O autor, roteirista e romancista Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Nonato se vale do coloquialismo e da fala mansa para incitar o leitor a buscar a sua vocação. O Roteirista Profissional busca ser não só um manual de escrita como os de Robert McKee, por exemplo, mas também um tatibitati da profissão de escritor, utilizando-se de exemplos dentro do imaginário coletivo para reforçar a ideia de universalidade em contar histórias.
Pouco depois da introdução, o escritor cita um grande número de outros produtores culturais, dentre autores de romances literários (Voltaire, Dostoiévski, etc) como realizadores. Seu argumento passa por jogar tudo dentro do mesmo balaio, colocando no mesmo patamar tudo dentro do campo das ideias. O processo destacado por ele segue uma cadeia de eventos: o encontro da ideia, o gênero ficcional favorito; storyline: onde se abrange todos os aspectos da história, incluindo a mensagem principal da trama. É a ideia posta no papel e com definição de gênero; argumento é a história detalhada, ainda que sem os diálogos e o tratamento técnico específico do veículo. Depois de tudo isto, vem o resto — o mais importante.
Rey prioriza os argumentos ligados à naturalidade da história, e induz o leitor a falar daquilo que entende e do que está familiarizado. Seu livro é muito didático e faz um apelo para que o roteirista faça uso de um cenário que lhe seja familiar, usando Jorge Amado e a Bahia como exemplo bom, e o paraibano José Lins do Rego em sua obra Eurídice, que se passa no Rio de Janeiro, como exemplo ruim, apesar deste ter morado no Rio por muito tempo. Frisa também que não há fórmula de sucesso, claro que sem invalidar a cartilha de Joseph Campbell e sua jornada de herói, mas é importante focalizar a questão primordial de entender a qual público o roteiro se dirige. Outra boa é a discussão sobre a definição dos gêneros, que ajudam a formatar a ideia e torná-la mais universal, ao mesmo tempo não se tornando uma muleta ou um objeto restritivo de assuntos tratados na trama.
A criação dos personagens também é focada de forma detalhada e muito bem explicitada, até indicando ao autor leitor que faça uma entrevista com seu protagonista, a fim de enriquecer seu background com detalhes. Marcos Rey até critica os heróis machos alfa por sua falta de dualidade e nuances, ainda que veja neles uma construção sólida e rígida de personalidade. O maniqueísmo já não deve prevalecer no protagonismo das aventuras modernas ou pós-modernas. Uma boa ressalva é a relação que o roteirista deve fazer com as imagens, pensando as ações não em palavras, mas em como elas ficariam diante das lentes das câmeras. Há também maior detalhamento a respeito das movimentações da câmera e planos de filmagem, apesar de estes movimentos, a priori, não constarem em roteiros, visto que esse tipo de indicação é bastante controversa. A definição que Rey faz de plano geral (long-shot) é muito boa, dizendo que este informa ONDE, enquanto os outros planos informam POR QUÊ, sendo o travelling o plano de ação que remove a monotonia.
Além disso, o autor aponta a dicotomia e diferença de comportamentos entre o roteirista-artista que trabalha por prazer e tem tempo de sobra para o seu ofício, e o que atende um pedido comercial, como um operário, o qual tem um prazo apertado para gerar o seu trabalho.
No imaginativo capítulo Entrevista ou (mero papo), o aprendiz de roteirista faz perguntas ao veterano. Há um diálogo entre as figuras de roteiristas, um experiente e outro ainda leigo, e um fato é demonstrado com muita frieza. Uma das perguntas é se um bom roteiro pode ter valor literário, e a resposta envolve que a possibilidade de encarar o script como arte só é possível se este for filmado, e que mesmo que seja, as glórias invariavelmente serão do diretor e prova disso é a pecha de “realizador” para o cargo. Essa máxima é quebrada eventualmente, vide os roteiros de Charlie Kaufman, Braulio Mantovani e outros, mas especialmente no Brasil a afirmação vale de verdade. As sugestões desta parte são ótimas e valem muito a pena serem seguidas, especialmente a que envolve a ida do possível escritor ao cinema na maior quantidade de vezes que este conseguir, e se ter em mãos o roteiro escrito, deve fazê-lo, até mesmo para ter o mesmo prazer de uma criança ao desmontar seu brinquedo e vê-lo por dentro.
Um dos últimos capítulos é reservado para um roteiro, dos mais comuns, para a televisão, do próprio autor para mostrar o quão simples deve ser um roteiro para a TV, especialmente pela efemeridade do meio e pela reciclagem comum da negociação. Após isto, Rey fala sobre o que é, para ele, uma das piores heranças deixadas pela rádio e televisão, que são os diálogos das telenovelas, os quais têm origem nas radionovelas, tão populares na América-latina. Muitas tentativas foram feitas para mudar este fato, quase todas sem êxito, pois até os artistas estranhavam a mudança para a linguagem corrente à época e a verossimilhança, visto que, para eles, “a novela era justamente aquilo que o povo gostava, não o que nós (eles) gostávamos”, o que por si só já demonstra o quão subestimada é a inteligência do grande público.
Ao final, o autor destaca um interessante vocabulário crítico para ajudar ainda mais o roteirista iniciante. A obra de Marcos Rey é das mais simples, mas ajuda muito a pessoa que se interessa pelo formato e que não possui nenhum conhecimento prévio.
So uma correção José do Lins Rego é paraibano e morou muito tempo no Rio de Janeiro.
Corrigido.
Obrigado!