Herman Koch, escritor holandês e sensação literária na Europa com o best-seller O Jantar, recém-lançado e traduzido pela editora Intrínseca, diferencia-se facilmente de boa parte dos escritores atuais. Primeiramente, por deixar claro não estar preocupado em apresentar personagens desagradáveis e longe de qualquer empatia com seus leitores. Em segundo, Koch reforça que, independente de quão indigestos eles possam ser, continuarão sendo interessantes.
O Jantar trata de uma premissa bastante simples: a reunião de dois casais para um jantar em um restaurante de alto padrão de Amsterdã. O romance se desenrola entre o que parece ser um trivial jantar entre amigos, mas que se trata, na verdade, de uma ocasião para conversar a respeito do futuro de seus filhos. Paul é o nosso guia, e com Claire, sua esposa, se reúnem a Serge e Babette. Pouco a pouco, as banalidades são deixadas de lado para que o motivo desse encontro venha à tona.
Paul é um sujeito impaciente e, ao longo dos primeiros capítulos, acompanhamos todo o seu descontentamento pela escolha daquele restaurante e toda a pretensão envolta, seja pelos ditames da sociedade sobre as etiquetas sociais, como também pela sua rejeição aos padrões daquele fino ambiente. Ademais, Paul pouco a pouco traça o perfil de Serge, seu irmão e candidato a primeiro-ministro da Holanda, qualificando-o como um hipócrita ganancioso. Se no temperamento do personagem parece apenas haver espaço para seus desafetos, o mesmo não pode ser dito sobre sua mulher e filho, únicas razões de amor e devoção de Paul.
Importante ressaltar como a narrativa inicial do protagonista é sedutora. A identificação é mais do que comum, contudo Koch disseca os personagens ao longo deste jantar, e o que está em jogo dificilmente manterá o leitor com a mesma identificação com o narrador como era possível anteriormente. O autor constrói Paul ao longo de pequenos flashbacks e observações que nos levam a conhecer melhor aquela família, até chegar à derradeira revelação do segredo que envolve seus filhos.
A narrativa de Koch trata de temas que parecem saídos de um romance de Bret Easton Ellis, dada a brutalidade e o retrato de uma sociedade superficial e de comportamento egocêntrico. As semelhanças com o longa-metragem O Deus da Carnificina, de Roman Polanski, também são inevitáveis. O escritor faz uma forte crítica às aparências e à hipocrisia que existe no dito comportamento civilizado, mostrando a completa indiferença ao próximo e o que há de mais grotesco no ser humano.
O autor não faz concessões. Seu enredo não procura leitores que buscam redenção ou um caráter acolhedor e edificante em suas páginas. Suas revelações são cuidadosamente construídas, e apesar de uns tropeços aqui e ali, entrega uma forte obra que é o retrato de nossa sociedade doente e com valores completamente invertidos. O desfecho do romance é bastante perturbador, assim como aquele jantar que não lhe cai bem no estômago.