Um dos maiores atrativos iniciais ao me deparar com a capa de Doctor Who: Shada, publicado pela Suma de Letras e novelizado por Gareth Roberts, foram duas palavras, em letras não tão garrafais: Douglas Adams. O livro se apresenta como uma aventura perdida da série em que o autor d’O Guia do Mochileiro das Galáxias trabalhava como editor de roteiros em 1979, ano que a história foi escrita. E é exatamente isso que você deve esperar dele, um episódio da série clássica de Doctor Who.
Para os não familiarizados com o universo de uma série de TV que começou em 1963 e dura até hoje, ela narra as aventuras do Doutor, um alienígena com uma nave em formato de cabine telefônica capaz de viajar no tempo e espaço. Uma das características mais importantes da espécie do personagem, os Senhores do Tempo, é a capacidade de se “regenerar”, uma maneira de enganar a morte e voltar com um outro corpo, permitindo não só a troca de atores para o papel, mas também leves mudanças justificadas no comportamento do personagem.
Nessa história, acompanhamos a quarta encarnação do Doutor, interpretado na TV por Tom Baker e reconhecido pelo icônico cachecol colorido e gigantesco, tentando impedir que Skagra, um alienígena extremamente inteligente e apático tome posse de um livro que o permita encontrar Shada, um planeta utilizado como prisão para os Senhores do Tempo.
O tom variado da série consegue ser muito bem encaixado na novelização, com mudanças entre o humor, drama e suspense muito bem encaixados e distribuídos. É uma história leve de se acompanhar e divertida, já que as viradas de roteiro, bem como os momentos de apresentação de peças-chaves do mesmo são feitas a nos deixar empolgado de continuar a leitura. Uma das estruturas que ajudam nisso é da utilização dos capítulos como cenas, provável resquício da organização do roteiro, que faz com que haja agilidade na troca dos núcleos e faz com que seja possível manter um bom equilíbrio entre informações presentes em cada um deles de como a trama se desenrola.
Para além da organização dos capítulos em cenas, uma divisão de partes no livro também lembra como eram organizados os episódios antigos da série: um conjunto de quatro episódios para a formação de um arco da história. A diferença é que no lugar de quatro, temos o que seriam seis episódios aqui. A edição do livro ajuda no processo de devorá-lo, com fonte e papel bem escolhidos, permitindo manter a leitura no ritmo agitado e frenético típico da série.
Apesar de apresentar conceitos simples dentro de tudo o que aparece nas décadas de Doctor Who, eu creio que Shada esteja mais próximo dos iniciados que daqueles que nunca tiveram contato com esse universo. Por não ter sido inicialmente pensado como um material introdutório, diversos conceitos que fãs da série já tenham firmados podem ficar perdidos para o leitor de primeira viagem, fazendo com que a leitura não emplaque e você se sinta perdido em diversos momentos. E, como um arco de episódios feito para uma série que, apesar de tratar de ficção científica, tinha um foco no público infantil, e iria ao ar no final da década de 1970, não se deve esperar um roteiro tão bem trabalhado e carregado de humor que às vezes beira o macabro como seria o posterior trabalho de Adams. Portanto, se você teve contato com outros trabalhos do autor e quer experimentar o que ele escreveu em outro universo, é bom saber onde pisa.
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Texto de autoria de Caio Amorim.
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