Cory Doctorow talvez seja mais conhecido por sua militância na questão de direitos autorais e cultura livre do que como escritor, no entanto, ele já publicou diversos livros de ficção científica e ganhou prêmios importantes do gênero. Cinema Pirata, seu romance publicado em 2012, traz uma mudança em sua carreira: nele, Doctorow abandona a “ficção” e escreve um romance relativamente realista, focado no público chamado de “young adult“.
O livro tem Trent como protagonista, um menino que vive no interior da Inglaterra e edita filmes a partir de trechos que baixa pela internet. Entretanto, a história se passa em um futuro próximo em que todo tipo de download ilegal é monitorado e o infrator punido com perda da internet por um ano, o problema, é que nesse universo a internet é necessária para absolutamente tudo, de conseguir remédios a realizar tarefas da escola e o “crime” de Trent pode destruir sua família. Dividido entre a culpa e o impulso de fazer filmes, Trent foge para Londres e encontra todo tipo de personagens estranhos.
O problema de Cinema Pirata é que ele parece existir muito mais como panfleto para as ideias de Doctorow do que como um romance em si. A narrativa é frouxa, há poucos conflitos e todos eles se resolvem em um passe de mágica, mas há extensas passagens sobre as leis de combate a pirataria e seu perigo e a necessidade de uma cultura livre. Em primeiro lugar, Trent chega em Londres e sem maiores problemas vai morar em um squat que mais parece um hotel cinco estrelas, com pessoas maravilhosas e comida farta por nenhum dinheiro. Pouco depois ele arranja uma namorada linda e brilhante que o leva para o mundo mágico da militância.
Essa militância também é pintada como um mundo cor-de-rosa: todas as ações, altamente arriscadas e ilegais, do grupo que Trent participa terminam em enorme sucesso. No início do livro, um dos personagens centrais vai para a cadeia e diz que nunca quer voltar aquele lugar e é essa toda a menção que o romance faz às possíveis consequências da “guerrilha” cultural de Trent e seus amigos. Em todos os momentos, o leitor espera que algo dê errado, que alguma coisa confira tensão à trama, mas ela segue como se seus jovens personagens merecessem toda a sorte do mundo apenas por estarem lutando do lado certo.
O “lado certo” é também um problema no livro. Copyright, cultura livre, leis anti-pirataria são tópicos urgentes e importantes atualmente e Doctorow tem um mérito enorme ao decidir explorá-las, especialmente em um livro voltado para adolescentes, o problema é que ele não explora nada, só escreve um panfleto para sua posição. Mesmo para o leitor que está do lado de Doctorow (e eu estou) o tom de propaganda é incômodo e ficamos esperando algo que vá além de apontar para a grande indústria do entretenimento e chama-la de lobo mau. Há nuances nesse tema, como a possibilidade de uma obra ser apropriada para transmitir uma ideia que seu autor repudia, a possibilidade de artistas viverem de seu produto e muitas outras, que o livro não passa nem perto de abordar.
Cinema Pirata é bem escrito, com personagens vívidos, originais e divertidos, mas que, infelizmente, não conta uma história. É impossível se livrar da sensação que o escritor quer provar um ponto e angariar adolescentes sem discutir os aspectos mais nebulosos da questão e isso, além de tornar o livro chato, e em determinados momentos, o faz parecer desonesto.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.