“Não decorre daí aquilo que chamamos de amor.”
Histórias sobre as Lolitas de homens de todas as idades, em suas devidas realidades de grande apelo universal, são quase sempre irresistíveis devido todo o seu potencial absolutamente descortinador de como uma relação humana pode ser caótica, sendo então marcante ou, no pior dos sentidos, traumatizante para ambas as partes, vida afora. Geralmente são relações fadadas ou pontuadas por tragédias nas quais esses homens, as voltas por motivos moralmente condenáveis com uma garota ou uma mulher, encaram sua musa inspiradora de forma tão hipnótica quanto à lua cheia é ao pobre lobo solitário. Suas Lolitas permeiam seus sentidos mais selvagens, e portanto, tornam-se onipresentes, inclusive, na imaginação ardente dos artistas.
Em A Paixão de A. isso não é diferente. Estamos falando, afinal, de Andrea, a garota que vem para desconstruir certezas e promover terremotos na vida pacata de quatro garotos de base estritamente religiosa, e inexperientes de quase tudo na vida, na cidade de Turim, no noroeste da Itália. Como coadjuvantes não-oficializados da história, temos Bobby, Santo, Luca e o narrador formam “o quarteto de Andrea”, ou seja, quatro planetas orbitando ao redor da estrela guia. Assim, ela (e a religião católica) guia-os por experiências que nunca almejaram ter, enquanto não se devotam a trabalhos voluntários num hospital público, de Turim. Com suas óbvias diferenças, passa cada vez mais a existir entre o quarteto algo em comum, além da amizade que um sente pelo outro: uma atração pelo chamado a aventura que Andrea tanto representa a esses moleques que aprendemos a amar, e sofrer por eles.
Mas é claro que tudo também é simples e infinito aos dezesseis anos, tempo de descoberta, folia e, claro, reviravoltas inconvenientes e necessárias, a todos. Se o amor e o desejo nessa idade é diferente, ainda sem o peso de mais dez anos na balança das coisas, Andrea é o contato que faz germinar as dificuldades da vida adulta para esses garotos, sendo a ponte, o elemento subversivo da adolescência de Bobby, Luca, Santo e o narrador para que todos sintam o gosto do que está por vir, ao mesmo tempo que acompanhamos tudo imersos e agraciados na maravilhosa sensibilidade do italiano Alessandro Baricco, um esplêndido escritor. Em primeira e emocionada pessoa, caminhamos e desbravamos, as vezes com espanto, pelas veredas sentimentais de um enlace tortuoso entre quatro projetos de homem, e uma garota que já sabe quem é, vivendo plena e confiante de si na Itália dos costumes dos anos 1970.
Vale notar que A Paixão de A., da Companhia das Letras, relata o quanto Andrea não é uma garota sexualizada ou desvirtuosa em suas ações, mas agindo em todo o seu comportamento forte e magnético como uma jovem mulher dos anos 2000, muito mais liberta de retrógradas convicções e segura do seu lugar no mundo. Em determinado momento (a narração aqui de Baricco é um deleite para qualquer leitor), os garotos vão junto de Santo, um jovem aspirante a padre (por medo de não se salvar das tentações do mundo), falar com a mãe de Andrea, pois todos acreditam que ela está indo ao caminho da perdição, ou seja: afastando-se dos caros mandamentos católicos. Inútil dizer que qualquer expectativa doutrinária acaba ruindo, junto de muitas outras certezas, diante da implacável natureza humana, e muito antes do fim um tanto simplista, mas comovente, Andrea se oficializa para eles como sempre foi, e o que jamais deixaria de ser nesta vida, em Turim: uma presença e uma alma inesquecível. Para o bem e para o mal.
Compre: A Paixão de A. – Alessandro Baricco.