihjac habitou. A vontade de não retornar, a tal maldição, o diagnóstico de hipocondríaco, tudo coopera para a atmosfera falsa criada no seu entorno. Tudo isso resume a tentativa de fuga de sua própria identidade.