Ao começar O Ditador com a dedicatória “À memória do querido de Kim Jong-il”, Sacha Baron Cohen mostra novamente a que veio. Dessa vez ele deixa de lado as situações pseudo-reais dos anteriores, Brüno e Borat, mas novamente coloca um estrangeiro nos EUA fazendo piadas machistas, escatológicas e politicamente incorretas com o objetivo de fazer graça da nossa sociedade, modo de vida, governo e hipocrisia com alguma crítica social entre uma piada e outra.
Sacha Baron Cohen interpreta o líder supremo, Aladeen, da república de Wadiya – nome que em português ficou ainda melhor. Somos introduzidos às excentricidades de seu general, como reduzir o dicionário de Wadiya e introduzir vários significados para a palavra Aladeen (uma referência clara a 1984 e à novilíngua), trazendo uma piada instantânea, com um médico dizendo que a um paciente que ele é HIV-Aladeen, e este em dúvida se chora ou se ri. Além disso, carros folheados a ouro, jardins esculpidos com a face do líder e um próprio discurso em que o general não consegue conter a risada ao dizer que seu programa nuclear será usado apenas para fins pacíficos e medicinais.
Dirigido por Larry Charles, o filme tem roteiro do próprio Sacha Baron Cohen, além de Alec Berg, David Mandel e Jeff Schaffer. A maior parte do filme se passa nos EUA, onde Aladeen pretende discusar para a ONU, “colocando-os em seu lugar”, mas acaba caindo em uma conspiração para tirá-lo do poder, organizada por seu tio e conselheiro, Tamir (Ben Kingsley). Este o entrega para um agente americano interpretado por John C. Reilly (que não é creditado no filme), e ambos protagonizam uma cena hilária na qual, além de cortar a “barba sagrada” do opressor supremo, passam por uma discussão sobre os equipamentos de tortura ultrapassados do agente.
A partir daí, Aladeen é obrigado a se passar por um qualquer, já que não é reconhecido sem sua barba, e é quando conhece Zoey (Anna Farris): uma ativista vegetariana, feminista e completo oposto do ditador, mas que o completará e, mesmo sem saber, o ajudará a retomar o poder. Além disso, ela e sua loja de produtos orgânicos são o estopim de uma quantidade imensa de piadas machistas e politicamente incorretas, que atingem em cheio defensores de ecologia, feministas, entre outros grupos. E tudo isso funciona, muito por todos esses estereótipos e o sarro tirado serem em função do próprio humor e uma crítica aos seus exageros, e não apenas por agressão banal a um grupo determinado.
Além de Zoey, outro personagem importante é Omar (Sayed Badreya), um físico nuclear exilado de Wadyia que, nos EUA, trabalha como Apple Genius. Juntos eles farão planos mirabolantes para que o ditador volte ao poder, e assim ele terminará seu projeto nuclear “pacífico”.
O roteiro tem seus problemas, seus furos, não é original – afinal, a mesma estrutura do estrangeiro deslocado já foi usada tanto em Borat quanto Brüno -, mas é aceitável, tanto pelo nonsense do que vemos na tela como por ele cumprir exatamente o que se propõe: fazer o espectador rir, por mais escabrosa que seja a situação representada.
Outro ponto positivo para O Ditador é a trilha sonora com várias músicas de sucesso regravadas em arábe, como Everybody Hurts, do R.E.M., ou The Next Episode. As versões muito bem inseridas no filme já são motivo de riso imediato.
O Ditador finaliza, então, com aquela figura infantil, mimada pelo poder e completamente deslocada da nossa própria realidade, que é Aladeen, fazendo um discurso contra a democracia e a favor de sua ditadura, usando argumentos que são justamente a realidade que vivemos em nossas democracias modernas: 1% do povo com toda a riqueza, a mídia manipuladora e controlada por apenas uma pessoa e suas famílias, entre outras. A cena me parece uma homenagem ao estilo Sacha ou até mesmo uma antítese do clássico de Charles Chaplin, O Grande Ditador, de 1940, que nos levanta o questionamento: mesmo tantos anos depois, talvez os nossos problemas continuem sendo os mesmos, apenas com outras figuras e uma nova roupagem.
Não espere, é claro, o filme mais engajado e político dos últimos tempos. Ele é apenas uma comédia com um bônus bem-vindo que é sua crítica social, e que muitas vezes espera que o próprio espectador se sinta culpado por achar aquilo tão engraçado. Vale lembrar que Sacha é judeu e algumas das melhores piadas do filme são justamente anti-semitas.