Uma troca de cartas repleta de segredos de alcova, engenhosas estratégias de manipulação e cruéis jogos de poder vêm a público em As relações perigosas, clássico romance francês escrito por Chordelos de Laclos no século 18. Considerada uma das obras mais controversas, discutidas e representativas da França pré-revolução, o título ganha nova edição pela Biblioteca Azul, selo editorial da Globo Livros, 20 anos após sua última publicação no Brasil. A obra mantém a tradução de Carlos Drummond de Andrade, que apresentou a história de Laclos ao público brasileiro em 1947, e o posfácio também assinado pelo poeta, com textos revisados.
O clássico romance francês de 1782 conta, por meio de cartas trocadas pelos personagens, as artimanhas de dois libertinos, o visconde de Valmont e a marquesa de Merteuil, em sua disputa por seduzir e descartar amantes – como Cécile, jovem confidente da marquesa que está prestes a se casar, e a virtuosa, porém já casada, madame de Tourvel.
(fonte: Globo Livros)
Criticada duramente na época de seu lançamento, a obra versa basicamente sobre dois assuntos que interessam a todo mundo, mas que ninguém admite conversar a respeito: sexo e a vida alheia. É interessante pensar que um militar de alta patente – Pierre Chordelos de Laclos foi general do exército francês – tenha conseguido abordar tal assunto tão brilhantemente e num formato narrativo que instiga a curiosidade e, ao mesmo tempo, provoca a inteligência do leitor: o livro é todo escrito em missivas.
Devo admitir que é um dos formatos que me atrai instantaneamente. Caso tenha de escolher entre um livro narrado “normalmente” e um em formato epistolar, indubitavelmente optarei pelo segundo. Agrada-me o desafio de preencher as lacunas, de imaginar quais as intenções do personagem que escreveu a carta e qual a reação do leitor a quem ela se dirige.
Como se já não bastasse o interesse despertado pelos assuntos principais das cartas citados acima, as entrelinhas conseguem ser tão ou mais interessantes. O retrato da época, a descrição da burguesia – as aparências e o que fica por baixo dos panos -, as relações políticas, sociais e econômicas entre os personagens que povoam as cartas estão ali incrementando a trama para deleite do leitor ávido por algo mais além do enredo cheio de intrigas e imoralidades.
Laclos permite que o leitor entreveja nas cartas a natureza cruel e ignóbil dos protagonistas. E nos lembra a todo momento que são os vilões da estória. Que são eles os representantes do que havia de mais traiçoeiro e pérfido na elite daquela época. E que se são tão bem sucedidos nessa sociedade dissimulada e decadente é por que – como se diz hoje no futebol – “quem não faz, toma!”. Contudo, é impossível ao leitor não se deixar levar pela loquacidade de suas palavras. O texto melífluo e envolvente o imerge em seus ardis, assim como aos demais personagens – assunto das cartas.
Mesmo retratando tão fielmente a época em que se passa a estória, é ainda bastante atual em sua crítica ácida aos artifícios do convívio social. Foi adaptada várias vezes, tanto para o teatro quanto para o cinema, mas não se deve prescindir de sua leitura, bastante agradável e fluida.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.
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