Fui apresentado à prosa de Clara Averbuck por meio da coletânea literária 25 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira, organizada por Luiz Ruffato. Lançada pela Editora Record em 2004, a seleção foi direcionada às autoras contemporâneas que produziam literatura, considerando tanto as literárias consagradas quanto novos talentos que despontavam no cenário brasileiro. Ao fim da leitura, fiz uma seleção entre o melhor, o pior e Clara Averbuck.
O conto, Psycho, apresentado na edição, tinha potencial, mas parecia o fluxo de consciência não apurada de uma adolescente que desejava ser escritora. Diante de uma quantidade razoável de bons contos, perguntei-me se o organizador da obra o selecionara como um dos melhores da autora ou escolhera inseri-lo apenas pelo fato da história representar uma vertente da literatura virtual, disseminada por blogs no início do século que, à época, foram relevantes para fundamentar alguns conhecidos da mídia atual.
Lançado originalmente pela Editora Conrad, Máquina de Pinball é o primeiro romance da autora, que teve sua obra relançada pela Sete Letras em bonitas edições de capa-dura e design próprio de uma coleção. Reconhecendo que a arte nunca é unilateral e depende, em parte, da recepção do leitor, utilizei para Averbuck o mesmo sistema de regras que estabeleci em algum momento do passado: nunca considere uma obra ruim sem analisá-la mais de uma vez (falo isto a mim mesmo quando, em meados da adolescência, assisti ao filme Casablanca em uma modorrenta noite calorosa, questionando, depois, a qualidade deste clássico. Hoje, pergunto-me como não amei a saga amorosa de Rick Blaine). Foi a razão pela qual realizei a leitura deste livro.
Primeiro romance da autora, a obra segue um estilo livre e confessional, abusando da confidência como um atrativo ao leitor. Não há uma linha narrativa evidente a não ser o cotidiano de Camila, uma personagem à procura do equilíbrio entre uma profissão que lhe dê estabilidade financeira e prazer. Os capítulos são sucedidos de histórias e causos relatados sem nenhum pudor, fazendo do leitor uma espécie de confidente de suas desventuras. A composição crua e coloquial gera simpatia, nos dando a sensação de que não estamos diante de uma figura fictícia e pomposa, que faz da virtude da língua uma máscara para esconder pecados. Nesta linha confessional, a personagem vive a fase da descoberta, aproveitando o luxo de ainda sobreviver às custas dos pais em meio a uma São Paulo sempre massacrante, entre bebidas, amores não correspondidos e quartos baratos divididos com diversos outros estudantes de verba limitada.
O estilo prosaico e confessional aproxima-se da narrativa de Charles Bukowski, o escritor americano que transformou sua vida em obra literária, entre mulheres e doses de bebida, e tornou-se um dos símbolos máximos da literatura sem filtro narrativo. Um jorro de consciência bem humorada que o fez ser copiado, replicado e admirado por muitos escritores.
O reflexo entre a vida da autora e a personagem tangencia a obra, tanto que, ao seu final, a própria Averbuck brinca com a veracidade dos fatos ao utilizar uma das cartas primordiais dos escritores, afirmando que tudo, ou boa parte, pode, ou não, ser baseado em fatos reais. Como obra, o romance é circular, finalizando seu enredo na afirmativa de que a história gerará um livro, evidenciando a intenção de uma história vivida e relatada posteriormente.
Pontuada por citações musicais em cada capítulo, Máquina de Pinball tem fôlego em sua brevidade e, mesmo que explicite uma das fontes inspiradoras da escritora, traça um primeiro ponto para o início de sua carreira literária. A edição também apresenta um prólogo fraco de Antônio Abujamra, que mais realiza a citação de trechos-chave da obra do que produz uma crítica genuína, algo que, supostamente, aumentaria a vontade do público em ler o romance.