Informando no início do filme que os fatos narrados são reais, com nomes de pessoas trocados a fim de proteger suas identidades, como é comum em grande parte dos filmes de horror estrangeiros, o longa-metragem de Renato Siqueira, lançado em formato VOD (video on demand), conta a história dos contos do padre Lucas Vidal (Manoel Lima), que guarda seus esforços atuais em narrar a própria vida por meio de textos literários.
As primeiras cenas mostram o padre, ainda jovem, praticando os rituais de expulsão de demônios, para logo depois retornar ao presente, quando o homem velho é abordado por dois pretensos cineastas, que buscam nas histórias de possessão um mote para um pequeno filme que desejam executar.
Ao adentrar as próprias memórias, Lucas lembra de sua infância, vivida pelo ator mirim Vynni Takahashi, com uma estranha relação com seu pai, Marcos (Edson Rocha), misturando influências óbvias como mentor, além de ser a primeira das aparições demoníacas com as quais o sujeito tem contato. Já nos primeiros 15 minutos da obra, nota-se uma dificuldade em retratar uma época anterior, já que os trajes e cenários não se diferenciam em nada do presente da trama. A desculpa para tais aparências talvez habite na dramatização que os tais fillmakers fariam com a biografia de Vidal, servindo de argumento metalinguístico, mas no produto final nota-se que isso não ocorre.
Neste início, os acontecimentos graves que ocorrem perdem um pouco de importância, graças à falta de naturalidade das atuações dos personagens ainda neste período. Contudo, o rapaz decide enfim seguir os rumos do sacerdócio, após perder seu pai de maneira traumática, passando a ser interpretado por Siqueira, que retém em si as melhores cenas e as interações mais fluídas do argumento.
Todo o entorno da vida do Padre Lucas é repleto de mistérios, desde a juventude, quando foi abordado por uma velha senhora que profetizaria sua proximidade com o demônio, até o curso de seu sacerdócio. Pedro Biaggion (Luiz Marigo), expert em exorcismo, vai até a cidade do jovem para ordená-lo no ofício da expulsão de demônios, como já era previsto em passagens bíblicas.
Na transmutação dos tomados pelo mal, há um esmero por parte da produção em realizar efeitos especiais bem feitos, um acerto na maioria das tentativas. No entanto, os enquadramentos são normativos, semelhantes aos tantos produtos nacionais televisivos, fugindo de uma estética cinematográfica parecendo mais com um episódio de minissérie religiosa do que com uma fita planejada para passar no grande ecrã.
Grandes partes da trama perdem sentido por não tomar a atenção do espectador e impedir de fazê-lo se importar com o que ocorre em tela. Nas novelas da televisão, há um longo período para estabelecer certa profundidade de cada personagem, mas em um filme de pouco mais de 100 minutos é preciso uma abordagem mais incisiva, e isso demora a ocorrer. A morte dos personagens não causa gravidade, por ser, na maioria dos casos, bastante genérica.
O quadro muda ligeiramente após o segundo terço do filme, referenciando de maneira inteligente algumas questões realmente discutidas em crédulos no ritual, como a maldição hereditária incluindo o acompanhamento do espirito maléfico entre uma geração e outra, atacando dessa vez a irmã de Lucas, Paula (Cibelle Marin). Apesar de clichê de gênero, as sequências envolvendo os Vidal garantem as cenas em que Siqueira e seu elenco melhor agem, nos atos extremos, aproximando o espectador dos medos não só de Lucas, mas também do outro irmão Biaggio, Thomas (Fabio Tomasini), que acompanha o eclesiástico ainda iniciante.
Diário de Um Exorcista – Zero é bem menos errático que seus primos Metanoia, que também tem uma temática cristã, e O Amuleto, terror lançado ano passado no circuito brasileiro. Parecem faltar grandes lacunas de história, que talvez seriam preenchidas nos lançamentos dos próximos capítulos da franquia, intitulados Gênese do Mal, Possuídos e Apocalipse, todos também baseados nos relatos do livro de Luciano Milici e do próprio Siqueira ao menos quanto às relações pessoais dos personagens.
De positivo, há o cuidado em retratar os ritos comuns religiosos, que evocam este tipo de culto, como o engano, previsto nas escrituras da religião cristã, por parte do inimigo das almas. Além disso, aprofunda o conceito de que o nome do espírito maligno é a chave para vencê-lo, aspecto presente inclusive em produções milionárias, como Invocação do Mal 2.
Siqueira somou à obra múltiplas funções, desde roteiro e direção até a montagem e criação de efeitos visuais, estes últimos sendo o aspecto mais positivo em comparação com as produções de filmes brasileiros. No entanto, mesmo em se tratando de um esforço de poucos, salvo a inexperiência de seu realizador, ainda há muito o que amadurecer no proceder do cineasta, esperando-se que, ao menos nos episódios de cinema, haja uma sobriedade mais predominante em tela.