O poeta é o lobo do Eu-lírico
Certos poetas perscrutam o que deflagra a poesia como os cientistas perseguem a origem do universo. A jornada é árdua nos dois casos. Contudo, enquanto os cientistas buscam no solo e no espaço as evidências inquestionáveis, os poetas caçam internamente o impulso lírico. O poeta é o lobo do Eu-lírico (tomando emprestado o simbolismo de Hobbs).
(Des)nu(do), de Thássio G. Ferreira (Íbis Libris, 2016) é destas obras que fuçam o poeta, a poesia e outras incongruências de existir. Desde o título o olhar mais atento revela que o autor pretende despir-se liricamente; cada poema uma peça que cai na jornada íntima ao Eu-lírico. E se o leitor achar o título apenas um jogo de palavras, logo o primeiro poema, “Desnudamento”, reforça o intento do autor: “Eis assim, vestido todo do que sou, / vestido de mim, que vou / a um desnudamento“.
Outra interpretação diria que o “desnudamento” proposto pelo poeta é a própria jornada do poeta em si. Este, até antes, aspirante, utiliza a odisseia íntima para descobrir-se poeta, visto que está nu de outras aspirações e deliberadamente empreende viagem com o propósito lírico. Com isso podemos dizer que os poemas resultantes são o próprio diário de viagem de quem desce dentro de si sem qualquer Ítaca ou Penélope que o aguarde.
Os poemas de (Des)nu(do) são em maioria versos livres e sem compromisso com a rima. Thássio aposta nas aliterações, metáforas, jogos comparativos e descrições, entre outras figuras de linguagem. O livro é composto de três partes: o poeta; a poesia; o tempo e o silêncio. Na primeira parte o poeta inicia a viagem íntima redobrando-se internamente; busca o desprendimento do mundo sem cair no niilismo.
A segunda parte é essencialmente metalinguística; o poeta traça teorias para explicar o processo lírico de composição. “Possibilidade de ocorrência”, sintetiza bem o capítulo: “A poesia se dá, / dentre outros momentos, / quando / a delícia estalada / do espanto / se sobrepõe / ao sabor / mais grave / do entendimento…”
Contudo, nenhuma teoria é assertiva porque tratamos da Poesia íntima, aquela metamorfa que assume novos versos a cada poeta. Sobre isso, há duas excelentes perguntas formuladas por Thássio no poema “Perscrutação de poeta”: “Em que pensa, / enquanto mente, / um poeta? / Que loucuras / elucubra / nos recessos / sem lua / de seu pensamento?”
A terceira parte reúne interesses do poeta traduzidos em poesia. Aqui notamos a preferência de Thássio por temas da natureza, tempo (o poeta precisa de tempo para escrever), versos íntimos, preocupação com o presente e o amor. Os poemas de Thássio G. Ferreira foram feitos para ser lidos e declamados; carregam esmero, harmonia, metáforas bem feitas, jogos de palavras e sentido, e questionamentos que surpreendem e encantam. Livro recomendado para novos apreciadores do gênero e leitores que admiram os poetas que se desnudam em versos.
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Texto de autoria de José Fontenele.