Elegia do Irmão, da Editora Alfaguara, é o novo romance do experiente contista João Anzanello Carrascoza. Espécie de diário familiar construído em capítulos curtos e sentimentais, o livro é escrito por um narrador sem nome que deseja registrar e homenagear os passos de sua irmã, Mara, diagnosticada com uma doença grave que a levará à morte.
Mais lembrado pelos seus livros de contos ou infanto-juvenis, a produção de romances de Carrascoza é pouca, mas apresenta um tema constante: a família. Em adicional, todas as famílias do autor passam por alguma espécie de ruptura calcada da relação direta com o tempo. Contudo, se nos livros anteriores conseguíamos ver a ação cronológica como peça principal da trama, em seu romance, o tempo age nas entrelinhas acelerando e extinguindo as esperanças sobre a vida de Mara. A “elegia”, originalmente um poema lírico triste que prenuncia ou anuncia morte, é, portanto, o registro do irmão de Mara para os últimos dias dela.
Sobre o irmão de Mara, sem nome, podemos dizer que detinha por sua irmã o amor mais fraterno que se possa imaginar. Encontramos nele não exatamente o contraponto de Mara, mulher apresentada sempre como segura de si, independente e esperta, mas um homem sincero e aberto ao simples (porém rugoso) amor entre irmãos. Por conta disso e também pressentindo a dor da ausência futura, o irmão trata de descrever as situações do passado e do presente ao lado de Mara. Pululam cenas da infância, adolescência e vida adulta entre os dois. Em todas elas, a linguagem poética, sentimental e também fúnebre toma as linhas; antes que uma elegia, conseguimos ler uma homenagem sincera sobre uma vida que está condenada à morte.
Desde o início sabemos que Mara vai morrer. Isso cria um efeito de cumplicidade e pêsames para com o narrador-irmão de forma que largar a leitura é como deixar de compartilhar aquele sofrimento humano: a iminência da morte. E como não largamos a mão dele, conhecemos Cravinhos (cidade natural do escritor e onde a trama é ambientada), e as histórias familiares que ainda sobrevivem na memória dos daquela família.
Os pequenos capítulos do livro (momentos do diário), atestam o grande poder de síntese e clareza de Carrascoza. As palavras não sobram; são todas exatas, como pesadas a cada linha a fim de manter a mesma suavidade e beleza da narrativa. Assim, a história é sensível, podemos notar facilmente, mas carrega o tom fúnebre do porvir; por isso, todos os momentos onde as lembranças são alegres, sentimos também nós aquele vazio da ausência futura. O livro mantém essa ponte sensível entre as duas emoções e o efeito é dos mais complexos de se encontrar em Literatura – e dos mais belos de se ler. Desses livros que se nota a humanidade.
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Texto de autoria de José Fontenele.