“Não havia balas com meu nome. […] Não havia bombas feitas para nós.”
Tido pela revista Rolling Stone como o primeiro grande romance situado na guerra do Iraque, eis um livro que não sentimentaliza os efeitos do conflito na mentalidade humana, ao optar por não suavizar o drama no qual os soldados (na sua maioria jovens homens) passam, fora do seu país de origem, entregues a barbárie que ajudam a alimentar. A desumanização é um processo real que Bartle e Murphy enfrentam. Dois amigos, integrantes de um pelotão de combate em Al Tafar, entre os mortos que eles foram enviados para produzir. Não em nome do seu país ou do seu povo, como Kevin Powers nos faz refletir desde o início, e sim em nome do imperialismo norte-americano. Implacável, como se faz, através dos corpos e psicológicos frágeis dos recrutas largados a própria sorte, no inferno, com um rifle, binóculo e capacete cada um.
Há heróis e vilões em uma guerra declarada, e essa é uma mentira que os filmes do gênero tanto recontam as massas, nas temporadas do Oscar. A glamourização desse evento (ou pior, a espetacularização dele nos jogos de videogame ou no cinema mesmo) é de um cinismo que impressiona qualquer um que reconhece, minimamente, o terror do momento que parece ser eterno. Ao narrar em primeira pessoa, revelando os mínimos detalhes emocionais e práticos do dia-a-dia em zona sitiada, Bartle descreve em Pássaros Amarelos uma espécie de ciclo de martírio sem fim, e que não convida ao bom combate um homem diante da sua obrigação, mas a exaustão. Quando os morteiros caem por todos os lados, pelo décimo dia seguido, ninguém aguenta mais – talvez nem aqueles que atacam os americanos, “defendendo” sua terra natal. Todos têm alguma coisa a perder.
Em meio a ação do tiroteio, das explosões, Bartle sobrevive por si, para proteger seu amigo, para proteger suas memórias, e por último, numa lista de cinquenta prioridades, para receber medalhas no retorno talvez impossível aos Estados Unidos. O jovem soldado vê seus parceiros de guerra mudando, o perigo entrando no DNA de cada, já que o comportamento do pelotão se altera, à medida que o tempo avança – rumo aonde? Kevin Powers torna esta publicação da editora Bertrand uma obra precisa, e imersiva, ao decodificar a tensão da guerra do Iraque, e sua brutal imprevisibilidade, sob um apreço quase que paternal para com os personagens, e seus destinos. O fato (que ainda não terminou) ganha contornos marcantes em Pássaros Amarelos, um belo romance que vai além de mero documento histórico, para alcançar assim o status de tratado não-apologético sobre os limites e a natureza do ser humano, quando forçado a participar de uma situação limite, e transgressora.
Compre: Pássaros Amarelos – Kevin Powers