Na mais rasa das investigações acerca do cinema, a identificação ainda aparece como força motora de nosso engajamento. Aos 20 minutos de We The Animals eu já sabia que esse seria um texto diferente para mim, talvez seja assim para muita gente que se proponha a escrever sobre ele. O filme trata da infância de uma maneira que se dificilmente você não se identifica, pelo menos te toca, sutilmente, no espaço do peito que escondemos a inocência já perdida de ser criança, o diretor Jeremiah Zagar não constrói um filme de respostas ou decisões fáceis, ele entende que a questão aqui é experimentar e observar mesmo que tudo seja novo e estranho.
Pelos olhos do filho menor de um conturbado casal, acompanhamos três irmãos de idades muito próximas que precisam lidar com amadurecimentos súbitos e as constantes brigas entre seus pais. Em meio a agressões, fugas, brincadeiras e descobertas sexuais, o pequeno Jonah (Evan Rosado) compartilha seus pensamentos mais íntimos e puros.
O personagem de Rosado nos permite ter acesso a um espectro da infância muito palpável, ele convive com uma mãe doente sem entender o que a faz estar mal e observa seus irmãos mais velhos crescerem sem compreender muito bem o que é isso. Constantemente ele é lembrado que sua pele é mais escura do que a de algumas pessoas e que tem gente igual a ele, mas Jonah não sabe o que isso significa. Seu colega, um rapaz mais velho, desperta faíscas estranhas que ele também não conhece. E ser criança não acaba sendo estar em um mundo á parte? As respostas não são claras e as informações são nebulosas enquanto as cores vibram, vibram até nos mais rabiscados dos desenhos.
O menino foge do mundo real enquanto rabisca o que tá dentro da tua cabeça, e assumindo que estamos tendo a perspectiva de seu mundo, a cinematografia de We The Animals acerta muito pela forma, as luzes sempre remetem a sonhos presos entre a realidade e a uma fantasia muito particular. E mesmo que o filme possa parecer estilo por estilo, Zagar nunca deixa a narrativa cair nesse espaço do gratuito, porque o elenco é dirigido com naturalidade e muita verdade, os diálogos e os planos são desmembrados suavemente para dar ao longa uma aura quase documental.
É um texto diferente porque acredito que o longa, particularmente, atinja cada pessoa das mais variadas profundidades, nas sutilezas me identifiquei com Jonah e me recordei da época que li O Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman, em uma cena específica a criança protagonista do livro testemunha uma cena que ela não compreende o que está acontecendo, mas sente que algo está errado, algo no ar a faz deduzir isso. Eu era um pouco mais velho do que a personagem do livro e já sabia o que aquela cena significava, e tudo dentro de mim era empatia. Zagar sabe o que está fazendo quando em um filme como esse, ele cria pontes de identificação tão poderosas que raiva e amor em uma família coexistem de forma convincente aos nossos olhos, e tudo que existe dentro da gente no fim do longa é empatia, porque nas diferentes relações isso acaba se comunicando com todos nós.
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Texto de autoria de Felipe Freitas.