A narração em off que abre o filme extingue qualquer referência ao filósofo Friedrich Nietzsche. Afinal, não é ele o tema da obra. A última frase, mencionando a falta de informações sobre o cavalo, é exemplo. O Cavalo de Turim descreve – mais em imagens que em diálogos – o cotidiano do animal, de seu dono e de uma moça que, passados quase 30 minutos de filme, ficamos sabendo que é filha do camponês.
A obra mostra o cotidiano extremamente miserável, austero e cheio de privações dos personagens. Todos os dias pela manhã, a filha se levanta, veste-se, vai ao poço, volta com dois baldes de água, cozinha duas batatas que pai e filha comem usando as mãos, alimentam o cavalo, limpam o estábulo, voltam para casa. E isso se repete por todos os seis dias retratados na tela, indicados por letreiros brancos num fundo preto – “Primeiro dia”, “Segundo dia”, e assim por diante.
A fotografia é excepcional: a filmagem em preto e branco enfatiza a austeridade da vida dos personagens. Mas mesmo assim, as imagens são belíssimas. Cada fotograma poderia, sem esforço, ser “transformado” numa foto de qualidade acima da média. É, literalmente, fotografia em movimento. A trilha sonora, quase imperceptível e praticamente encoberta pelo som da ventania contínua, reafirma o cotidiano repetitivo dos personagens.
Por filmar as mesmas ações repetidas vezes, o diretor consegue a cada dia mostrar algum detalhe a mais, um pouco mais de cada personagem e do ambiente em que vivem. Mesmo que tudo seja sempre igual – inclusive o clima inóspito e o vento incessante -, fatos externos à vida deles acabam afetando sua rotina. Desde a ida inesperada do vizinho – com seu discurso quase apocalíptico -, à sua casa, passando pela “visita” dos ciganos, o poço que seca, mas principalmente a debilitação do cavalo – que parece entregar-se à morte. E, aparentemente, sem outra possibilidade, a vida em torno deles é arruinada, sem que nenhuma ação contrária seja tomada.
Justamente a falta de qualquer ação que permite ao diretor seu exercício de estilo. Há sim, uma razão para os planos extremamente longos e silenciosos. O próprio Tarr declarou que “não acredita nas palavras, e sim nas imagens, já que trabalha com cinema”. O filme é, em essência, sobre a imagem. Um puro exercício de cinema.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.