A vida imita a arte, e arte é um reflexo da vida olhada através de vidros curvados e obturadores, pincéis e acordes. É muito fácil encontrar em peças de arte tão abrangentes quanto o cinema um tanto de nossa vida. Mas talvez o diretor já experiente Paul Vecchiali desconfiasse deste poder e buscasse falar a todos os amores ao mesmo tempo, sempre de uma forma severamente cínica e desconfiada da instituição do Amor, e lançando luz sobre a ideia de que, embora seja um símbolo ao qual todos queiram se apegar, este símbolo mostra-se como uma espécie de espectro debochado ou como uma barata, que foge cada vez que acendemos a luz, e quando foge deixa o sentimento de constrangimento.
O amor é aqui uma desculpa para derramar sangue, trair expectativas e atuar como raiz e fruto da descompensação sentimental. Pessoas que não amam o que fazem, jovens héteros que não compreendem o amor, velhos gays que se amaram demais de forma platônica e hoje não sabem como lidar um com o outro.
A palavra-chave para o verborrágico filme É o Amor é dissonância. Logo na primeira cena vemos um monólogo patriarcal sobre o comportamento da sociedade em torno do que fazemos entre quatro paredes. Em seguida uma discussão banal entre um casal de uma pequena cidade no interior francês, inicialmente com o enquadramento no marido que chegou tarde e tenta dissuadir a esposa em sua chateação de estar sentindo-se sozinha. Ela argumenta que ele que a convenceu para sair do emprego que gostava e onde tinha amigas. Sua argumentação tem pouco efeito no marido, e por consequência pouco efeito em nós. Os efeitos sonoros diegéticos de pratos e garfos tilintando sem que os vemos nos faz pensar nos movimentos da esposa. A imagem que vem, ainda sem sabermos como é seu rosto, é de uma típica megera. Em seguida, o mesmo diálogo, mas com o enquadramento ancorado na esposa. Vemos então que sua fala não é amarga, é solitária e triste, e que quando ri o faz como estratagema para aceitação de uma condição de deslocamento. O tilintar dos pratos e garfos em uma casa minúscula mostra uma pessoa que se esforça para fazer muito com pouco e fazer o dia ancorado naquela casa algo um pouco menos monótono. Ela quer trair o marido. Ele acha absurdo. Ela acha mentira. Ele diz que a ama. Ela quer que ele sinta mais do que diz.
O mesmo recurso é usado posteriormente e demonstra a tese defendida de que, quando não se enxerga o outro, a palavra e os afagos se dissolvem no ar. Com um dos personagens centrais sendo um ator insatisfeito com sua carreira e monólogos bastante expositivos, a impressão é que se está vendo uma peça teatral, inclusive pela forma propositalmente desleixada que a trilha sonora é inserida misturando aquilo que os personagens ouvem com o que não deveriam ouvir. É o Amor defende que a tristeza do amor é que ele é, justamente, como no teatro e cinema, apenas uma farsa ensaiada.
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Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.