Listas são inevitáveis (e divertidas). Quando os anos trocam de números, naturalmente observamos o passado analisando o que permaneceu nos extensos dias em que vivemos. Como muitos outros mercados, a literatura em 2020 sentiu o peso da pandemia mundial. Embora tenha atraído mais leitores, e promovido uma interessante ação das editoras brasileiras com diversos ebooks gratuitos, seu objeto físico encareceu.
Porém, ao contrario de outros mercado em que a velocidade destaca e afasta produtos rapidamente, livros são um produto sem data de expiração. Quando propus uma lista em conjunto sobre as melhores leituras de 2020, houve um consenso de que bons leitores não se atém apenas as novidades. Quase nunca, talvez. O melhores livros lidos devem ser do ano? Absolutamente não.
Assim, fizemos essa lista a dez mãos, leitoras, leitores e leituras que compartilham a paixão frenética da literatura e de seu debate.
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Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa – por Luíze Ribas (@amareliteraria / @litsemfrescura / @luizeribas)
Clássico da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas é aquele típico livro que só entendemos mesmo quando lemos e mergulhamos na narrativa belamente criada por Guimarães Rosa, que atravessa um sertão que é a cara – ou seria essência? – do Brasil. Paixão, violência, irmandade, vingança, amor, busca por justiça social, coragem: tudo isso embrenhado na história de Riobaldo, narrador-personagem e orador da melhor espécie. Sim, orador, pois o livro é escrito como se Riobaldo estivesse contando, oralmente, seus causos, reflexões e sua relação com Diadorim. Uma linguagem desafiadora até o momento que compreendemos que é uma conversa, e se formos bons ouvintes, participamos conjuntamente dessa travessia, sendo marcados para sempre por ela.
O Remorso de Baltazar Lampião, Valter Hugo Mãe – por May Moreschi (@may.book.s / @litsemfrescura /@may.moreschi)
O remorso de Baltazar Serapião é um livro inesperado. Li por indicação de uma amiga e me surpreendi com a escrita avassaladora e potente de Valter Hugo Mãe. Assim como descreveu José Saramago, este livro “é um tsunami”. Relato regionalista e cruel dos tempos medievais que vai te fazer questionar o realismo e crueldade humanos. Um retrato de uma época crua e selvagem me levam a pensar este livro como uma reflexão perversa do ser humano em todas as suas vertentes mais baixas e vis possíveis Te deixará sem fôlego e com certeza te fará questionar o sentido da palavra: esperança.
A Trégua, Mario Benedetti – por Thaíse Dias (@realidadeliteral / @litsemfrescura/ @thaise_dias)
Um livro escrito em forma de diário. O diário de Martin Santomé, um viúvo, pai de três filhos já adultos e prestes a completar 50 anos e conseguir a sua aposentadoria. Por meio do diário de um homem de classe média, Benedetti consegue demonstrar um lado da natureza humana com a qual a maioria, se não todos nós nos identificamos, e a trégua que lhe é concedida nos parece uma trégua também, e quando ela acaba nos vemos, assim como ele, perdidos e somos levados a questionar nossa própria existência. Simplesmente genial.
Educação Sentimental, Gustav Flaubert – por Thiago Augusto Corrêa
Baseado em experiências vividas pelo autor, Flaubert desejava compor a história moral dos homens de sua geração em A Educação Sentimental. Embora a narrativa se inicie a partir da paixão de jovem francês por uma mulher mais velha, a obra transita de maneira cínica pela sociedade da época destacada por um personagem central volúvel. Um romance de formação que atravessa as revoluções da França se valendo de um discurso indireto livre perfeitamente executado, demonstrando que que, não a toa, o autor foi chamado de o pai do realismo. Embora o excesso de descrições possa incomodar o veloz leitor contemporâneo, a ambientação é vital para a imersão narrativa.
