Era 1996, chovia bagarai na cidade de São Paulo, e eu dentro do Monza vinho do meu pai. Eu só conseguia enxergar do lado de fora que meu pai discutia com um cara, pois crianças menores de 12 anos não poderiam entrar na feira. Alguns minutos depois, ele volta pro carro e fala, vamos, consegui.
Outros tempos. Meu pai passou um papo, ou uma nota de 20 pro cara da portaria me deixar entrar mesmo com nem 10 anos completos. Eu estava na Fenasoft. Acho que o prédio era o pavilhão da Bienal. Aquilo era um paraíso pra esse pequeno nerd viciado em videogames e computadores, desde que herdou aos 3 anos, um Atari 2600 que faz parte do patrimônio familiar, desde o início da década de 80.
Depois de visitas a alguns estandes, paramos na Brasoft, e paramos mesmo. O estande tinha alguns computadores rodando The Dig, Full Throttle e Star Wars: Rebel Assault II. Full Throttle eu já tinha, ganhei junto com meu primeiro computador, um poderoso “586”, com incríveis 32 MB de ram, um HD gigante de 1.2 GB e um kit multímidia da Creative.
No estande, a gente podia jogar alguns minutos. Eu nem quis jogar, só de ver a imagem absurdamente realística de um braço do ônibus espacial retirando uma carga, já descobri pra onde ia todo o dinheiro das mesadas de 5 dólares acumuladas. E o destino era The Dig.
Era tudo diferente, a começar pela capa do jogo, não era uma capinha como as de hoje, sem alma. Era uma capa pra valer, mais ou menos do tamanho de um caderno universitário, com uns 8 cm de altura. Toda brilhante, com texturas e alto relevo. Com uma espécie de contra capa com informações e um pequeno briefing das muitas horas de diversão que viria pela frente.
Mal saí do estande, eu já tinha aberto tudo e estava com o manual em mãos, manual não. Guia de sobrevivência em território alienígena digital. E foi assim que começou a minha história com esse jogo, que só foi terminar agora em 2011, 15 anos depois, quando descobri que havia um segundo final. E tive de comprar o Adventure Pack da Lucas Arts no Steam, afinal meu CD-ROM original há muito tempo foi perdido, e também não rodaria mais.
The Dig, é o 11º jogo a usar a engine SCUMM – Se você já jogou Monkey Island e não sabia disso, pode pegar seus miolos no teto – engine consagrada na era de ouro dos adventures, como Full Throttle, Monkey Island, Loom, Indiana Jones entre muitos outros. Então com isso, eu já me abstenho a falar mais qualquer coisa sobre a jogabilidade, já que ela é a mesma de quaisquer outro jogo do seu estilo.
Esse game ficou muito famoso na época, por vários motivos. A concepção do jogo é do Steven Spielberg, baseado em um episódio de Amazing Stories. E além disso, tal qual Duke Nukem Forevis, ele levou um tempo absurdo – 3 anos de produção – para ser concluído e todo mundo achava que já tinha se tornado um vaporware, eu me lembro dessa época em que as revistas de games, soltavam um rumor novo por semana, esse jogo foi lançado e cancelado várias vezes pelas revistas. Cabe uma observação, hoje 3 anos de produção é um tempo relativamente normal para um jogo bem elaborado, na época, era o equivalente ao tempo do nosso amigo Duke.
Mas vamos à história, você começa com uma missão simples, colocar algumas ogivas nucleares num meteoro que está em rota de colisão com a Terra, pra detonar tudo. São enviados para essa missão, o protagonista, comandante Boston Low, personagem que você controla, dublado pelo nosso querido T-1000. Robert Patrick. E esse é o único dublador que eu vou citar, porque o resto nunca ouvi falar.
Dr. Ludgen Brink, um arqueólogo e geólogo. Maggie Robins, a repórter mais famosa do mundo e uma especialista em linguística. Ken Border, o melhor piloto de ônibus espaciais. Cora Miller, experiente técnica da NASA e candidata ao congresso americano.
