Uma década desde o fim azedo da Guerra do Vietnã, e a derrota difícil de engolir que se sucedeu aos Estados Unidos, a máquina de publicidade sobre o papel de “salvador da Terra” que o país queria passar, a todo custo, não podia parar. Em 79, Apocalypse Now estava ocupado demais simbolizando de forma única e megalomaníaca o caos e o amargo dessa guerra, e não perdeu muito tempo endeusando a bandeira azul e vermelha. Era preciso um produto mais controlado, moldado sob medida para ganhar o Oscar, e reforçar nacional e internacionalmente que eles sempre estão dispostos a levar a paz a todos os hemisférios, mesmo que tudo voe pelos ares no meio do caminho.
Platoon foi o veículo perfeito para transmitir nos anos 80 essa mensagem do pós-guerra, e hoje, mesmo com essa alcunha de clássico que o filme ganhou, é impossível não perceber sua importância histórica e patriótica para com os explícitos interesses políticos que habitam o violento filme de Oliver Stone, repleto de clichês e exageros que ostenta ávido por tudo o que garante uma adoração soberba aos EUA, da plateia. Platoon é vulgarmente panfletário até não poder mais, e tem nos momentos de drama, e na boa direção de atores que Stone (quase) sempre consegue nos seus filmes uma maquiagem cênica e uma romantização cafona da guerra para esconder os seus verdadeiros fins de propaganda.
Em 1967, uma divisão de infantaria expedicionária chega ao Vietnã, bem na fronteira com o Camboja. Armados até os dentes, os infantes americanos logo percebem que nas profundas florestas chuvosas do país, formigas pretas venenosas são o menor dos perigos. Em meio a emboscadas e perdas que não demoram a acontecer, o jovem recruta Chris Taylor passa a sofrer uma crise moral ao trilhar, na prática, toda a desumanidade em que consiste um conflito desses. Ao queimarem uma vila por buscarem retaliação pela morte de um deles, a barbárie é liderada pelo furioso sargento Bob Barnes, e quase explode em uma matança absoluta se não fosse pelo sargento Elias, ciente de que todos ali são seres humanos, incluindo idosos, crianças e animais.
Nesse embate de temperamentos e valores éticos já beirando a loucura, o roteiro super esquemático de Platoon deixa claro que, por pior que seja o horror de um confronto militar entre os seus aliados ou diante de seus adversários, a nobreza do povo estadunidense não os deixa sucumbir. Tal uma águia no fundo do mar, a ave consegue se elevar independente de suas injúrias. Não importa quanto sangue tenham nas mãos: os soldados americanos merecem o paraíso, e na visão de Stone esse merecimento está na tentativa suicida de guerrear em solo inimigo, e só isso já basta. Claro que certos personagens são elementos óbvios para gerar empatia universal e ressaltar o lado nobre da nação McDonalds, mas isso fica difícil quando a imagem mais marcante de Platoon não é a de Willem Dafoe abrindo os braços antes de morrer, e sim de Tom Berenguer enterrando um revólver na cabeça de uma criança vietnamita.
A democracia será garantia, nem que seja na marra. É o american way of life de diplomacia selvagem. Platoon contém atuações brilhantes, não apenas de Dafoe e Berenguer, num filme que Charlie Sheen entrega o melhor trabalho de sua carreira – os que estão acostumados a ver Sheen “preso” na série Dois Homens e Meio irão se impressionar com o grau de emoção e desespero que o soldado transmite, não apenas nas cenas explosivas de batalha na mata fechada. Stone tem o talento de extrair o melhor de seus atores quando realmente quer, e Platoon é o melhor exemplo disso junto de Nascido em Quatro de Julho. Um filme bruto afinal, mas que usa das suas imagens e sons chocantes como máscara sensorial para promover o puxa-saquismo estadunidense. Sinceramente, sobra pouca coisa além disso.