Boas notícias: o mundo está ruim para todo mundo, as relações de trabalho pioram num ritmo alucinante sob o lema “é cada um por si”, o sentimento de insegurança cresce numa escala universal cada vez mais, e um personagem como o Coringa é exaltado num filme de mais de um bilhão nas bilheterias. Sintomas de uma insatisfação, medo e um pessimismo quase que generalizados, de 2010 para cá, após as dificuldades de um sistema econômico globalizado que parece nunca ter se recuperado 100% da crise de 2008, e o nascimento forte e oportuno de um conservadorismo político que se revigorou após um longo coma. No receio de um futuro onde negros e gays serão cada vez mais respeitados, e a ciência terá um papel tão relevante quanto a religião já teve (e tem) na humanidade, a maioria das pessoas que pede pelo novo não troca o certo pelo duvidoso, ironicamente, e voltam vinte casas no jogo da vida, aos tempos em que “o mundo não era chato” e deixando-se acreditar, gerações depois, que menino veste uma cor, e menina outra.
Num futuro pré-histórico, a única evolução possível é a do formato da Terra. Nesse cenário que por si só parece tão caótico quanto outros famosos da ficção, a França em 2022 é engolida por um conservadorismo imbatível através da Fraternidade Muçulmana, que entre outras medidas pretende estalar um currículo escolar adaptado aos ensinamentos do Alcorão as crianças francesas, além de retirar o financiamento do ensino público para que todos os pais queiram matricular seus filhos no ensino particular muçulmano. Nessa condição de Submissão aos valores externos ao país, as eleições se desenrolam e tudo leva a crer que essa será a nova realidade de uma nação ocidental e até então sócio democrata. Nisso, o professor universitário François, da faculdade de Sorbonne, se vê completamente apreensivo e intimidado diante da possibilidade de um estado autoritário. Assim, o regime islâmico se estabelece no seu país e François não sabe como reagir, apesar de uma crescente sensação de fuga ser cada vez mais plausível aos temores de um simples professor de letras.
Sucumbindo aos receios de um possível dogma que irá recair, por vias eleitorais, a todas as instituições da França, a começar pela universidade que trabalha, logo no dia seguinte as eleições François acorda e já espera pelo pior, desde o comportamento dos seus alunos (que não se altera) a violência das manifestações públicas de quem ainda pretende defender a democracia francesa. A paranoia parece tomar conta dele, e seus contatos que começam a retirar seu dinheiro dos bancos públicos. Estimulado a fugir de Paris, onde o pior pode acontecer, François arruma as malas e parte da capital, ciente de escapar de um desastre que, para ele, de certo irá se abater aos que ficam, pois tudo irá (aparentemente) mudar com os novos costumes. Um forte debate étnico e humanitário se forma a partir das expectativas e dos preconceitos de um homem pensando e repensando o desconhecido, algo proposto na narrativa por Michel Houellebecq e que se torna a base de uma história conflituosa por natureza.
Submissão dialoga perfeitamente, com grande charme e ritmo constante na narrativa em primeira pessoa, junto as mudanças de um mundo globalizado e sua recepção aos olhos não só da maioria das pessoas, mas daquelas que dissonam a grande voz, e por isso, sentem-se cada vez mais solitárias com suas verdades. Mudanças essas que intimidam o status quo das coisas pela rapidez que acontecem, e que afetam ideologicamente, sobretudo, todos aqueles que ainda não estão alienadas pelo lado mais doce que o espetáculo da mídia nos apresenta. François tem medo do amanhã, e foge da chuva um mês antes dela, porventura, vir a cair – ou não. Há muito o que se comparar aqui com outras distopias mais surreais que essa, mas que também transmitem um cenário de achatamento ao indivíduo, tal o clássico 1984, de George Orwell. A diferença primordial a suas possíveis comparações é que Submissão é absolutamente objetivo a ideologia atual da política mundial, importando-se menos ao impacto tecnológico das mudanças sociais e mais com o quadro mental do cidadão diante do novo, e do diferente. Um livro publicado no Brasil pela editora Alfaguara, e tão relevante à atualidade quanto poderia ser.
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