“Não se pode ter amor e bondade quando se faz aquilo que sabe-se ser mal.”
E não é isso que todo malvado deseja, ser amado? Hitler andava cercado de crianças, Lex Luthor só quer ser amado como o Superman, e os sedutores vampiros da literatura mundial, o amor de quem deixaram para trás, em ordem de contarem com mais algumas noites de “vida”. Quem não tem amor, que lhe baste as paixões, um acalento para aguentar um umbral sem fim nesta Terra, roubando o tempo alheio para permanecer de pé. No seu primeiro e mais famoso romance, Entrevista com o Vampiro, Anne Rice desmistifica a glamourização excessiva destas criaturas para mostrá-las carentes, intensas, profundamente amarguradas e conflituosas, dentro da sua própria e pequena comunidade, em pleno estado americano de Nova Orleans, onde a escritora ainda é cultuada como um tesouro da cultura local.
Verdadeiras almas penadas, portanto, soltas e ao mesmo tempo presas e limitadas por sua quase insuportável e invariavelmente poética imortalidade. Uma sofrência, no uso mais contemporâneo da palavra, que dá gosto de se acompanhar pelas palavras de Rice, tão interessantes na construção de sua narrativa, dividida aqui em quatro partes, quanto os relatos (mais que) envolventes do vampiro Louis, aqui submetendo sua vida tal um livro aberto a um intrépido jornalista, o mais corajoso de sua espécie. Vampiros não nascem assim, o custo por sua sobrevivência é extremamente alto, e o peso da maldição que recai sobre esses seres da escuridão é sentido página a página, nesse monumento da literatura de mistério e suspense do século XX. Quarenta anos após sua estreia, ele já merece ser considerado assim.
Após ser vampirizado pelo famoso predador Lestat, uma figura icônica e ambiciosa que por onde passa, deixa seu rastro de destruição e ira, Louis é condenado a fazer parte de sua seita, na mítica cidade de Nova Orleans, se quiser sobreviver em grupo. Assim, ficamos conhecendo uma das melhores personagens do romance, a petulante e mortal Cláudia, uma triste figura de menina que de inofensiva, não tem nada. Com essa trinca principal de personagens, e um clima de constante tensão, Rice destila a culpa de ser quem se é, quando sua vida é feita em prejudicar os outros – mesmo que haja certo prazer nisso. Outro tema bastante recorrente e bem explorado em Entrevista com o Vampiro seria o forte sentimento de saudade que essas criaturas sentem por tempos mais simples, honestos e brandos com a existência humana que eles, mesmo mais fortes e com novas habilidades, sentem falta devido aos conflitos que enfrentam.
Rice é uma elegante masoquista com suas criações, e expõe o leitor a situações e temas difíceis com personagens maléficos, e ardilosos, mas que passamos a amar com um certo carinho especial. Talvez por isso a leitura seja tão veloz, e sedutora. É impossível ficar alheio as memórias de Louis, como ele chegou até ali, seus aliados, inimigos, e todas as aventuras repletas de grandes desafios e tragédias que fazem de suas entrevistas (nove rolos de fitas são necessários, num gravador antigo, para dar cabo da sua vida milenar), algo tão impagável de se acompanhar. Se o final deixa um gancho explícito para um segundo volume, poucos conseguem resistir a tentação de continuar neste universo de dor, sangue, punição e noites eternas que definitivamente não encontra adversário, a altura, na produção cultura de hoje em dia.
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