Regresso a Casa, José Luís Peixoto – por Vera Pinheiro (@ogatoleitor7)
Intimidade, confissões, família, memória e pacificação: assim é o novo livro de poemas de José Luís Peixoto. Fala-nos das quatro paredes de uma casa – e de todas as suas recordações em tempo de pandemia. Evoca a solidão, o isolamento, as portas fechadas, mas também a solidariedade das recordações: a mãe, o pai, os aromas, a família, a aldeia, o amor. Há espaço para a recordação da infância como para a peregrinação pelo mundo inteiro, como um Ulisses em viagem perpétua, rodeado de objetos próximos e voltado para dentro, para o lugar onde se regressa sempre: a casa.
Cem Anos de Solidão, Gabriel Garcia Márquez – por Luíze Ribas (@amareliteraria / @litsemfrescura/ @luizeribas)
Colossal, envolvente, brilhante: muitas palavras podem descrever o impacto desta leitura. Um livro que diz tanto sobre nós, nosso ser, nosso âmago latino, nossa sociedade e sobre nossa íntima relação com o mágico e fantástico no dia a dia, assim como sobre as guerras perdidas, lutas travadas e sangue derramado na América Latina. Gabriel García Márquez, ou simplesmente Gabo, faz poesia com as palavras e, mestre do contar como ele, evoca imagens poderosas que nos proporcionam um pertencimento inacreditável. É como se também fizéssemos parte daquela família, os Buendía, e vivêssemos na mítica Macondo. Um livro para ler, reler e descobrir continuamente, num ciclo que não se encerra, só se renova, assim como sua história.
Pessoas Normais, Sally Rooney – por May Moreschi (@may.book.s / @litsemfrescura /@may.moreschi)
Pessoas Normais é um livro sobre, quem diria?, Pessoas normais! O relacionamento de Mariane e Connell não é uma história de amor… É uma história sobre amor. A insegurança, fraqueza, falta de comunicação, medos e incertezas permeiam a personalidade desses dois protagonistas que vão viver uma jornada de encontros e desencontros que poderiam ser a sua história contada em um livro. O que mais me emocionou foi a veracidade de tudo o que acontece na narrativa. Simplesmente fiel ao ser humano e aos relacionamentos um tanto conturbados pelas incertezas do amanhã e, principalmente, do outro. Lindo, fiel e real… Simplesmente.
Matadouro 5, Kurt Vonnegut – por Thaíse Dias (@realidadeliteral / @litsemfrescura/ @thaise_dias)
Uma história de ficção científica – ou não. Eu nunca li nada que retratasse a guerra de maneira tão real e criativa. Billy Pilgrim, o protagonista dessa trama, passa por situações surreais que servem apenas para nos mostrar que, apesar do que ele teima em dizer o tempo todo, não está tudo bem, e a guerra não é aquela coisa heroica que os filmes hollywoodianos teimam em pintar.
O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão, Andrew Solomon – Por Thiago Augusto Corrêa
Apesar de certas frases feitas que negam doenças aparentemente invisíveis, a depressão é um dos demônios modernos. Vivendo dentro desse pesadelo, o escritor Andrew Solomon discorre brilhantemente sobre o tema nesse livro de 2001 vencedor do National Book Award e finalista do Pulitzer em 2002. Abordando a doença a partir da própria experiência, o autor analisa, capítulo por capítulo, a ciência, os remédios, a terapia, os estigmas, o suicídio e demais facetas sobre o assunto sem perder o ritmo. Um livro de não-ficção denso e sem excesso de academicismo.
O luto de Elias Gro, João Tordo – por Vera Pinheiro (@ogatoleitor7)
Neste livro com uma história tocante o narrador, lacerado pelo passado, luta com os seus demônios no local que escolheu para se isolar: uma pequena Ilha no Atlântico. Mas para além da tão desejada solidão, ele acaba por encontrar muito mais. Uma narrativa tocante e comovente.