Chegando no meteoro chamado Attila, você, Dr. Brink e Maggie, vão para a missão de detonar as ogivas, assim que elas explodem, vocês descobrem que não era um meteoro e sim, uma nave alienígena.
Vocês então são transportados para um planeta desconhecido, e aí começa a brincadeira, os puzzles e a história, com direito a fantasmas, mortos-vivos, aliens, viagens bizarras no espaço tempo. E é claro que com isso também vem a frustração de muitas e muitas horas, literalmente parado, clicando em cada pixel de uma parede ou então rodando, sem saber o que fazer, até que o momento chega e você descobre o que era pra ser feito e vem um novo ciclo de rodar a porra toda atras de um novo objetivo. Essa talvez é minha maior crítica a esse jogo já que, alguns puzzles seguem a lógica, outros, são tentativa e erro, mas alguns, te deixam absolutamente perdido. Sem saber absolutamente nada do que deve ser feito. Definitivamente não é um jogo para o pessoal leite com pera de hoje em dia, que está acostumado a mamata dos jogos de puzzle atuais, como por exemplo LA Noire. Mas exageraram na dose, mesmo para aventureiros experientes.
Com relação aos gráficos, no contexto da época, fazendo uma comparação com Full Throttle, que é do ano anterior, The Dig tem um 3D pré-renderizado pior, animações menos elaboradas com um uso mais limitado de cores. Enfim, fiquei um pouco decepcionado, o que tinha na minha memória era melhor nesse quesito. Por outro lado, se você for jogar hoje em dia, vai achar os gráficos ruins de qualquer jeito, de qualquer jogo de 15 anos atras, então se isso te incomoda, melhor nem tentar.
Mas o ponto principal que faz com que The Dig, seja diferente da maioria dos adventures dessa época – o que pode ser bom ou ruim, dependendo do ponto de vista – principalmente quando falamos da Lucas Arts, é a sua temática. Nesse jogo as piadas costumeiras dão lugar a um clima tenso e enigmático. São raras as vezes no jogo em que rola uma piadinha. Além disso, os temas galhofas, com caveiras falantes e um macaco de 3 cabeças dão lugar a ficção cientifica mais séria. Inclusive esse foi, acredito eu, o único adventure com essa temática.
The Dig, como dito no título do post, foi a primeira coisa de sci-fi que fiz Contato, sacou o trocadilho, contato, aliens hã hã. Como eu tinha uma idade que realmente aceita qualquer coisa e acha bom. Joguei novamente com o espírito de, nada de ruim que eu veja aqui, irá tirar a boa impressão da minha memória. E realmente não tirou. Claro que o impacto não foi o mesmo, principalmente em relação a tensão. Ao contrário da primeira vez que joguei não tive medo de explorar alguma área mais sinistra do planeta. Só um leve receio e uma sensação de vai dar merda 😛
Alguns plot-twists são previsíveis, algumas forçadas de barra em função de um final feliz. O que é até aceitável, se considerarmos o público a quem se destinavam os jogos dessa época e o próprio cenário dos games. E também temos que considerar quem concebeu a história do jogo, provavelmente o Spielberg não faria um jogo pra família com um final que não fosse feliz.
E ainda sobre a história, principalmente a parte final da trama traz a tona alguns dilemas como morte, vida, ciência e a própria evolução, convocando o jogador para uma reflexão sobre esses temas. É claro que você não pode, nem deve, esperar a profundidade de um 2001. Mas só de um “joguinho”, como muitos gostam de chamar, trazer isso de bônus já é interessante.
Agora, fazendo uma analise geral, The Dig, com certeza tem seu espaço como um clássico da era de ouro dos Adventures, principalmente com todo o hype que o envolveu e a participação do Spielberg como escritor. Participação essa que talvez tenha sido, até hoje, a mais ilustre de Hollywood no mundo dos games. Então se você é fã de adventures point and click, como eu, e não tem necessidade masturbatória de gráficos de última geração, com certeza vale a pena gastar umas 12 horas, pra se aventurar com o comandante Boston Low.
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