Eu Algum na Multidão de Motocicletas Verdes Agonizantes, de Zeh Gustavo, publicado pela Editora Viés, é um ambicioso livro de contos que prima pela linguagem lírica e ao mesmo tempo tempestuosa, rítmica, com um afiado e certeiro tom de quem entende de escrever Literatura. O livro conta com 21 contos, alguns com títulos simples como “Carlito” e outros como “O pessoal com quem eu trabalho me recomendou um médico mas ele veio a falecer”, que acho estimulante.
Repito que se trata de um livro ambicioso porque após a leitura do primeiro conto, “Carlito”, paira uma atmosfera que vicia o bom leitor. Há um lirismo, um apego poético e ao mesmo tempo quase barroco ao idioma, sustentando um caso afetivo e popular de difícil tonalidade literária; algo como se esperássemos um confronto bélico entre o culto e o cotidiano naquele primeiro conto, mas o resultado é de ambos se cumprimentando e se complementando nas páginas do livro. É isto: os contos de Gustavo tinham tudo para se digladiar internamente por conta da disputa forma e conteúdo, mas o que encontramos é uma harmonia assombrosa fruto de muito trabalho sobre o texto. Aliás, o primeiro conto é síntese de todo o conteúdo a porvir.
Há uma fina obsessão que talvez seja justificada pelas referências a Tom Zé e Campos de Carvalho presentes na obra. De um lado o letrista paranoico pelo som e a métrica do verso; do outro o romancista dono de obras excêntricas e intrigantes (por vezes filosóficas) como A Lua Vem da Ásia e A Vaca de Nariz Sutil, por exemplo. O ponto em comum com a obra de Gustavo me parece ser a ideia de concerto e desconcerto da escrita e do conto em si. A justificava para isso se dá por conta da variedade de experiências que o autor de Eu Algum na Multidão de Motocicletas Verdes Agonizantes faz com sua própria obra. Encontramos uma diversidade na construção de frases, divisão de conflitos num conto, diversidade de motes literários e experimentação sobre a desconstrução do gênero. E isso apenas do ponto de vista da teoria.
Do ponto de vista de quem desfruta o livro, o autor constrói histórias singelas, emotivas, familiares, mas também com cargas de violência, fatalismo, traição e personagens dúbios. O autor tem uma amplitude de temas e sabe aproveitá-los muito bem; os diálogos são bem trabalhados, há uma boa construção de descrições e fluxos de consciência, e os personagens são donos de verdades particulares e valiosas. Um trabalho literário admirável, sem sombra de dúvidas. É ou não ambicioso?
Só tenho o que recomendar, fiquei realmente surpreso com o livro. E viva as editoras independentes como a Viés, que fez um bom trabalho de diagramação e do objeto livro; a capa é muito bonita, o papel é gostoso de ler e pegar, diagramação bonita – ótimo produto.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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